• Nenhum resultado encontrado

o plano apresentado fora assinado por José de Oliveira Reis (engenheiro civil), Raul Penna Firme (engenheiro

arquiteto) e pelo professor Roberto Lacombe. Sem ter mais tempo hábil para apresentar neste trabalho uma discussão mais aprofundada deste documento ou do trabalho desta comissão, me atrevo a dizer apenas que a proposta de cidade por eles apresentada parece estar composta de princípios norteadores comuns aos do plano piloto apresentado por Lúcio Costa anos depois. Por exemplo, a construção de um eixo monumental ou de quadras residenciais que criariam unités de voisinage. Mesmo identificando alguns princípios comuns, a proposta apresentada em 1955 resulta numa disposição urbanística bem distinta daquela que se efetivou no governo JK.

9 9 Lucio Costa nasceu em Toulon, na França, em 27 de fevereiro de 1902. Considerado líder do movimento de

implantação da arquitetura moderna no Brasil, foi consagrado como o criador do Plano Piloto de Brasília. No ano de 1960 recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Harvard, dos Estados Unidos. Em 1987 lançou Brasília Revisitada, trabalho no qual pede que se respeitem as quatro escalas que estiveram na concepção da cidade: monumental, residencial, gregária e bucólica. Em 13 de junho de 1998 faleceu em sua residência no Leblon, na cidade do Rio de Janeiro. (http://www.iphan.gov.br/centenarioLucioCosta.htm)

1 0 0 A Comissão Julgadora do Concurso do Plano Piloto de Brasília estava assim composta: Israel Pinheiro

(presidente da NOVACAP), Sir. William Holford (Inglaterra), André Sive (França), Stamo Papadaki (EUA), Oscar Niemeyer (NOVACAP), Luis Hildebrando Horta Barbosa (Clube de Engenharia) e Paulo Antunes Ribeiro (IAB).

evidencia uma grande experiência e uma concepção arquitetural que se projeta no futuro”.101

Essas falas criam, de certa forma, uma atmosfera de monumentalidade mesmo para a proposta de Lúcio Costa, e nos informam sobre aspectos de seu projeto que serão objeto de discussão do próximo capítulo. Qual era a sua proposta de cidade? A imagem criada para a cidade corresponde ao que Costa propôs no plano diretor? Brasília atendeu aos ideais de igualdade tão proclamados por seus defensores como característicos da cidade? As cidades satélites podem ser entendidas como desvirtuações do plano diretor?

Em suma, quantas cidades cabem numa só?102 Apropriei-me da proposta

das antropólogas Maria Cecília Costa e Rosângela Digiovanni, na tentativa de interpretar as imagens várias sobre a cidade de Brasília. De quantas Brasílias podemos falar? Quantas delas podemos perceber? A de Lúcio Costa? A de Oscar Niemeyer?103 A de Juscelino? Dos

candangos? Dos atuais moradores? Daqueles que habitam suas periferias? Qual delas representa a Brasília real? Quais delas se mesclam na tentativa de dar unidade a um espaço plural? Brasília foi desenhada por seus idealizadores como um corpo de disciplina

1 0 1 Revista Brasília, no 43, julho de 1960.

1 0 2 Essa pergunta foi inspirada no interessante trabalho de Maria Cecília S. da Costa e Rosângela Digiovanni,

intitulado “Antropologia, espaço e cidade: um olhar sobre Curitiba”, onde as autoras argumentam que a apropriação dos espaços dessa cidade é exercida de forma vária pelos grupos sociais que a compõem, e analisam esse exercício de apropriação a partir da experiência de dois grupos ligados à história da cidade: os “curitibanos”, que ocupavam o centro da cidade; e os “polacos” que viviam em sua periferia. Partem para a constituição e os usos que cada um dos grupos faz do espaço urbano em Curitiba, e como esses usos abrem caminho para que surjam várias cidades de suas falas e representações. COSTA, M. C. S. da e DIGIOVANNI, R. “Antropologia, espaço e cidade: um olhar sobre Curitiba” In: SÁ, C. (org.) Olhar Urbano, Olhar Humano. São Paulo: IBRASA, 1991, pp. 33-54.

1 0 3 Oscar Niemeyer Soares Filho nasceu no dia 15 de dezembro de 1907 e diplomou-se arquiteto pela Escola

Nacional de Belas Artes em 1934, iniciando sua carreira no escritório de Lúcio Costa. Sua obra, juntamente com a de Lúcio Costa, representa a mais alta expressão da moderna arquitetura brasileira. Em 1956, foi nomeado diretor do departamento de arquitetura da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), empresa encarregada da construção de Brasília. Juntamente com Lúcio Costa elaborou um dos mais importantes exemplares da arquitetura mundial contemporânea, símbolo maior da arquitetura e do urbanismo brasileiros. Na nova capital do país projetou, entre outros edifícios e logradouros, o Palácio da Alvorada – residência oficial do presidente da República –, a Praça dos Três Poderes, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto – sede do governo federal –, o Palácio da Justiça, a Esplanada dos Ministérios ((1956-1958). Também são de sua autoria os projetos da Catedral de Brasília (1958-1970); o Palácio dos Arcos (1959-1967), e o Teatro Nacional (1960-1963). LEME, Maria Cristina da Silva. Urbanismo no Brasil 1895/1965. São Paulo, Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999.

52

que corresponderia a um projeto de racionalidade dos espaços e das vivências. Será que esse “desenho” se realizou? Que imagens são possíveis para essa cidade?

Extensa, múltiple, resulta difusa; sobretudo porque seu alento orientador, seu impulso de engrandecimento parece projetar-se em todas as dimensões, não reconhece limites potenciais; mas, também, é concisa, particularmente, em sua simetria (...) Os seus ângulos, contudo, não foram capazes de distorcer a fé, a integração, esta estrutura harmônica a um mesmo

tempo inconcebível, funcional e urbana como preconizou Lúcio Costa.1

O urbanismo modernista, sob a influência da Carta de Atenas e de Le Corbusier, que inspirou Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, supõe uma ordem pré-estabelecida para a organização da cidade, com base na racionalidade do espaço, determinando, separadamente, o lugar de funções diferenciadas e no qual a sociedade deve estar

submetida para organizar sua existência.2

O ano era 1956. Era publicado o “Edital para o Concurso do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil” (anexo 02), que estabelecia o prêmio de um milhão de cruzeiros para o autor do projeto vencedor. “A nova capital nascia sob o signo de uma grande aventura e havia a expectativa de se encontrar um projeto que imprimisse a contemporaneidade e a ousadia esperada de Brasília”.3 Desde a publicação do edital

estava claro que esta cidade deveria ser pensada como centro político e administrativo do país, portanto, a sua função governamental deveria ser priorizada nos planos propostos. Em nota oficial, publicada pela NOVACAP4 em 1957 por ocasião da divulgação dos

resultados do concurso vê-se expressa essa necessidade:

1 PENA, José Maria. “As Constelações de Brasília (II)”, Correio Braziliense, 29 de abril de 1961.

2 PENNA, Nelba A. Brasília, do espaço concebido ao espaço produzido. Tese de Doutorado, FFLCH-USP, São Paulo,

2000, p. 15.

3 Cabe lembrar que a arquitetura moderna brasileira despontara a partir de 1927 com a construção da primeira

casa modernista de Warchavchik, em São Paulo. Rino Levi, Lúcio Costa, Álvaro Vital Brazil, o polêmico Flávio de Carvalho e Oscar Niemeyer deram grande impulso à criação da arquitetura moderna no país. Era grande a influência das idéias de arquitetos como Mies van der Rohe, Frank Loyd Wright, Gropius e, sobretudo, o grande mestre Le Corbusier, que teve uma imensa importância na formação e avanço da moderna arquitetura no Brasil. Informação extraída do texto divulgado no site:

http://www.unb.br/ics/sol/itinerancias/bsb/bsb.html.

4 Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital, empresa criada a 19 de setembro de 1956 e

54

(...) A capital, cidade funcional, deverá além disso, ter expressão arquitetural própria. Sua principal característica é a função governamental. Em torno dela se agrupam todas as outras funções e para ela tudo converge.

As unidades de habitação, os locais de trabalho, os centros de comércio e de descanso se integram em todas as cidades de uma maneira racional entre eles mesmos.

Numa capital, tais elementos devem orientar-se, além disso, no sentido próprio do destino da cidade: a função governamental”.5

Assim deveria ter sido pensada Brasília, e Lúcio Costa talvez tenha conseguido dar significado e estrutura a essa cidade “capital”. Ele mesmo afirmou não ter considerado em seu plano os trabalhadores, o que nos parece mostrar que a sua preocupação era com a função governamental da cidade, e não com as pessoas “comuns” que poderiam vir a habitá-la. Ele diz ao visitar a cidade tempos depois: “... isso tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construíram a cidade e estão aí legitimamente. É o Brasil... e eu fiquei orgulhoso disso, fiquei satisfeito.. é isto. Eles estão com a razão, eu é que estava errado. Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras reais, não é uma flor de estufa como poderia ser, Brasília está funcionando e vai funcionar cada vez mais. Na verdade o sonho foi menor que a realidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu fiquei satisfeito me senti orgulhoso de ter