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4 APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO

4.3 A TOTALIDADE POSSÍVEL PARA OS ESTUDOS DE RECEPÇÃO

4.3.2 Aproximação com o campo

De caráter marcadamente qualitativo, restringimos nossa pesquisa ao estudo de três casos: o do estudante universitário Marcelo, de 26 anos; o do técnico em telecomunicações Fernando, de 34 anos e o do dentista Gustavo, de 49 anos. Compreendemos o estudo de caso como “uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas” (YIN apud DUARTE M., 2014, p. 2016).

A profundidade da investigação – e o consequente número elevado de questões e de encontros – pressupôs a necessidade de se consolidar certa confiança no entrevistador e disponibilidade de tempo do entrevistado (uma vez que as entrevistas foram realizadas em espaços domésticos ou em lugares que eram íntimos dos informantes). Como aponta Lahire (2004, p. 33), o fato de falar de si mesmo durante tanto tempo (e sobre temáticas pessoais, como sexualidade, relacionamento e família) excluía, quase que por completo, dois tipos de pesquisados: os muito próximos e os totalmente desconhecidos. Desse modo, nossa amostra foi composta a partir de sugestões de pessoas conhecidas – amigo de amigos, familiares de conhecidos, amigos de familiares, etc.

Marcelo (nome fictício sugerido pelo próprio informante) foi contatado por intermédio de uma ex-aluna de um projeto pré-universitário popular, de quem fui professor de redação por dois anos. Em certa oportunidade, encontrei-a em seu local de trabalho (ela é balconista no setor de fiambreria de um supermercado) e a interroguei sobre o conhecimento de algum homem que assistisse novelas para a participação em uma pesquisa. Ela prontificou-se em sondar os “noveleiros” em sua rede de contatos e, alguns dias depois – quando nos encontramos novamente em seu local de trabalho, ela passou-me três nomes. Dois declinaram e o outro era o Marcelo, seu colega de faculdade.

Após contatá-lo por telefone, combinamos um encontro pessoal para que eu pudesse apresentar-lhe o projeto. O local foi sugerido pelo próprio informante: uma biblioteca setorial da universidade em que ele estuda. Na ocasião, à semelhança de Lahire (2004, p. 32), a pesquisa foi apresentada a ele (assim como aos demais) sem que soubesse quais eram seus desafios teóricos. Expliquei-lhe, apenas, que estava investigando a audiência masculina de telenovelas e que não procurava por “entendidos” do assunto, mas sim quem gostasse de acompanhar as tramas. Foi-lhe exposto, também, que para tal intento fazia-se necessário conhecê-lo melhor – desde sua infância até sua rotina diária atual. Ele aceitou o convite e sugeriu para a semana seguinte o início das entrevistas.

Ao todo, foram realizados sete encontros com o jovem – o que totalizou, aproximadamente, em 15 horas de entrevistas gravadas. No primeiro deles (acontecido em uma sala de reuniões do diretório acadêmico de seu curso), foi aplicado o instrumento socioeconômico. Naquele momento inicial, optei por perguntar-lhe sobre sua trajetória acadêmica: impressões sobre o curso e projetos para o futuro. Procurei evidenciar minhas identificações com a rotina dele de estudos a fim de imprimir uma tonalidade mais coloquial, às entrevistas. Com receio de que ele ficasse intimidado com o gravador de voz, decidi (com a anuência da fonte) deixá-lo ligado todo o tempo, mesmo quando estávamos conversando sobre

assuntos aleatórios. A intenção foi afrouxar as fronteiras que separam uma conversa informal de uma pesquisa científica.

Nesse segundo encontro, pude perceber que a religiosidade seria um ponto importante a ser explorado – e que me possibilitaria maior aproximação. Ao contrário das críticas que recebe em seu contexto acadêmico, demonstrei-me disposto em conhecer e aprender sobre suas crenças. Assim, ficou acordado que nossa próxima entrevista seria na sede de sua igreja. Naquele refúgio, como ele vai reportar, obtive os depoimentos mais íntimos, principalmente sobre os constrangimentos sofridos no período escolar. Tendo as chaves da edificação, ele abriu as portas da Igreja e mostrou-me toda a estrutura: a quadra de esportes, o salão de lazer, a capela, a sala de batismos, etc. Também fui presenteado por ele com livros, dvds religiosos e muitos encartes. Quando manifestei certa encabulação por estar recebendo todos aqueles materiais, ele mencionou: “é também pra isso que serve o dízimo”.

As demais entrevistas aconteceram, repetidamente, na universidade, sem a presença de terceiros. Em algumas ocasiões, manifestei interesse em conhecer sua casa e familiares. Agendamos a visita por duas vezes, mas ele as desmarcou. Inferi com isso (e também a partir da experiência com os outros entrevistados) de que a presença de familiares poderia inibir algumas confidencialidades, haja vista, como percebe Lahire, “o sociólogo que realiza longas entrevistas é um tipo particular de confidente, aquele que desaparece depois de a confidência ter sido feita. [...], ele também pode ser o receptor de palavras às quais mesmo os mais próximos não tem acesso” (LAHIRE, 2004, p. 33).

O segundo informante recrutado foi Fernando (nome fictício sugerido por ele em homenagem ao jogador Fernandão, do Internacional). Cheguei até ele pela intermediação de familiares. Como não o conhecia, procurei pelo seu perfil no Facebook, mas encontrei somente o de sua esposa (posteriormente tomei conhecimento de que a conta é compartilhada entre o casal). Nessa mídia social, contatei-a e mencionei sobre a pesquisa, que ela já tivera noção através de minha família. Assim, foi-me passado o número de Whatsapp dele e, por meio desse aplicativo de mensagens, Fernando aceitou ser cobaia (nas palavras dele) da empiria. Marcamos o primeiro encontro, que aconteceria algumas semanas depois, em sua residência, no município de Santo Ângelo-RS.

Foram sete visitas, feitas ao longo de quatro meses, que resultaram em 10 horas de entrevistas gravadas. Todas elas aconteceram a partir das 19h, horário em que ele já havia retornado do trabalho. Diferentemente das etapas empreendidas com os demais informantes, priorizei, de início, a aplicação do instrumento da ritualidade, uma vez que a telenovela que acompanhava, A Força do Querer (Rede Globo), estava próxima de seu desfecho. Em dois dos

nossos encontros, assistimos juntos à trama das 21h. Em alguns momentos, nossas conversas interrompiam-se para atentarmos ao que acontecia em determinadas cenas. Todas as vezes, esteve sozinho em casa. A esposa costumava regressar do trabalho por volta das 22h30min.

Fui bem recebido em sua casa desde o princípio. Era aguardado ou com chimarrão ou algum acepipe. Na ocasião em que mencionei recear estar atrapalhando seus momentos de descanso, obtive o retorno de que era uma boa companhia, de que lhe era agradável rememorar o passado e refletir sobre coisas que até então não havia problematizado. No nosso terceiro encontro, bebemos cerveja e assistimos juntos ao primeiro tempo de uma partida de futebol na televisão. A partir daquele momento, percebi o encurtamento da distância entre pesquisador e pesquisado.

Por fim, nossa última fonte foi alcançada não sem antes a recusa de algumas outras - que alegavam ou indisponibilidade de tempo ou incapacidade de depor sobre o assunto. Gustavo (nome fictício sugerido por ele em menção a um amigo de faculdade) era integrante ocasional de um grupo de vôlei do qual eu participara anos atrás e, em decorrência disso, constava em minha lista de amigos do Facebook. Enviei-lhe por essa mídia social uma mensagem, perguntando se assistia alguma telenovela, pois eu estava realizando uma pesquisa sobre audiências masculinas. Prontamente ele aceitou o convite: “sou um noveleiro fanático, acertou na escolha”.

Foram 12 encontros no decorrer de quatro meses, totalizando, aproximadamente, 18 horas de entrevistas gravadas. Todas elas aconteceram em sua casa, entre duas e quatro horas da tarde. Quando apresentei-lhe o projeto, informou que seu discurso não seria politicamente

correto, falando abertamente sobre tudo. Fez a ressalva, no entanto, de que interromperia sua

fala se a mãe ou a filha aparecessem na sala, fato que aconteceu algumas vezes. Em muitos momentos, também – principalmente quando falava sobre sua sexualidade – diminuía o volume da voz com o receio de ser ouvido por algum integrante da família.