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A APROXIMAÇÃO COM O “GRUPO DE SURDOS”

3. DETALHAMENTO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.3. A APROXIMAÇÃO COM O “GRUPO DE SURDOS”

A pesquisa proposta neste trabalho se articula em busca da compreensão, a partir da diferença cultural, da forma com que determinados tipos de consumidores – detentores das “peculiaridades da cultura surda” – se relacionam e forjam suas práticas e hábitos de consumo de bens e serviços.

Para tal aproximação, inspirou-se na perspectiva cultural proposta pelos estudos surdos; na compreensão do consumo como mediador de relações e construtor de significações; na sugestão de contato com os surdos, conforme proposta de Strobel (2008), e na obtenção e interpretação de alguns significados que surgem a partir de uma descrição de situações de consumo de um grupo particular a partir do ponto de vista de seus próprios membros. Nesse caso, formados por moradores das cidades que fazem parte da região metropolitana da Grande Vitória.

A partir dessa articulação, realizaram-se as primeiras imersões em janeiro de 2009, nas quais os sujeitos que compuseram o objeto desta pesquisa foram identificados e

foram estabelecidos os primeiros contatos. Formados por membros da comunidade surda, esses sujeitos perfazem trinta pesquisados, entre surdos e ouvintes, nos quais o acesso, o contato e o convívio ocorreram em profundidade a partir, principalmente, dos encontros presenciais do curso de Letras-LIBRAS da UFSC, em Vitória.

Uma estratégia utilizada para tal aproximação foi buscar e acessar pessoas que participam da comunidade surda e compartilham seus significados, ao passo que possuem uma série de relações fora dela. No caso desta pesquisa, esses sujeitos- chave podem ser identificados como ouvintes, quais sejam intérpretes, instrutores, pesquisadores e familiares de surdos que, por pertencerem à comunidade surda, podem possuir informações privilegiadas, bem como posições singulares no grupo. Estas, quando compartilhadas com o pesquisador podem contribuir na melhor observação da realidade pesquisada, além de dar legitimidade perante o grupo. Com apoio desses foi possível participar dos encontros do curso de Letras-LIBRAS, frequentar instituições religiosas, compartilhar de eventos realizados pela e para a comunidade surda e ter acesso aos surdos que, num primeiro momento, olharam o pesquisador, seu trabalho e sua caderneta de campo com desconfiança.

O grupo de surdos, denominação que será dada ao grupo formado pelos surdos e ouvintes que correspondem aos “nativos” ou aos “moradores” desta pesquisa, permitiu uma construção acerca da compreensão e do conhecimento do ponto de vista dos membros de uma comunidade surda de Vitória. Através da diferença encontrada nas formas de se relacionarem, comunicarem e identificarem, buscou-se registrar, desde as primeiras incursões, numa caderneta de campo, os relatos, costumes e valores vivenciados junto ao pesquisador.

Nesse sentido, o campo de pesquisa se desenvolveu a partir dos eventos, encontros, discussões e passeios realizados pelo grupo de surdos. Fato que proporcionou o envolvimento do pesquisador nessas atividades e contribuiu para o estreitamento das relações com os surdos e ouvintes pesquisados. Nesses contatos mais próximos, vivenciou-se uma socialização mais estreita com o grupo de surdos, quando, no decorrer da pesquisa, a comunicação se deu em LIBRAS, em ambientes

frequentados majoritariamente pela comunidade surda ou em momentos em que eles estavam em maioria.

Dessa forma, buscou-se observar e registrar com o maior número de detalhes possíveis, as “manifestações concretas” que constituem o grupo. Assim, fez-se o registro de comportamentos, opiniões, comentários e expressões utilizadas pelo grupo de surdos, independentemente de estas se apresentaram familiares ou estranhas ao pesquisador. A intenção foi descrever o mais próximo que se pôde a realidade em que o evento se apresentou. Contudo, o registro e opiniões e interpretações do pesquisador não deixaram de ser realizados, conforme nos ensina Malinowski (1978).

Assim, de perto e de dentro procurou-se compreender a partir do ponto de vista do grupo de surdos os significados que vem a tona quando, em situações diversas relacionadas ao consumo, esses surdos e ouvintes e demais membros da sociedade estão se relacionando. Esperou-se identificar as situações e relatar iniciativas, experiências e arranjos que, a partir das percepções, escolhas e estratégias de sobrevivência desse grupo, ajudassem na reflexão sobre a aquisição, o uso e apropriação de bens de consumo e como as pessoas podem relacionar-se por intermédio deles.

Os contatos com os surdos e ouvintes que compõem os sujeitos desta pesquisa iniciaram em setembro de 2008, com o início do curso básico de LIBRAS no CRPD. Entretanto, o aprofundamento das relações e a permanência na comunidade surda ocorreram de fato após as primeiras visitas aos encontros presenciais do curso de Letras-LIBRAS. A partir de então, a interação se tornou mais frequente, sem, contudo, obedecer às regularidades da tradição em pesquisas etnográficas, nas quais o pesquisador convive durante anos e integralmente com o objeto de estudo. Ademais, outros métodos de apropriação dos dados serviram de aporte à observação direta. Contribuíram para a observação e socialização com o objeto, no que se refere à descrição mais densa dos eventos, encontros e atividades, recursos visuais como fotos e vídeos, majoritariamente produzidos pelos próprios membros da comunidade surda. Além destes, conversas e entrevistas informais foram

proporcionadas a partir das situações de consumo vivenciadas, além da utilização de recursos eletrônicos como MSN, Orkut.

Para os fins desta pesquisa, a imersão no grupo ocorreu até janeiro de 2010. Entretanto, o contato com o grupo de surdos estendeu-se após a realização da pesquisa. Nos meses subsequentes ao período de imersão, as descrições foram transcritas, analisadas e selecionadas de modo a compor este relatório de pesquisa. Nessas descrições, para preservar a identidade das pessoas envolvidas, optou-se pela utilização de nomes fictícios. Assim, para melhor organização da pesquisa, usaremos os nomes abaixo:

 Ana e Luiza: ambas são tutoras do curso de Letras-LIBRAS e filhas de pais surdos;

 Rafael, Adão, Roberto, Felipe, Cássio, Gustavo e Bruna: surdos alunos do curso de Licenciatura em Letras-LIBRAS;

 João, Mário e Sérgio: ouvintes alunos do curso de Bacharelado em Letras- LIBRAS.

Os demais componentes do grupo estudado não receberão nomes fictícios, pois não serão citados diretamente nas descrições apresentadas. Assim, serão apresentados enquanto surdos, ouvintes ou membros do grupo.

Com efeito, buscou-se estar o mais próximo possível dos surdos e tentou-se compreender de que forma ocorre a exaltação da cultura, para trazer à luz maneiras pelas quais os significados dessa comunidade são construídos e como o consumo sustenta essas relações sociais.

Nessa medida, a busca se deu a partir de uma postura mais exploratória. Isto é, através dos fatos vivenciados, buscou-se elucidar alguns significados compartilhados pelo grupo de surdos e correlacioná-los com o aporte teórico do consumo e da surdez, em detrimento de um aprofundamento maior nas análises do objeto.

Essa postura exploratória corrobora com possibilidade de aumentar a familiaridade com a surdez, fenômeno relativamente desconhecido pela Administração, segundo

levantamento feito na CAPES. Ademais, possibilita levar adiante, em trabalho futuros, uma investigação mais completa sobre o contexto no qual os surdos estão inseridos, além de criar possibilidades de análise dos mesmos.

Conforme Malhotra (1993), os estudos exploratórios consistem num método de coleta de dados não estruturados, baseados em pequenas amostras. Sua finalidade é examinar um tema ou problema de modo a permitir uma compreensão inicial sobre o assunto.

Révillion (2001) corrobora com Malhotra (1993) afirmando que esse tipo de estudo geralmente não se constitui num fim em si mesmo. Por característica, em comparação aos estudos descritivos ou explicativos, a pesquisa exploratória costuma ser mais flexível em sua metodologia, além de mais “ampla” e “dispersa”, pois busca observar manifestações diversas, tantas quanto forem possíveis, de um fenômeno pouco estudado.

A utilização desse tipo de abordagem aponta para a necessidade de se gerar hipóteses e se identificar variáveis que contribuem para a reflexão e entendimento do objeto. Essa atividade proporciona a formação de idéias para o entendimento de determinado problema, ao invés de se deter na descrição da realidade ou na busca pela quantificação do objeto (RÉVILLION, 2001).

Révillion (2001) aponta alguns objetivos que são contemplados pelo uso da pesquisa exploratória. Dentre eles a autora destaca a possibilidade do pesquisador se familiarizar e elevar sua compreensão com determinado problema, a possibilidade de construção de reflexões e hipóteses explicativas de fatos que foram vivenciados, a identificação de problemas do comportamento humano e a identificação de relações entre teorias e variáveis e estabelecer rumos para novas pesquisas.

A utilização de um viés etnográfico a partir de uma perspectiva mais exploratória contribuiu para a criação de uma metodologia na qual se buscou compreender, a partir do ponto de vista do grupo de surdos, a realidade ali compartilhada socialmente e em que medida as situações vivenciadas contribuem para pensar questões relativas ao consumo. Tal aproximação foi sustenta pela revisão de

bibliografia que disserta especificamente sobre surdez, através de uma perspectiva cultural e sobre o consumo, este como mediador de relações e construtor de significações.