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Aproximação diplomática ao conceito de documento

No documento A autenticidade dos objectos digitais (páginas 43-45)

A palavra latina documentum, deriva do verbo docere (ensinar, instruir, informar) com o sufixo – mentum, que acarreta um significado instrumental. Assim sendo, o termo

documentum designa, em latim clássico, o meio utilizado para transmitir conhecimentos. A partir deste conceito surge a primeira definição de documento, identificado como:

Cualquier cosa que enseña, instruye o da noticia sobre algo, con independencia de cuándo haya sucedido; es una fuente de conocimiento e información y de prueba, de ahí que también se lo conozca con el nombre de instrumento (Riesco Terrero, 1999, p.192).

Pode assim entender-se o conceito clássico de documento como instrumento utilizado pelo homem com o propósito de conhecer o seu passado, compreender a realidade presente e ajuda-lo a projectar esse conhecimento nas suas acções futuras (Rodríguez Bravo, 2002, p.77).

Em meados do século XVIII o documento com interesse histórico e jurídico foi definido por Legipont como um testemunho escrito destinado a constituir prova válida para a defesa de um direito e a perpetuar legal e publicamente a memória dos acontecimentos. Por outro lado, para Heumann, Gatterer e Schonemann o documento devia entender-se como qualquer testemunho escrito, incluindo os particulares, considerados como objectos da diplomática. Tassin e Toustain, seguidores de Mabillon, sustentam a ideia que todos os documentos escritos e conservados em arquivos são documentos diplomáticos:

Compreender o objecto escrito, a sua textualidade diplomática, é uma atitude intelectual que procura, em primeiro lugar, o reencontro com o sentido histórico do homem enquanto produtor de cultura, enquanto autor e consumidor de escrita, enquanto actor e espectador do acto documental. Acto que é um espaço dialéctico onde se encontram estruturas institucionais, meios económicos, jogos políticos, interesses culturais, comportamentos ritualizados, discursos enunciados, crenças e ideias espirituais (Gomes, 2007, p. 49).

Na primeira metade do século XIX, o desenvolvimento do Positivismo, de matriz intelectual alemã, preconiza a verificação documental como método ao serviço da análise histórica, contribuindo para que os arquivos adquiram uma posição instrumental relativamente à Paleografia e à Diplomática, disciplinas em ascensão desde os finais do século XVIII (Silva [et tal.], 1999, p. 108).

A partir de então, verifica-se uma cisão entre documento e monumento, ficando o documento consagrado como fundamento do facto histórico. O documento parece apresentar-se por si mesmo como prova histórica. A sua objectividade parece opor-se à

intencionalidade do monumento. Além do mais, afirma-se essencialmente como um testemunho escrito. Com a revolução do século XX, provocada pela ampliação da noção de documento proposta por Bloch e Febvre é redescoberto o binómio documento / monumento (Silva, 2006, p. 49).

Para Carucci (1998), documento é aquele que contém um acto que, para a sua existência ou finalidade de prova, exige a forma escrita, podendo estender-se o campo de investigação aos certificados escritos que contêm actos preparatórios ou que se relacionam com o acto final, ou seja, quando representa uma manifestação de vontade de uma entidade capaz de causar, modificar ou extinguir uma posição legal. A Diplomática, até agora, ocupou-se do documento (mais do seu carácter formal do que no seu conteúdo) produzido no exercício de uma actividade jurídica e delimitou predominantemente o seu campo de estudo à Idade Média e Humanista (Carucci, 1998, p. 28).

Paoli define documento como o testemunho escrito de um facto de natureza jurídica, concluído com o cumprimento de determinadas formas, destinadas a conferir-lhe fé e força probatória (Paoli Apud Carucci, 1998, p. 28). Esta definição projecta três requisitos fundamentais para representar o documento: o testemunho escrito; a natureza do acto contido no documento; a forma como está redigido. Pode assim concluir-se que estes três elementos, desenvolvidos pela diplomática do documento medieval, podem ser validos à diplomática do documento contemporâneo (Carucci, 1998, p. 28).

Riesco Terrero (1999) considera que documentos diplomáticos são testemunhos escritos ou gravados de natureza e conteúdos variados e, consequentemente, não são apenas documentos estritamente jurídicos ou provenientes de autoridades e organismos superiores, mas também os de carácter administrativo, judicial, económico-social, artístico, cultural, politico, religioso, inter-relacional, informativo etc., emitidos por autoridades, instituições, pessoas públicas ou particulares com determinadas finalidades, mas revestido de uma série de requisitos e de formalidades imprescindíveis de modo a conferir garantias e valor legal e probatório ao conteúdo da mensagem e ao veículo transmissor (Riesco Terrero, 1999, p. 193).

O mesmo autor menciona, ainda, que ao falar de documento diplomático deve fazer- se a distinção entre documento diplomático lato – alude a qualquer escrito de carácter legal, histórico e administrativo existente nos arquivos e que mantém uma relação com os documentos propriamente ditos, tais como minutas, requerimentos, informações – e documento diplomático restrito – são os testemunhos escritos sobre um facto de natureza jurídica, realizado com base no cumprimento de determinadas formalidades, variáveis segundo a pessoa, o local, o tempo e a matéria, que se destinam a conferir ao testemunho autoridade e fé e por conseguinte carácter probatório. Este último vai de encontro à definição de Teodoro Sickel que considera o documento diplomático como o testemunho escrito

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redigido segundo determinada variável em relação ao local, à época, à pessoa e ao negócio, sobre um facto de natureza jurídica (Riesco Terrero, 1999, p. 193).

Também Duranti (1996) definiu o documento escrito17, objecto de estudo da

Diplomática, como a evidência produzida sobre um suporte (papel, fita magnética, disco, lâmina, etc.) utilizando um instrumento de escrita (lápis, lapiseira, máquina de escrever, impressora, etc.) ou de um aparelho que grave imagens, dados ou vozes (Duranti, 1996, p. 26-27).

Na perspectiva diplomática, qualquer documento escrito contém informação transmitida ou descrita segundo regras de apresentação que são em si mesmas evidências da intenção de transportar informação: fórmulas, estilo burocrático e literário, linguagem especializada e técnicas de entrevista. Mais especificamente, segundo Riesco Terrero (1999), o documento escrito implica: um suporte ou veículo que sustenta e transmite uma mensagem; um conteúdo textual expressado através da linguagem, vocabulário, escrita, estilo, fórmulas, etc., de acordo com a natureza e a importância do assunto e da relação directa com a época, lugar, ambiente cultural, autores e destinatários; determinada finalidade e ideologia; estrutura e formalidades variáveis e reconhecíveis que lhe servem de garantia (Riesco Terrero, 1999, p. 194).

Pode assim concluir-se que a Diplomática se interessa pelo estudo dos documentos cuja característica essencial assenta na sua natureza e valor jurídico-administrativo e histórico-testemunhal, bem como dos documentos que se revestem de determinadas formalidades que lhes conferem um carácter probatório e força legal, ou seja, em documentos que materializam por escrito um acto ou um negócio pelos quais se cria, modifica ou extingue uma determinada situação jurídica.

No documento A autenticidade dos objectos digitais (páginas 43-45)