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Diplomática versus autenticidade

No documento A autenticidade dos objectos digitais (páginas 33-35)

A origem da Diplomática, como vimos, está intimamente vinculada à necessidade de determinar a autenticidade dos documentos, com o objectivo final de averiguar a autenticidade dos direitos ou a veracidade dos factos aí representados.

O papa Inocêncio III defendia o diplomático como “un detective e indagador del documentos en los âmbitos curiales de la cancillería papal o de las cancillerías periféricas (diligens indagador)”, pois já no século XIII se procurava averiguar a falsidade de um documento através da das fórmulas (carácter interno do documento), pela escrita (aspecto paleográfico); pela qualidade do pergaminho, do papiro ou pelas características dos fios de cânhamo ou seda que unia o selo à dobra, ou pelas figuras e formas mais avolumadas o mais abatidas do selo ou da bula (caracteres externos do documento) (Romero Tallafigo, 2002, p. 66-67).

Conforme refere Duranti (1996) a autenticidade diplomática não coincide com a autenticidade legal, mesmo quando ambas conduzem à atribuição de uma autenticidade histórica, numa contenda judicial.

São considerados documentos legalmente autênticos aqueles que testemunham por si só a intervenção, durante e após a sua criação, do representante de uma autoridade pública que garante a sua autenticidade. Na perspectiva diplomática são documentos autênticos, todos aqueles que foram escritos de acordo com a hora e local indicados no texto e que foram reconhecidos pela(s) pessoa(s) competentes para o efeito. Por último, na perspectiva histórica são considerados documentos autênticos aqueles que testemunham a veracidade dos acontecimentos ou que se referem a informação verdadeira. Estes tipos de autenticidade são independentes uns dos outros, assim, um documento não validado por uma autoridade pública pode ser diplomática e historicamente autêntico, mas será sempre não autêntico do ponto de vista legal (Duranti, 1996, p. 29).

No Vocabulaire International de la Diplomatique a autenticidade jurídica é definida como “un acte authentique (authenticité juridique) s’il est établi dans les formes requises et avec les marques de validation nécessaires pour que pleine foi soit donnés à son contenu” e a

autenticidade histórica é “un acte sincère (ou diplomatiquement authentique) peut ne pas offrir d’authenticité historique (=véracité), notamment s’il présente des faits une version non conforme à la réalité” (Commission Internationale de Diplomatique, 1994, p. 41).

Segundo Boüard (1929, p. 13), a veracidade e a autenticidade diplomática são coisas distintas. Nesta perspectiva, Gomes (2001, p. 65-66) refere que à partida todos os documentos se enquadram numa autenticidade histórica, verdadeiros e apócrifos, mas nem todos se contam entre os diplomaticamente autênticos ou sinceros. O mesmo autor faz a

distinção entre os vários tipos de falsificações – as “fraudes piedosas” designadas por actos

materialmente falsos (não resultando de um acto diplomático e material verdadeiro, pretendem, no entanto, valorizar direitos legítimos); os actos refeitos ou reescritos (resultam da necessidade de actualização de direitos e títulos de propriedade e privilégios levando à adaptação de originais autênticos que se refazem ou reescrevem); os falsos utilitários (têm como objectivo beneficiar indivíduos singulares contra Direito); os documentos falsos originais designados por pseudo-originais (aparentam possuir, ainda que só ficticiamente, todas as marcas de validações próprias de um verdadeiro); os actos falsificados (aqueles cujo conteúdo sofreu alterações executadas fraudulentamente fora ou mesmo dentro da chancelaria); os falsos de chancelaria (apresentam autenticidade na forma diplomática mas não no conteúdo, podendo resultar de uma corrupção dos oficiais da chancelaria); os actos

subreptícios (obtidos a partir de pressupostos não verdadeiros, posto que tenham sido expedidos das chancelarias em forma material autêntica) e, ainda, os actos suspeitos ou

duvidosos (a sua falsidade diplomática não é comprovada)13. Citando Guyotjeannin

considera que:

Um documento é falso quando o seu conteúdo comporta erros e anomalias e, simultaneamente, quando a forma não corresponde às características estabelecidas para determinada chancelaria, segundo parâmetros definidos para cada tipologia documental sob um ponto de vista intrínseco e extrínseco, bem como quanto aos adequados sistemas de validação (Guyotjeannin Apud Gomes, 2001, p. 67).

Por sua vez Le Goff (1984, p. 103-104), na óptica do documento / monumento refere que:

Qualquer documento é, ao mesmo tempo verdadeiro – incluindo, talvez sobretudo, os falsos – e falso, porque um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos.

Duranti (1996) faz, igualmente, a distinção entre documento autêntico e genuíno e entre os conceitos de inautêntico e de falso. Um documento é autêntico quando apresenta todos os elementos estipulados para provê-lo de autenticidade. Um documento é genuíno quando é verdadeiramente o que pretende ser. Contudo, esta distinção não é válida no sentido histórico, pois, enquanto que o direito e a diplomática avaliam separadamente as

13 Conforme refere Gomes (2008, p. 65) “as falsificações documentais são uma realidade em todas as tradições diplomáticas e historiográficas”. No entanto, as falsificações não se limitavam aos documentos uma vez que esta situação também se verifica com os selos – falsificação sigilográfica.

Segundo o mesmo autor “um selo é falso quando não cumpre o preceito da originalidade, sendo fabricado e forma ilegítima ou espúria: simpliciter falsum. Estamos perante actos de falsificação sigilográfica, por exemplo quando: (a) se apõe, de modo juridicamente não autorizado, um selo num documento, mesmo que genuíno, mas que primitivamente não tinha; (b) se sela com um selo autêntico, mas usado espuriamente, num escrito falsificado, num neo-original, numa cópia figurada, independentemente da fidelidade ou da qualidade que apresente; (c) se usa um selo autêntico, mas arrancado de outros actos tornando-o desse modo, num pseudo- original; (d) se obtém subrepticiamente uma selagem com propósitos enganosos ou dissimulados, e, finalmente, (e) quando se produz, dentro de uma mesma chancelaria, uma fraude. Por seu turno, uma renovação de selo, substituindo um defeituoso ou lacerado, não significará, necessariamente, uma falsificação” (Gomes, 2008, p.65). Os selos falsos podem resultar, ainda, de impressões ou cunhagens por matrizes forjadas, adulteradas ou totalmente forjadas.

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formas do documento e os seus autores, de maneira que podemos ter um documento autêntico que não é genuíno e vice-versa, a história, por sua vez, avalia apenas o conteúdo do documento de modo que, do ponto de vista historiográfico, autêntico é sinonimo de genuíno (Duranti, 1996, p. 29-30).

A inautenticidade refere-se à ausência dos requisitos que garantem a autenticidade e a falsidade implica a presença de elementos que não correspondem à realidade. Estes elementos podem não ser verdadeiros intencionalmente ou por negligência ou não verdadeiros por lapso ou casualidade. O conceito de inautenticidade pode ser utilizado estritamente no sentido legal ou por diplomático e não no sentido histórico, uma vez que a ausência de informação requerida para o conteúdo não pode comprometer a sua autenticidade histórica. Legal e diplomaticamente um documento falso é o mesmo que um documento falsificado, contrafeito e de alguma maneira enganador e historicamente equivale a dizer que os factos descritos no documento não são verdadeiros (Duranti, 1996, p. 30).

O conceito de autenticidade confunde-se por vez com o de originalidade, no entanto os conceitos de documento original e cópia serão abordados mais à frente neste estudo.

No documento A autenticidade dos objectos digitais (páginas 33-35)