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Inspirações e entrelaçamentos entre etnografia e fenomenologia experiência CORPORAL como pauta para a pesquisa

2.2 Aproximações à Antropologia de e desde

os corpos

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e ao campo metodológico do

Embodiment

Como aparece na discussão estabelecida por Merleau- Ponty, durante boa parte da Modernidade o debate sobre a relação corpo e mundo se pautou predominantemente em concepções dualistas. No que se refere ao corpo, de modo sintético, havia uma concepção de corpo biológico, material,

4 Faço aqui uma citação a essa formulação (Antropologia de e desde os corpos), cunhada pelas investigadoras do Grupo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Performance, coordenado pelas Profa. Dra. Silvia Citro e Profa. Dra. Patricia Aschieri, da Universidade de Buenos Aires. Elas têm enfatizado assim os corpos e a corporalidade não apenas como objeto de estudo, mas também como substrato, condição na qual se está imersa e desde a qual se pratica antropologia.

cujo funcionamento e disponibilidade para (ou necessidade de) ser “adestrado” sugeriam a possibilidade de compreendê- lo como um corpo-tumba, desde Platão (1976), ou como corpo-máquina, passando por Descartes (CITRO, 2009, 2010) e se reairmando durante o desenvolvimento do capitalismo (FOUCAULT, 2013, 1994). De outro lado, havia uma espécie de corpo sutil ou de outra substância, espiritual, que dotava esse corpo de consciência e capacidade de relexão. Ao longo da história da humanidade há ruídos e discordâncias em relação a essas concepções predominantes na Filosoia, nas Ciências Sociais e nas experiências humanas em diferentes culturas (CITRO, 2010). Se ao longo da história elas podem ter sido silenciadas ou invisibilizadas, na Modernidade Tardia (BAUMAN, 2003; 2005) há um giro nesse campo de relexão e o corpo passa a estar no centro dos debates e dos investimentos do capitalismo sobre o indivíduo (PÉLBART, 2003; LIPOVETISKI, 1986).

Nos seus diferentes contextos de pesquisa, Thomas Csordas (1999) e Silvia Citro (2011, 2009) fazem um exercício de perspectiva histórico-genealógica acerca do corpo no campo da Antropologia ou das Ciências Sociais. Silvia Citro, como performer e antropóloga, sugere uma articulação entre “[...] a história da constituição da antropologia do corpo como campo de estudos com algumas mudanças nas experiências concretas dos corpos-no-mundo.” (2010, p17/18). Três passagens de seu exercício genealógico me

parecem relevantes para compor uma moldura possível (sempre estilhaçada, precária) em que minha pesquisa se situa.

Primeira passagem. Após tocar nas ilosoias gregas, cristãs e na emergência do dualismo cartesiano como expressões de pensamento sustentadas em experiências corporais de sua época, Citro expõe brevemente o pensamento de Norbert Elias como um marco na relexão acerca das relações entre sociedade e corporalidade. Em seu Processo Civilizatório (obra de 1936), ele defenderia que as mudanças nas formas de comportamento e emoção são um aspecto dos luxos contínuos dos processos sociais. Assim, certas condutas corporais aparentemente naturalizadas (de higiene, interação sexual, etc.) na Europa do Estado Moderno teriam sua data de nascimento nos ins da Idade Média. Com a Revolução Industrial e o estabelecimento deinitivo do capitalismo, a experiência corporal concreta da divisão social do trabalho e as desigualdades agudas que são geradas nesse contexto criam as condições, segundo Citro, para o surgimento de uma relexão como a de Karl Marx e, mais tarde, como a de Michael Foucault, que desvelará outros aspectos da experiência corporal dele próprio e da sociedade de sua época. Se o autodomínio e o autoexame seriam práticas constitutivas do surgimento de uma corporalidade burguesa, a disciplinarização/docilização e otimização seriam práticas corporais constitutivas da construção de uma corporalidade

operária. Além disso, para a autora, “[...] o que não devemos esquecer é que, na equação de gênero que se impôs nesses processos, os corpos femininos foram considerados aqueles que mais necessitavam ser contidos por essa racionalidade que foi concebida, preponderantemente, sob um signo masculino.” (2010, p.32)5.

Segunda passagem. Com o advento das grandes guerras e do pós-guerra diferentes níveis de ruptura se dão em relação às experiências corporais na sociedade, assim como nos modos de produzir relexão. Surgem racionalidades contra-hegemônicas e movimentos sociais dela representativos, cujos expoentes poderiam ser os movimentos estudantis e hippie da década de 60. A mulher entra no mercado de trabalho e de consumo, processo no qual se produz, segundo Citro (2010), o avanço de uma microfísica do poder.

[...] se trata do controle ininitesimal, mas já não somente dos corpos (em geral) ativos e suas mecânicas para torná-los mais úteis, mas também de um corpo (o feminino) e sua imagem, para fazê- lo mais belo. E aqui, essa revolução da imagem que será a popularização do cinema terá um lugar

5 “Pero lo que no debemos olvidar es que, en la ecuación de género que se impuso en estos procesos, los cuerpos femeninos fueron considerados aquellos que más necesitaban ser encauzados por esa racionalidad que fue concebida, preponderantemente, bajo un signo masculino.” (p.32, tradução livre da pesquisadora).

fundamental, difundindo as imagens das stars, as modelos a se imitar. Assim, as novas datilógrafas, empregadas, telefonistas, estarão submetidas agora a uma dupla docilidade: ao tradicional disciplinamento do movimento dos corpos no trabalho (anátomo- política do detalhe foucaultiana) se soma o da nova imagem corporal que devem alcançar, através de uma anátomo-política da beleza que se fará cada vez mais minuciosa e rigorosa. (idem, p.35)6

No campo das teorias sobre os corpos, no mesmo período, questiona-se esse sujeito transcendental, sua razão universal e desencarnada, luxo no qual Citro insere a relexão que Husserl e depois Merleau-Ponty vão elaborar. Na área especíica da Antropologia, ela destaca o texto clássico de Marcel Mauss (de 1934) sobre as técnicas corporais como inaugural, pela utilização da experiência corporal do próprio autor como ponto de partida para uma relexão acadêmica. Apenas na década de 70 se estabelece com mais clareza a possibilidade de uma antropologia também “mais” encarnada, não apenas no estudo do corpo, mas nos próprios modos

6 “[…] se trata del control infinitesimal pero ya no solamente de los cuerpos (en general) activos y sus mecánicas para hacerlos más útiles, sino también de un cuerpo (el femenino) y su imagen, para hacerlo más bello. Y aquí, esa revolución de la imagen que será la popularización del cine tendrá un lugar fundamental, difundiendo las imágenes de las stars, las modelos a imitar. Así, las nuevas dactilógrafas, empleadas, telefonistas, estarán sometidas ahora a una doble docilidad: al tradicional disciplinamiento del movimiento de los cuerpos en el trabajo (la anátomo-política del detalle foucaultiana) se les suma el de la nueva imagen corporal que deben alcanzar, a través de una anátomo-política de la belleza que se hará cada vez más minuciosa y rigurosa.” (p.83, tradução livre da pesquisadora).

de estudo em campo e de elaboração relexiva. A autora cita especialmente os experimentos de etnograias encenadas ou performadas por Richard Schechner e Victor Turner, narradas no texto From Ritual to Theatre: the human seriousness of play, de Turner. Nesse mesmo luxo, no Brasil, estabelece-se com mais força o campo da Antropologia ou dos Estudos da Performance, bastante inluenciados por esses dois autores. Diferentes aspectos da vida social são estudados por meio de categorias teatrais, em que a performance é uma espécie de ferramenta metodológica, mas também se fazem experimentos em relação às diferentes maneiras de “performar” etnograias. John Cowart Dawsey (2013, 2006, 2005), Regina Polo Müller (2007, 2006) coordenam grupos de pesquisa que exploram essa abordagem..

Terceira passagem. Silvia Citro citav a inversão pós- moderna, formulada por Lipovetsky (1983), como um traço do período que talvez se estenda até nossos dias, em que “[...] se ressitua a pessoa e sua identidade no corpo e já não no espírito [...]” (2010, p.50). O autor fala no surgimento de um narcisismo simultaneamente dirigido e coletivo7 em que o

7 “Na atualidade as questões cruciais que concernem à vida coletiva conhecem o mesmo destino que os discos mais vendidos dos hit parades [...], tudo se desliza em uma indiferença relaxada. E essa destituição e trivialização do que foi superior o que caracteriza o narcisismo; não a pretendida situação de um indivíduo totalmente desconectado do social e redobrado em sua intimidade solipsista. [...] A última figura do individualismo não reside em uma independência soberana associal, mas em ramificações e conexões em coletivos com interesses miniaturizados, hiperespecializados: agrupamentos de viúvos, de pais de filhos homossexuais, alcoólatras [...] Narcisismo coletivo: nos juntamos porque nos

corpo se torna centro das atenções (nos cuidados estéticos, medicinais, nas experiências sexuais e artísticas), regido por um mecanismo de standarização e desestandarização. Em outros termos e algumas décadas depois de Lipovetisky, Peter Pal Pélbart (em diálogo com Agamben e Delleuze) sugere que na fase do capitalismo tardio:

Ora a vida é vampirizada pelo capital [...], ora a vida é o capital [...] fonte de valor, e é sempre tênue a fronteira entre um caso e outro... se é claro que o capital se apropria da subjetividade e das formas de vida numa escala nunca vista, a subjetividade é ela mesma um capital biopolítico de que cada vez mais cada um dispõe [...] com a forma de vida singular que lhe pertence ou que lhe é dado inventar – com conseqüências políticas a determinar. (2003, p.149).

Para Silvia Citro (2010), as tensões entre reprodução e agência, normalização e personalização, disciplinamento e empoderamento reaparecem no campo antropológico e surgem outros modos de fazer-pensar antropologia. Um deles seria a proposta de Csordas do embodiment como campo metodológico e condição existencial, assim como as investigações de autores dessa mesma família

parecemos, porque estamos diretamente sensibilizados pelos mesmo objetivos existenciais. O narcisimo não só se caracteriza pela autoabsorção hedonista senão também pela necessidade de reagrupar-se com seres “idênticos”... O narcisismo encontra seu modelo na psicologização do social, do político, da cena pública em geral, na subjetivação de todas as atividades antes impessoais ou objetivas.”, A Era do Vazio, p.13 e 14 (tradução livre da pesquisadora do espanhol).

de pensamento (JACKSON, 2010; LAMBECK, 2010, entre outros).

Aproveito o ensejo para apresentar brevemente a perspectiva histórica da carreira do corpo na Antropologia que Csordas elabora (1999).

Sendo visto inicialmente como implícito e como background naturalizado característico da vida social, desde os anos setenta o corpo se torna um tópico explícito do campo da etnograia, depois um problema a ser considerado em relação à sua mutabilidade histórica e cultural, e inalmente uma oportunidade para repensar vários aspectos da cultura e do self. (p.172)8

O autor diferencia primeiros aparecimentos de abordagens do corpo em relexões no campo antropológico, como em Leenhardt (1961) ou Mauss (2003), e então os estudos que tomam o corpo (no singular) como um objeto de estudo. Nesse segundo sentido é que emergiria a própria área de Antropologia do Corpo, a partir de estudos como o de Mary Douglas (1988) e da compilação de textos de diferentes investigadores, realizada por John Blacking (1977). Blacking airmava a necessidade de os pensadores da área

8 “Beginning as an implicit, taken-for-granted background feature of social life, since the 1970’s the body has become an explicit topic of ethnographic concern, thence a problem to be accounted for with respect to its cultural and historical mutability, and finally an opportunity for rethinking various aspects of culture and self.” (p.172, tradução livre da pesquisadora)

da antropologia articularem a relexão que estaria separada entre uma antropologia física e uma antropologia social. Isso porque segundo ele já estava provado que os aspectos biológicos e culturais se entrelaçam muito intimamente na

formação do que hoje conhecemos como humanidade9

GEERTZ, 1980). À mesma época e se aproximando de nossos dias, Csordas destaca a presença do corpo como problema teórico em estudos ilosóicos, interdisciplinares e críticos, como os de Merleau-Ponty, Foucault, Bourdieu, Butler e Haraway, que trazem à tona a necessidade de colocar em debate pressupostos sobre um corpo como fato natural e airmar que ele tem uma história a ser problematizada. Nesse contexto é que Csordas faz sua proposta:

O embodiment como paradigma ou orientação metodológica requer que o corpo seja entendido como substrato existencial da cultura; não como um objeto

9 John Blacking (1977) apresenta ainda quatro premissas para uma Antropologia do Corpo. A primeira premissa é a de que a sociedade seria também um fenômeno biológico, específico da espécie humana, que fornece a base para a compreensão de que os seres humanos compartilham estados corporais e que tal característica é necessária para o desenvolvimento de seus processos e capacidades cognitivas. A segunda premissa é a de que todo ser humano normal possui as mesmas propriedades específicas da função cognitiva, além de um repertório comum de estados corporais e um potencial comum para os estados alterados de consciência. A terceira premissa é a de que as formas não-verbais de interação são fundamentais. Para o autor uma antropologia do corpo é o ponto de encontro dos aspectos “microscópicos” do movimento humano e dos aspectos macroscópicos da população com seus padrões de adaptação como grupo social. A quarta e última premissa é a de que a mente é inseparável do corpo. Tal premissa se conectaria com a anterior, já que, na dança e na música, por exemplo, poderíamos observar a mente trabalhando por meio dos movimentos do corpo no espaço e no tempo.

que “é bom para pensar”, senão como um sujeito que é necessário para ser [...] pode ser entendido como um campo metodológico indeterminado deinido por experiências perceptuais e pelo modo de presença e compromisso com o mundo [...] o paradigma do embodiment não signiica que as culturas têm a mesma estrutura que a experiência corporal, mas que a experiência incorporada é o ponto de partida para analisar a participação humana no mundo cultural. (2010, p.83)10

Os rastros da fenomenologia de Merleau-Ponty icam claros no excerto – o foco na percepção como experiência corporal e a noção de participação corpo-mundo. Nesse sentido, o autor em seus textos propõe uma fenomenologia cultural ou uma etnograia fenomenológica, cujo foco são os processos de nossa percepção, que é pré-objetiva (MERLEAU-PONTY, 1999) e que “[...] em meio à arbitrariedade e à indeterminação, constitui e é constituída pela cultura.” (2008, p.107). Numa série de textos ao longo dos últimos vinte anos, Csordas apresenta esse campo metodológico por meio de uma mudança de foco de atenção no trabalho

10 “El embodiment como paradigma u orientación metodológica requiere que el cuerpo sea entendido como sustrato existencial de la cultura; no como un objeto que es “bueno para pensar”, sino como un sujeto que es “necesario para ser” [...] puede entenderse como un campo metodológico indeterminado definido por experiencias perceptuales y por el modo de presencia y compromiso con el mundo [...] Por el contrario, el paradigma del embodiment no significa que las culturas tienen la misma estructura que la experiencia corporal, sino que la experiencia corporizada es el punto de partida para analizar la participación humana en el mundo cultural.”, Modos Somáticos de Atención (p.83, tradução livre da pesquisadora).

em campo e na análise das situações observadas e ou vividas (2011b, 2008a, 2008b, 1994). Em artigo mais recente (2011b), o autor fala em uma fenomenologia cultural do embodiment, delimitando três dimensões de seu estudo: agência (como relação corpo-mundo), diferença sexual e elementos de corporalidade.

Na primeira dimensão, da agência, desenha um entramado teórico analisando as relações entre corpo/ sujeito e mundo nas obras de Merleau-Ponty, Pierre Bourdieu e Michael Foucault, por meio de um diagrama com vetores. Em Merleau-Ponty situa a agência no campo da existência, por meio da intencionalidade (ou do arco intencional), com um vetor que segue do ser em direção ao mundo. Em Pierre Bourdieu, encontra a agência no habitus, por meio da prática, em que os vetores seriam recíprocos entre corpo e mundo – as práticas corporais sendo modeladas pelo mundo e remodeladas pelas próprias práticas corporais. Por im, em Foucault, situa a agência nas relações de poder, por meio do discurso (das formações discursivas), em que há um vetor do mundo (ou dos sistemas institucionais) em direção aos corpos. Para Csordas, interessa colocar as diferentes visões desses autores em relação (e tensão) delineando uma matriz que deine esse campo metodológico do embodiment (2001b, p.138).

Csordas apresenta como segunda dimensão de nosso embodiment as diferenças sexuais – advindas do fato inicial de que os corpos vêm ao mundo em dois “modelos”, cujas “[...] diferenças constituem uma estrutura elementar do embodiment como campo metodológico.” (2011b, p.144). No texto, ele articula pensamentos de Luce Irigaray, Julia Kristeva e Maxine Sheets-Johnstone, destacando que Irigaray, por exemplo, vê essa diferença como algo tão constitutivo quanto nossa relação corpo-mundo. De minha parte, interessa especialmente a última autora citada, visto que estabelece um debate direto com a fenomenologia de Husserl e de Merleau-Ponty. Sheets-Johnstone (2011) nomeia um livro e um de seus capítulos como The Primacy of Movement (A Primazia do Movimento), assumindo que está reelaborando o título do texto de Merleau-Ponty chamado A Primazia da Percepção. Ela o faz buscando enraizar o fenômeno da percepção no fenômeno do movimento e enfatizar esse como fonte do conhecimento humano (2011, p.113). Segundo ela, nós aprendemos nossos corpos, nomeamos nosso “estar vivo” (aliveness), as qualidades do ambiente e de nós mesmos, noções de tempo e espaço a partir do movimento.

[...] o movimento primevo precede qualquer cognição de que “Eu movo”, que por sua vez precede qualquer senso de “Eu posso”. Nós não tentamos mover, mas movemos desde (e antes) do momento do nascimento [...] Nessas ações nós descobrimos nossos

corpos antes de controlá-los, então os movimentos formam o Eu que move antes que o Eu que move forme movimento. Movimento espontâneo é a fonte constitutiva da agência, da subjetividade, do senso de self. (SHEETS-JOHNSTONE apud CSORDAS, 2011, p.146)11

O fato de Sheets-Johnstone fazer ilosoia sendo mulher e dançarina é destacado por Csordas como um elemento relevante em relação às próprias ideias que ela elabora, gerando nuances no modo de compreender uma fenomenologia.

A última dimensão tratada por Csordas ao lado das outras duas já apresentadas são alguns elementos (ou componentes) da corporalidade: forma corporal, experiência sensorial, movimento ou mobilidade, orientação, capacidade, gênero, metabolismo/isiologia, copresença, afeto e temporalidade (2011b, p.147/148). Admitindo as diiculdades de vocabulário no trato das experiências corporais, ele enfatiza que essa é uma lista provisória e em processo contínuo de construção de categorias emergentes da experiência corporal e que simultaneamente possibilitam sua análise nas situações de investigação.

11 “[...] primal movement precedes any cognition that “I move”, which in turn precedes any sense of “I can”. We do not try to move, but move from (and before) the moment of birth […] In these actions we discover our bodies before we control them, so that movement forms the I that move before the I that moves forms movement. Spontaneous movement is the constitutive source of agency, of subjecthood, of selfhood”, citado em Fenomenologia Cultural, p.146.

A partir dessa proposta, Csordas apresenta no ensaio três exemplos de “materiais” de campo na área da saúde e doença em que tais dimensões se mostram férteis para a análise. Mais do que sintetizar o texto todo, acredito compartilhar com esse breve rastreamento uma formulação relativamente completa no campo dessa fenomenologia cultural do embodiment proposta pelo autor. Tenho pequenas diferenças em relação a algumas de suas abordagens, especialmente a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty, que podem já ter se explicitado. Um exemplo estaria no modo como ele apresenta a relação corpo-mundo em seu diagrama com um vetor sublinhado do corpo em direção ao mundo. De meu ponto de vista, Merleau-Ponty faz uma clara airmação da reciprocidade dessa interação, como coexistência, contaminações múltiplas, enovelamento de um com o outro.

Contudo, não vejo nisso o mais importante a ser dito sobre meu encontro com suas proposições. Csordas e o conceito de embodiment me oferecem uma trilha já aberta por outrem – pedras que calçam ou pedras na beira da trilha que dão pistas em minha caminhada, como se eu encontrasse Outro(s) ao ser atraída para trilhas paralelas, que por vezes se tocam, por vezes se distanciam, pelas quais esses Outros já passaram. Ao encontrar Csordas, inesperadamente encontrei Patricia Aschieri e Silvia Citro, cuja similaridade de percurso é sintomática: mulheres, performers, professoras,

pesquisadoras latino-americanas. Não foi desde o início uma escolha consciente, mas errância, busca por vezes às cegas, em que me encontrei e desencontrei ao encontrar essas pessoas e suas investigações.

Um parêntese para as variações sobre o termo embodiment O termo embodiment tem sido utilizado por diferentes autores em diferentes campos muitas vezes com sentidos distintos (PAVIS, 2004; FISCHER-LICHTE, 2008; COMIN & AMORIM, 2008; ASCHIERI, 2010; CITRO, 2010).