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APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS: LEITURAS POSSÍVEIS

2 ENTRE O ANÚNCIO E A RENÚNCIA DA VIDA: JORGE

2.4 APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS: LEITURAS POSSÍVEIS

A partir da leitura dos excertos acima reproduzidos, vê-se que muitas informações não são consensuais a respeito do período em que Jorge Amado esteve exilado nos vizinhos latinoamericanos nos dois primeiros anos da década de 1940. A esse respeito, inclusive, as divergências iniciam desde o reconhecimento desse episódio, já que muitas obras sequer o consideram como tal: i) “transfere-se para a Argentina”; ii) “muda-se para a Argentina”; iii) “Vive entre 1941 e 1942 na Argentina e no Uruguai, pesquisando”, dizem as obras que se inserem no grupo das edições comemorativas da obra de Jorge Amado (1,2,3), por exemplo.

O interessante, nesse sentido, é que essa “amenidade” na descrição do exílio está presente em livros com diferentes propósitos e públicos, isto é, se não espanta Jorge Amado: 30 anos de literatura (1) e Jorge

Amado Povo e Terra: 40 anos de literatura (2) localizarem os anos supracitados como “transferência” e “mudança”, o mesmo não ocorre quando Jorge Amado 80 anos de vida e obra: subsídios para pesquisa (3) diz apenas que o escritor “vive” pesquisando na Argentina e no Uruguai. Isso porque os dois primeiros textos inserem-se num contexto mercadológico e não escondem seu propósito de venda, são “edições comemorativas” afinal de contas. No entanto, o mesmo não se dá na proposta da terceira obra, que foi elaborada com o intuito de atender a pesquisadores especializados na produção intelectual e na vida do escritor. É verdade que esse livro continua trazendo a mais completa fonte de informações quantitativas em relação ao período, mas, por outro lado, com escolhas de registro como a citada, peca em diminuir (ou em não deixar claro) o contexto da partida de Jorge Amado.

Também ganham destaque os dados referentes à produção criativa do autor em 1941-1942. Vê-se que há menções a dois romances nesse período, Terras do Sem Fim e Agonia da Noite. O primeiro, sem dúvidas, é o que mais gera dissenso entre as narrativas de vida, na medida em que diferentes considerações são apresentadas sobre esse romance, como em: i) “Sinhô Badaró se editaria em dois volumes, com títulos diferentes: Terras do Sem Fim (1942) e São Jorge dos Ilhéus (1944)”; ii) “só em 1942 viria a publicar outro romance, Terras do Sem Fim”; iii) “No Uruguai sentei-me diante da máquina de escrever e de um lance fiz Terras do Sem Fim”; iv) “Jorge Amado encontrava-se exilado na Argentina e no Uruguai. Lá escrevera [...] O Cavaleiro da Esperança e Terras do Sem Fim”; v) “No Uruguai terminei Terras do Sem Fim”.

Estas passagens, respectivamente de Jorge Amado: Vida e Obra (4), Jorge Amado: Retrato Incompleto (5), Conversando com Jorge Amado (6), Um Baiano Romântico e sensual: três relatos de amor (7) e Jorge Amado: Literatura Comentada (9), registram o fato de que o processo de escritura desse romance é controversa até mesmo nos depoimentos do próprio escritor, considerando-se que ele localiza o Uruguai tanto como local de elaboração total do livro quanto como local de término do livro, abrindo precedente para se questionar, portanto, o início dessa produção.

Jorge Amado 80 anos de vida e obra: subsídios para pesquisa (3) e Jorge Amado: Vida e Obra (4) mencionam a elaboração de uma publicação que se chamaria Agonia da Noite, mas que acabou não sendo lançada: i) “Agonia da Noite, um romance introspectivo [...], não seria publicado”; ii) “O jornal ‘A Notícia’ anuncia como próximo livro do escritor o romance Agonia da Noite, o que não acontece”. Em relação a

essa obra, é pertinente a informação que há um romance, no Acervo, (também) denominado Agonia da Noite.

Ainda no que toca à produção literária de Jorge Amado entre 1941 e 1942, vê-se que as informações a respeito da biografia de Prestes não são unânimes entre as narrativas biográficas, como em: i) “O objetivo fundamental era apoiar uma campanha em favor da anistia”; ii) “Escreve a biografia A Vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, cuja tradução vai sendo feita simultaneamente, capítulo a capítulo, por Pompeu Acióli Borges”; iii) “Decide escrever um livro sobre Luís Carlos Prestes [...] Viaja para o Uruguai a fim de recolher material; também faz pesquisas sobre o tema na Argentina”.

Tais passagens, de Conversando com Jorge Amado (6), O Baiano Jorge Amado e sua obra (8) e Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado (10), mostram que há diferentes marcações de intenções e motivações a respeito da elaboração da biografia. Enquanto o primeiro excerto (6) é de Jorge Amado afirmando que redigiu a obra em função de uma tarefa política, pois objetivava a anistia de Prestes, o fragmento seguinte (8) deixa em aberto a intenção da elaboração da biografia, mas registra, por seu turno, que foi traduzida simultaneamente por Pompeu Acciolly Borges. Já o último recorte (10), dá a entender que a ideia da biografia partiu do próprio Jorge Amado e afirma que o escritor foi inicialmente para o Uruguai coletar material para a obra.

Juntas, as considerações acima sobre Vida de Luís Carlos Prestes, el Caballero de la Esperanza colocam duas importantes questões quando se trata do Acervo Mala de Jorge Amado. A primeira, é a menção a Tomás Pompeu de Acioli Borges, pois esse é um nome recorrente nas correspondências do arquivo, mas, como visto, pouquíssimo citado nas narrativas de vida de Jorge Amado; as cartas presentes no material dão a entender que mais que uma relação profissional entre autor e tradutor, Jorge e Pompeu mantinham contato pessoal, eram amigos. A segunda, trata-se da informação de Cadernos (10) sobre a ida de Amado primeiro ao Uruguai, pois, segundo o cotejamento das correspondências do Acervo, afirmamos que o escritor morou em Buenos Aires em 1941 e só depois, já em 1942, transferiu residência para Montevidéu.

Finalmente, chamo atenção para o fato de que nenhuma das obras mencionou a presença (sequer chegou a cogitar) de Matilde Garcia Rosa no exílio com Jorge Amado, fosse em 1941, fosse em 1942; e como se viu, equivocadamente, Jorge Amado: 30 anos de literatura (1) até mesmo registrou 1941 como a data em que o casal assinou o desquite. Mas, por outro lado, em Navegação de Cabotagem (11) Jorge Amado sugeriu ter

vivido um relacionamento extraconjugal em 1942, ainda em Buenos Aires, com “Maria a Chinesa”.

Assim, a partir das observações redigidas até então, é ponto passivo afirmar, pelo menos, sete questões: i) não é consenso entre as obras os anos de 1941 e 1942 serem tomados como um exílio político; ii) não existe acordo entre os livros sobre a ordenação de chegada de Jorge Amado na Argentina e no Uruguai, alguns localizam este como primeiro país em que o escritor desembarcou e outros marcam aquele como ponto de partida; iii) os dados sobre a elaboração de Terras do Sem Fim não são precisos, de modo que as informações acerca do período e do local de escritura do romance não coincidem nas produções biográficas; iv) menciona-se uma possível elaboração por parte de Jorge Amado de um romance que se chamaria Agonia da Noite; v) Matilde Garcia Rosa não foi mencionada uma única vez no contexto do exílio, de forma que não se cogitou, em nenhum momento, sua presença com Jorge Amado durante esse afastamento político; vi) nenhum autor, excetuando-se o próprio Jorge Amado, indicou a presença de algum relacionamento amoroso no exílio; e vii) Tomás Pompeu de Acioli Borges, tradutor da biografia de Prestes, foi pouquíssimo citado nos textos, para ser precisa, o foi por duas vezes. É, enfim, motivada por essas considerações que me proponho a elaborar minha narrativa biográfica de Jorge Amado em 1941 e 1942 a partir do Acervo a Mala de Jorge Amado.

3 DOCUMENTOS PARA UMA BIOGRAFIA NÃO CONTADA