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As representações sociais podem ser enriquecidas no estudo das identidades dos grupos sociais quando articulada com os conceitos da praxiologia de Pierre Bourdieu. Este viés possibilita articular os processos cognitivos que constroem as representações com a dinâmica do contexto social onde se desenvolvem. Para uma aproximação epistemológica entre as teorias, pode-se considerar, primeiramente, o caminho intelectual trilhado pelos autores. Bourdieu e Moscovici utilizaram como ponto de referência na construção de seus trabalhos o pensamento de Durkheim, Weber e Marx, buscando avançar a dicotomia indivíduo-sociedade. Esta base de motivação para os dois autores pode ser um ponto de partida para o diálogo entre estas duas formas de conhecimento.

Por meio desta articulação consideramos não apenas os sujeitos da representação, mas sim o meio social em que transitam, permitindo discutir com maior propriedade as condições objetivas dos produtores das representações. “A particularidade do estudo das representações sociais é o fato de integrar na análise desses processos a pertença e participação, sociais ou culturais, do sujeito” (JODELET, 2001 p. 27) Bourdieu (2002) enfatiza que só se compreende

verdadeiramente o que diz um agente engajado em um campo se tiver condições de se referir à posição que este ocupa no campo.

O trabalho de Bourdieu pressupõe a estrutura social, realidade objetiva que engedra disposições que são incorporadas nas experiências e práticas do cotidiano. A noção de habitus como sistema de disposições duráveis e transponíveis, estruturas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quando unida com a ideia de representações sociais, ultrapassam a especificidade individual que é transmitida pelo informante no momento da pesquisa, inserindo-os na estrutura dos espaços sociais aos quais fazem parte.

As condições sociais são internalizadas como princípios inconscientes de ação e reflexão, sob a forma de estruturas da subjetividade. Quando estruturados, o

habitus produz representações, opiniões, desejos e uma gama de produções

simbólicas, articulando dialeticamente sujeitos e estrutura social. Os sujeitos constroem as representações que servem como guia prático para ação e o habitus é uma dimensão fundamental a se entender no processo de construção das representações sociais, sobretudo na compreensão das particularidades que abarcam as diferentes interpretações dos contextos sociais. (DOMINGOS SOBRINHO, 2000)

As representações sociais não são apenas um modo de compreensão de um objeto em particular, mas também a forma em que o sujeito o define e identifica, expressando um valor simbólico, que conecta o sujeito ao objeto. Em Bourdieu (apud Nogueira e Nogueira, 2009) este valor simbólico é expresso em sistemas de percepção, pensamento e comunicação, sendo a produção simbólica dos sujeitos estabelecida pelas suas condições materiais de existência. Estas produções culturais não refletem apenas a condição objetiva do meio o qual se ligam, mas também as condições históricas do campo onde se originaram. Os sistemas simbólicos são formas de percepção e representação da realidade.

Para Spink (1993) a representação é uma construção do sujeito que, enquanto sujeito social não é apenas o produto das determinações sociais e nem produtor independente posto que as representações são construções contextualizadas resultantes das condições em que surgem e circulam. A autora coloca que a relação com a realidade não é direta, mas sim “mediada por categorias histórica e subjetivamente constituídas” (p.304), sendo estas formas de pensamento

prático campos socialmente estruturados podendo somente ser compreendido nas condições de sua produção e aos núcleos estruturantes da realidade social.

Bourdieu, neste sentido, defende que os sujeitos não são seres autônomos e autoconscientes e nem reflexos de forças objetivas. Os sujeitos se orientam pelas estruturas incorporadas, um habitus que reflete as características do meio a qual foram socializados. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009) Para Bourdieu (2009) os sistemas de disposições que geram o habitus funcionam como “princípios geradores e organizadores de práticas e de representações” (p. 87).

A expressão „estrutura estruturada predisposta a funcionar como estrutura estruturante‟ significa que a noção de habitus não se aplica apenas à interiorização de normas e dos valores, mas inclui os sistemas de classificações que preexistem às representações sociais. (ORTIZ, 2002 p. 159)

O conhecimento praxiológico de Bourdieu busca explicar a relação dialética entre o objetivismo e o subjetivismo, entre as estruturas e como estas estruturas encontram-se interiorizadas nos sujeitos, de maneira a compor as práticas e as representações das práticas. O conceito de habitus serve como ponte de mediação entre as dimensões objetivas e subjetivas do meio social, entre estrutura e prática, afirmando que a subjetividade do sujeito é algo socialmente estruturado (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009). “Esse conhecimento está inscrito nas experiências ou acontecimentos sustentado por indivíduos e partilhados na sociedade” (MOSCOVICI, 2003 p. 217)

“A socialização corresponde ao conjunto dos mecanismos pelos quais os indivíduos realizam a aprendizagem das relações sociais entre os homens e assimilam as normas, valores e crenças de uma sociedade ou de uma coletividade” (BONNEWITZ, 2003, p. 76). “Isso significa que representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de um referencial de um pensamento preexistente, sempre dependentes, por conseguinte, de mudanças e crenças ancoradas em valores, tradições e imagens do mundo e da existência” (MOSCOVICI, 2003 p. 216).

Conforme Bourdieu (2009) “o habitus torna possível a produção livre de todos os pensamentos, de todas as percepções e de todas as ações inscritas nos

limites inerentes às condições particulares de sua produção” (p. 91). O lugar, a posição social que os indivíduos ocupam ou as funções que assumem definem os conteúdos representacionais e sua organização, por meio da relação ideológica que mantém com o meio social (PLON, 1972 apud JODELET, 2001).

“Desse modo, toda representação social desempenha diferentes tipos de funções, algumas cognitivas - ancorando significados, estabilizando ou desestabilizando as situações evocadas – outras propriamente sociais, isto é, mantendo ou criando identidades e equilíbrios coletivos” (MOSCOVICI, 2003 p. 21). O habitus, de acordo com Setton (2002), é uma matriz cultural que possibilita os indivíduos a fazerem suas escolhas, podendo habilitar a construção de identidades sociais na atualidade.

Fundamentar a representação social em um quadro teórico que ultrapassa as noções de indivíduo e sociedade proporciona a compreensão do contexto da história objetivada e materializada nas instituições sociais e incorporada pelos indivíduos em um sistema de disposições. As representações sociais estruturadas no processo de formação docente podem evidenciar as disposições que estão sendo incorporadas no grupo de acordo com as condições objetivas defrontadas pelos licenciandos.

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