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Consideramos que estes esclarecimentos iniciais são fundamentais para substanciar este trabalho por duas razões: a questão onto-metodológica e, ao mesmo tempo, o campo aberto por categorias marxianas, entre as quais destacamos a totalidade, a contradição e a mediação, para que possamos (re) afirmar a possibilidade de conhecer objetivamente a realidade.

O presente estudo se circunscreve no campo científico da educação e tem como objetivo analisar a relação entre o pensamento pós-moderno e a educação infantil, privilegiando na análise a “abordagem Reggio Emilia”.

Conforme Della Fonte, a entrada do discurso pós-moderno na pesquisa educacional brasileira coincide com o arrefecimento das pedagogias críticas. Por um lado, esse discurso se voltou contra o tecnicismo pedagógico e as teorias educacionais reprodutivistas e, por outro, dirigiu-se também contra as próprias teorias críticas da educação. A inserção inicial do pensamento pós- moderno não foi percebida de forma clara, pois ele surge embutido nas chamadas propostas pedagógicas construtivistas e interacionistas, envolvendo inclusive muitos pensadores de esquerda (DELLA FONTE, 2006, p. 12).

O construtivismo, desde que surgiu na década de 1980, transformou-se em um dos ideários pedagógicos mais sedutores13 de nossa educação e,

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Sobre a sedução do ideário construtivista para a educação sugerimos a leitura da tese de Rossler (2003) em que demonstra que o construtivismo fala hoje, em termos educacionais, a língua de sua época, a língua de uma dada realidade, a língua da sociedade contemporânea. Mostra como “a ideologia atual instaura determinadas categorias valorativas a respeito dos homens, do mundo, da sociedade, as quais são vivenciadas objetiva e subjetivamente pelos

como afirma Arce (2002a, p. 7), a educação infantil se caracteriza como pioneira em aceitar e reproduzir as principais concepções construtivistas. Depreende-se, portanto, que a influência das concepções pós-modernistas na área não é, necessariamente, uma novidade.

Na medida em que fomos aprofundando nossas reflexões sobre o pós- modernismo, buscando compreender como esse discurso se inseria no pensamento educacional brasileiro, tendo como foco de nossa atenção a educação infantil, procuramos delimitar as principais idéias que vinham orientando as produções nesse campo.

Com os estudos realizados percebemos que atualmente se instaurou como ponto fundamental para a área a “construção de uma pedagogia para a infância”. Este debate tomou corpo no final da década de 1990 e vem gradativamente tornando-se predominante no discurso de educadores e pesquisadores brasileiros14. Observamos também que, apesar de ainda não haver um corpo teórico consolidado, é nítida a influência das experiências desenvolvidas com educação infantil no norte da Itália. Como afirma Barbosa15 (1999, p. 195),

[...] a região do norte da Itália vinha sendo reconhecida como uma das maiores produtoras de teorias e práticas em Educação Infantil, tornando-se um ponto de referência mundial sobre a construção de uma Pedagogia da infância e centro de debates e formação de educadores.

A partir dos estudos pioneiros de Faria (1993), começaram a ser traduzidas obras de autores italianos e de outras nacionalidades referentes às experiências lá desenvolvidas, com ênfase para a denominada “experiência Reggio Emilia”. Esta abordagem, que pode ser compreendida

indivíduos em sua vida cotidiana e estão presentes em seus pensamentos, em seus sentimentos, em suas ações e, inclusive, em suas produções teóricas, quando se trata de elaborar idéias, princípios ou explicações a respeito das coisas em geral”. Dessa forma, segundo o autor, “estabelece-se uma afinidade espontânea e imediata entre as idéias, os sentimentos e os valores presentes nos discursos que perpassam essas teorias e as idéias, sentimentos e valores que estão presentes nas cabeças dos homens que a elas aderem. De fato, os indivíduos se inserem na educação já imbuídos destes mesmos valores ideológicos, dessas mesmas categorias valorativas (autonomia, liberdade individual, igualdade, utilidade, respeito, cooperação, tolerância etc.) e, óbvio, simpatizarão e irão aderir, enfim, serão mais seduzidos, por aqueles ideários que as reproduzam no plano teórico-conceitual” (ROSSLER, 2003, p. 129).

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Para aprofundamento sugerimos, entre outros, a leitura de Faria (1999) e Rocha (1999).

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Maria Carmem Barbosa é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e foi coordenadora do GT 7 (Grupo de trabalho de educação infantil) da ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em Educação) no biênio 2002/2004.

como um conjunto de pressupostos teóricos e metodológicos, vem exercendo, sobretudo a partir da última década, um importante referencial teórico/prático para a educação infantil brasileira. Para dar uma idéia dessa dimensão, o livro “As cem linguagens da criança – a abordagem Reggio

Emilia na educação da primeira infância”, publicado no Brasil em 1999,

trazendo uma série de artigos de educadores italianos e norte-americanos, versando sobre temas como currículo emergente, gestão social, papel do pedagogo, papel do atelierista, relação com a comunidade, história e filosofia da experiência, entre outros, foi qualificado como “um novo clássico da educação infantil” (BARBOSA, 1999, p. 196).

Barbosa expressa a considerável receptividade que a divulgação das experiências desenvolvidas no norte da Itália, sobretudo a “abordagem

Reggio Emilia”, obteve no Brasil pelos educadores e pesquisadores de

educação infantil (BARBOSA, 1999, p. 197). De outra parte, o número de publicações traduzidas e publicadas no Brasil se intensificou na última década.

No ano de 2003 foi publicado no Brasil e também na Itália o livro de autoria de Peter Moss, Gunilla Dalhberg e Alan Pence, Qualidade em

educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas16. Nesta obra os autores apresentam três experiências pedagógicas como expressão da pós- modernidade, sendo uma delas a “experiência Reggio Emilia”17.

Considerando a receptividade que as experiências educacionais desenvolvidas no norte da Itália vêm obtendo no discurso educacional brasileiro sobre a educação infantil, tornando-se “um referencial mundial para a construção de uma pedagogia da infância” e considerando que a “experiência Reggio Emilia” foi declarada como expressão da pós- modernidade, optamos em nosso trabalho por analisar criticamente a relação entre o pensamento pós-moderno e a citada experiência, buscando identificar suas possíveis conseqüências para a concepção de criança, infância e educação infantil.

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Resenha deste livro feita por Lara Simone Dias, mestranda na UNICAMP e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil (GEPEDISC) da mesma instituição foi publicada na Revista Educação e Sociedade, vol 25, n.86, em abril de 2004.

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As outras experiências descritas pelos autores são respectivamente o projeto Meadow

Lake no Canadá e o projeto Estocolmo na Suécia. Este último foi proposto e orientado em

Isso implicou em um duplo desafio que nos levou a seguir dois caminhos simultâneos: a compreensão do pensamento pós-moderno, buscando, com base nesta compreensão, identificar suas principais características bem como alguns aspectos relevantes e os pontos de inflexão que constituíram e constituem o debate atual pós-modernista e a análise dos fundamentos filosóficos, históricos e metodológicos que orientam a “experiência Reggio

Emilia”.

Dessa forma, construímos o campo empírico: para aprofundar estudos relativos ao pós-modernismo, tomamos por base a produção existente sobre o assunto em língua portuguesa, pautando-nos em autores de tradição marxista como Wood, Eagleton, Moraes, Paulo Netto, entre outros; para a análise da “experiência Reggio Emilia” nos debruçamos sobre as obras em língua portuguesa e italiana que versam sobre esta temática e também na citada obra de Peter Moss, Gunilla Dalhberg e Alan Pence, porque nela ambas as temáticas convergem

No processo de construção teórico-metodológico da tese as primeiras abstrações razoáveis foram se consolidando em conceitos e em algumas categorias que permitiram delinear, capturar e melhor compreender os fenômenos investigados. Priorizamos a singularidade da “abordagem Reggio

Emilia” que se insere em uma complexidade estruturada determinada pela

articulação constante da universalidade e da particularidade para conhecer não só algumas das diversas problemáticas que cercam o campo da educação infantil, mas também para investigar se e de que maneira o pós- modernismo nele se insere. Como afirma Torriglia (2004, p 31),

O anel conclusivo de uma cadeia de acontecimentos, as determinações postas historicamente fazem da singularidade “muda” e sem “voz”, uma outra singularidade, enriquecida pela tensão entre a universalidade e a particularidade. Diante do panorama de um concreto que permanecia oculto na singularidade e de uma “abstração dizível” que era incapaz de realizar o retorno ao concreto, temos um campo de mediações que une e assinala os extremos.

Na medida em que avançamos em nossa compreensão, a “experiência

Reggio Emilia” deixou de “ser” simplesmente uma pedagogia superando o em

si e, quando os limites que aprisionavam o objeto se estenderam, o processo da tese começou a mudar de rumo e passamos a trilhar o caminho de volta,

permitindo uma maior aproximação ao objeto e permitindo-nos defender a tese de que é inequívoca a influência do pós-modernismo na “abordagem

CAPÍTULO II