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O S EMINÁRIO DE B ELÉM DO B RASIL

1- P ARA EDUCAR OS M ENINOS NOS “ SANTOS E HONESTOS COSTUMES ”.

Padre Alexandre de Gusmão relatou em Rosa de Nazareth nas montanhas de Hebrom que ao tempo que escrevia esta obra (provavelmente primeiro decênio do século XVIII) estava ao seu cuidado o “Seminário de Belém do Brasil”. O jesuíta atribuiu a sua fundação à providência da Virgem, narrando que sob a invocação de Nossa Senhora de Belém havia sido fundado “na era de 1686”. Esta sua narrativa foi destacada no capítulo em que tratava das mercês e do patrocínio da Soberana Senhora à Companhia de Jesus para a educação da puerícia. Na devoção mariana, e no intento de difundir os feitos jesuíticos (missionários, literários e educativos) registrou uma “particular menção” sobre o cotidiano escolar e vivência religiosa deste seminário. 346

Analisando a historicidade do Seminário de Belém, observa-se que estava inserido no processo de difusão escolar no período moderno. “Difusão” aqui entendida enquanto multiplicação de instituições educativas voltadas para as crianças e adolescentes no Ocidente,

345 Regulamento do Seminário de Belém (1694, 1696), In: S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, 1945, Tomo V, p. 180.

e não democratização - idéia tão anacrônica àqueles tempos. Escolarização traduzida por Phillipe Ariès como “o enclausuramento das crianças”. 347 Concomitante ao “surgimento” do sentimento da infância, segundo o estudioso francês, delineou-se a preocupação com a sua moralização, que se fez traduzir no adestrar, disciplinar e separar as crianças da sociedade dos adultos. As escolas e colégios recebem deste modo, a atribuição da formação de indivíduos letrados, e preponderantemente, a de “formar” bons cristãos. 348

Interesse expresso no ideal missionário/ educativo empreendido pela Companhia de Jesus. Embora não tenha sido fundada sob esta vocação educativa, conforme apontamos ao tratar das missões com os “indiozinhos”, foi neste empenho que a ordem se consagrou. No ano de 1542, apenas dois anos após a aprovação da Ordem, São Francisco Xavier enviou notícias de Goa (Índia) de que os missionários vinham trabalhando no Colégio de São Paulo, fundado pelo clero secular, que veio posteriormente a passar à administração jesuítica. Neste mesmo ano, foi fundado o Colégio de Messina (Sicília), inaugurando a atividade pedagógica da Companhia. Em 1556, ano da morte de seu santo fundador Ignácio de Loyola, a ordem contabilizava cerca de quarenta colégios, e mais de mil membros distribuídos em doze Províncias – Itália. Sicília. Alta Alemanha, França, Aragão, Castela, Andaluzia, Portugal, Brasil, Índia e Etiópia. 349

Em Rosa de Nazareth nas montanhas de Hebron, padre Alexandre de Gusmão buscou encarecer os feitos da Companhia por todo o mundo. Emblemática desta sua retórica decantada é a menção a uma revelação de santo Ignácio de Loyola, na qual estaria Cristo com

347 Vale destacar o estudo contemporâneo de Michel Foucault sobre a História da Loucura [1ª edição 1961], que em um capítulo intitulado “A Grande Internação”, analisou historicamente a experiência da reclusão e isolamento desde os leprosários no período medieval europeu, que no alvorecer no período moderno foram destinados para tratamento de enfermos por contaminação venérea. Sobre a escolarização infantil, Philippe Ariès comparou ao enclausuramento dos loucos, dos pobres e das prostitutas. P. ARIÈS, História Social da Criança e da Família, 1981, p. 11, 165 - 194; Cf. Michel FOUCAULT, História da Loucura na Idade Clássica, 3ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 1993.

348 Vale destacar neste processo de escolarização no período moderno a experiência das escolas de Port-Royal fundadas pelos jansenistas em meados do século XVII. Caracterizavam-se enquanto internatos dedicados ao ensino elementar - “ler, escrever e contar”. A sua singularidade estava na organização em torno das pequenas classes. Os princípios pedagógicos pautavam-se especialmente na doutrinação dos meninos, na preocupação em preservar as pequenas almas dos vícios e garantir-lhes desta forma a salvação eterna. Contavam para tanto com um plano escolar rígido, no controle prescrito do cotidiano de seus pequenos estudantes. Destaca-se na produção pedagógica de pensadores e educadores ligados a Port-Royal, a preocupação de que as crianças fossem afastadas das influências do mundo dos adultos. Esta “escola” consolidada na modernidade buscava oferecer a salvaguarda da inocência infantil no entre – muros, conforme refletido na pedagogia de Port-Royal e poderíamos espraiar esta expectativa às idéias pedagógicas no período moderno. Frédéric DELFORGE, Les petites Écoles de Port – Royal (1637-1660), Paris: Les Éditions Du Cerf, 1985, p. 157-158. Cf. António Gomes Ferreira, A difusão da escola e afirmação da sociedade burguesa, Revista Brasileira de História de Educação, Campinas, SP, nº 9, p. 177-198, jan./ jul 2005.

349 Cf. Leonel FRANCA, O método pedagógico dos jesuítas. O “Ratio Studiorum”, Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1952; J. F. GOMES, O “Ratio Studiorum” da Companhia de Jesus, Revista Portuguesa de Pedagogia, p. 133-137, 1991; J. W. O’ MALLEY, Os primeiros jesuítas, 2004, p. 89, 316 - 325.

três lanças prontas para destruir o mundo. Por intercessão da Virgem, as duas primeiras foram tomadas por São Francisco e São Domingos, sendo que a terceira foi oferecida ao santo inaciano. Então, através dos favores da Santa, e pelo labor de seus filhos/ missionários,

procurou mitigar a ira de Deos justamente indignada contra as heresias, & peccados do mundo que em seu tempo se hão levantado na Igreja de Deos, pregando, & escrevendo copioso numero de livros, abrindo Escolas publicas de todas as sciencias, levantando Seminários para a boa criação de meninos em bons costumes, penetrando toda a terra, alumiando aos que estavão sepultados nas trevas da idolatria, & paganismo, & destruindo as heresias à custa de infinitos trabalhos, & perseguições, & do sangue de quase trezentos Martyres. [grifos meus] 350

Em Arte de crear bem os filhos na idade da Puerícia, enlevou o padre Alexandre de Gusmão a atividade jesuítica, afirmando que a Ordem vinha colhendo muitos frutos “em quase todas as principaes Republicas Christans” com suas atividades missionárias/ educativas. Asseverou o padre que todas “as Repúblicas bem governadas, & todos os Príncipes amantes do bem commum” procuravam conservar e semear as escolas “onde meninos se instituem, assim nas letras, como nos bons costumes”. 351 Nesta lógica, os monarcas portugueses, como D. João III e D. Sebastião, podem ser considerados amantes deste citado “bem comum”.

No ano de 1542, a Companhia já havia se instalado em Portugal e estabelecido missão na Ásia a convite do rei D. João III, para que exercessem seu apostolado nas descobertas portuguesas. No Reino, fundaram ainda neste primeiro século instituições de ensino, como em Coimbra (1547), Évora (1553), Braga e no Porto (1560), que constituíram centros de recrutamento para as missões. No contexto das conquistas, Charles R. Boxer afirmou que sob o Padroado ibérico, as ordens regulares, e preponderantemente a Companhia de Jesus, representavam os braços da Igreja e da coroa lusitana nas novas possessões. Deste modo, até a expulsão da ordem de todo o Império Português, em 1759, estiveram ambos, a coroa e a Companhia, empenhados em seus interesses civilizadores/ dominadores como aliados. 352

Conforme mencionamos no primeiro capítulo, a Companhia desembarcou deste lado do Atlântico em 1549, tendo sido a Província do Brasil estabelecida no ano de 1553. A ordem de Loyola marcou indelevelmente a história dos primeiros séculos da ocupação

350 A. de GUSMÃO, Rosa de Nazareth nas montanhas de Hebron, 1715, p. 397.

351 A. de GUSMÃO, Arte de crear bem os filhos na idade da Puericia, 1685, p. 42- 43, 158.

352 Célia Cristina da Silva TAVARES, A Cristandade insular: Jesuítas e Inquisidores em Goa (1540-1682), Niterói – RJ: 2002, Tese (doutorado) - Programa de Pós Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói – RJ: 2002, p. 89-103; C. R. BOXER, O Império Colonial Português, 1969, p. 257-276; C. R. BOXER, A Igreja Militante e a Expansão Ibérica: 1440 – 1770, 2007, p. 84-106.

portuguesa nesta terra brasilis, principalmente no plano educativo. 353 Nesta empresa, pontilharam a costa da América Portuguesa – Estados do Brasil e Maranhão e Grão-Pará, fundando aldeamentos, casas, colégios e seminários, como podemos observar nesta representação:

1- Bahia

Salvador: Colégio da Bahia, Noviciado da Jiquitaia, Seminário de Nossa Senhora da Conceição, Casa de Exercícios Espirituais

Cachoeira: Seminário de Belém Ilhéus: Casa-Colégio

Porto Seguro: Casa-Colégio 2- São Paulo

São Paulo: Colégio, Seminário Santos: Colégio

São Vicente: Colégio 3- Rio de Janeiro

Rio de Janeiro: Colégio do Morro do Castelo Campos: Colégio

4- Pernambuco

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