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Arbitrabilidade e limitações de ordem pública

A ordem pública destaca-se entre os elementos da arbitrabilidade por ser uma das questões limitadoras em muitos países, dentre os quais Brasil, França, Estados Unidos e Suíça.

Dentre as restrições anteriormente consideradas, entendemos que os limites impostos pela ordem pública no âmbito da arbitrabilidade do sujeito ou do objeto devem ser tratados separadamente, por serem limites frágeis e tópicos analisados de forma diferenciada nas diversas jurisdições, conforme estudaremos a seguir.

Primeiramente, deve-se atentar para o fato de que quando se fala de ordem pública, se faz referência a um conceito de difícil definição, considerado de grande amplitude pela doutrina.

Jacob Dollinger comenta que o conceito de ordem pública não pode ser definido e tem como principal característica essa indefinição.88

Já Claudio Finkelstein entende que:

A ordem pública é mais que um conceito jurídico, pois contém elementos sociais e políticos, que variam não só no tempo, mas também de acordo com o intérprete, com sua formação e ideais, com suas crenças e valores. É um conceito jurídico, político e social que evolui, junto com a sociedade e seus integrantes.89

88 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 7. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 392.

89 FINKELSTEIN, Claudio. A homologabilidade da decisão arbitral e a exceção de ofensa à ordem pública frente ao direito internacional privado brasileiro. In: ARANA, Josycler; CACHAPUZ, Rozane da Rosa (Coords.). Direito internacional: seus tribunais e meios de solução de conflitos. Curitiba: Juruá, 2007. p. 100.

A dificuldade em encontrar uma definição clara e comum para a ordem pública nos fez optar pelo entendimento de que ela é uma forma de limitação da arbitrabilidade, juntamente com as leis internas de um determinado país.

Irineu Strenger esclarece que aquilo que é ordem pública em um Estado pode não ser em outro90, fato esse que dificulta a questão da arbitrabilidade, pois sendo a ordem pública um limite na utilização da arbitragem, não há como estabelecer que a decisão arbitral em um país será aceita em outro que entende ser a questão contrária à sua ordem pública.

Nesse sentido, Ricardo Ramalho Almeida expõe que a ordem pública é apenas um dos critérios disponíveis para delimitar a fronteira entre os litígios objetivamente arbitráveis e os inarbitráveis.91

A arbitrabilidade subjetiva ou objetiva, estando ou não estabelecida em lei, deve apresentar-se dentro dos limites impostos pela ordem pública do local da lei determinada na convenção de arbitragem e/ou do local da arbitragem.

No que concerne à arbitragem, as ordens públicas nacionais vêm sofrendo alterações ao longo dos anos, sob influência de inúmeros fatores, tais como o desenvolvimento dos sistemas políticos e legais, o envolvimento da economia nacional no comércio internacional, decisões políticas que promovem o investimento estrangeiro, a crescente aceitação da arbitragem pelos Estados e a outras diversas condições de favorecimento que autorizam esperar, com certeza, a modificação de conceitos tradicionais da ordem pública, reduzindo seus efeitos na esfera internacional da arbitragem.92

No entendimento de Patrick Baron e Stefan Liniger, a arbitrabilidade, em sua essência, é uma questão de ordem pública.93

90 STRENGER, Irineu, Arbitragem comercial internacional, cit., p. 220.

91 ALMEIDA, Ricardo Ramalho (Coord.). Arbitragem comercial internacional e ordem pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 80.

92 STRENGER, Irineu, op. cit., p. 220.

93 BARON, Patrick M.; LINIGER, Stefan. A second look at arbitrability, Arbitration International, London, London Court of International Arbitration (LCIA), v. 19, n. 1, p. 27, 2003.

Todavia, a ordem pública não é, como se pretendia, um critério indispensável à definição da arbitragem, mas sim um fator primordial na delimitação da livre disponibilidade. A ordem pública estabelece o limite da disponibilidade dos direitos e, por conseguinte, o da arbitrabilidade.94

Pode-se ainda considerar que a arbitrabilidade está relacionada com as limitações de ordem pública, como método de solução de disputas. Dessa forma, os Estados devem seguir sua própria ordem econômica e social para definir o que deve ou não ser arbitrável, devendo a arbitragem ser utilizada em todos os casos que estejam relacionados com as questões de ordem comercial.95

De acordo com Bucher e Tschanz, a arbitrabilidade é uma questão de ordem pública e é independente da intenção das partes.96

No entanto, ao escolherem as partes que a arbitragem é o meio mais adequado para a solução de seus conflitos, não estão elas cientes da matéria que será tratada e, dessa forma, entendemos que a arbitrabilidade será resguardada pela ordem pública, quando da existência do conflito.

Poudret e Besson conceituam que a ordem pública é um limite à arbitrabilidade da disputa e que deve ser considerada como condição da jurisdição do tribunal arbitral; também, para a sua preservação, é um limitador do conteúdo da sentença arbitral.97

No que tange à relação entre a ordem pública e a arbitrabilidade, a doutrina se divide, pois alguns entendem que a ordem pública é contrária à arbitragem, e outra corrente que a ordem pública limita a aplicação da arbitrabilidade, posição que consideramos ter maior validade.

94 LEE, João Bosco. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2002. p. 64.

95 HANOTIAU, Bernard, L’arbitrabilité et la favor arbitrandum: un réexamen, cit., p. 899.

96 BUCHER, Andreas; TSCHANZ, Pierre Yves, International arbitration in Switzerland, cit., p. 79.

A arbitrabilidade de litígios, em abstrato, raramente interessa à ordem pública; ela apenas se sensibiliza com os resultados concretos alcançados.98

William Park comenta que a ordem pública deve ser invocada como proibição da arbitragem em determinadas categorias de disputa, assim como para proteger a integridade do processo arbitral, em matérias como árbitros e o devido processo legal.99

Esses limites são impostos pela ordem pública, restringindo a utilização da arbitragem em determinadas matérias, formas e partes. No entanto, deverão os árbitros apresentar seus entendimentos quanto ao limite que a ordem pública impõe ao caso concreto.

O conhecimento das leis e regras internas de cada país não pode ser desconsiderado pelo tribunal arbitral, pois surgiria inevitável polêmica de substancial relevância e constrangimento entre os países, e sobretudo para o instituto da arbitragem. Assim, concluímos que a aplicação da ordem pública como um limite à arbitragem existe, porém não gera uma negação à aplicação do instituto.