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3 A RELAÇÃO DO TOTALITARISMO COM A MORALIDADE

3.3 ARENDT E A MORAL RELIGIOSA

O ponto chave, para Arendt, era que ninguém desejava ser mau e que, ao agir assim, o ser humano estaria em contradição consigo mesmo. Assim entraria no ramo da auto enganação, ou seja, mentir para si próprio a título de poder suportar o desprezo para consigo. Para a autora, durante o totalitarismo, todos os preceitos e crenças morais ficaram a parte durante o período, chamado por ela de “colapso moral”. Para os nazistas, o conceito religioso de “temer a Deus” ou “inferno e castigo divino” estavam afastados de qualquer temor. Arendt mostrou que o não suportar a si mesmo era, naquele instante do ato de terror, mais importante do que a crença em Deus que, nesse contexto, representa o vingador por estar ligado ao castigo religioso. A autora afirmou não saber o que se passou nos corações dos homens que comandaram o nazismo, mas estava certa de que ninguém considerou essas crenças religiosas mais antigas como adequadas para a justificação pública para os atos cometidos no terror nazista (ARENDT, 2008a, p. 128-129).

A conduta moral religiosa e os mandamentos hebraico-critãos parecem perder a aplicação no ato mau. Quando a desobediência e o temor do castigo divino são desprezados. Os ensinamentos religiosos ainda reforçam a necessidade do ato bom quando ordenam a fazer

o bem aos inimigos ou àqueles que odeiam, pois o critério seria sempre o outro, e as afirmações religiosas impõem a conduta para o bem e para o próximo para que o ser humano seja salvo pela Graça Divina, e tem a aparente ausência do “eu” como o fator determinante do comportamento. Para Arendt, a religião e seus mandamentos consideram a luta interna do eu contra o eu, e a vontade de fazer o mal do ser humano contra a vergonha de si e o enfrentamento solitário do ser humano, pois somente ele, saberia escolher, dentro de si, qual o melhor caminho a tomar para sua felicidade. Dessa forma, na religião, o pecado seria uma desobediência divina e o bem seria uma decisão humana. Arendt (2008a, p. 167) cita Nicolas de Cusa como um típico pensador cristão, já que o filósofo afirma que a base de toda a conduta é a escolha por si mesmo, e o ser humano, que Deus deixou livre, o fez para que esse ser humano fosse ele mesmo. Contudo, esses conceitos nos levam a pensar que a insistência com os mandamentos de prática do bem seriam um suposto indício religioso de que o ser humano seria mau por natureza e a prática do bem deveria fazer parte de um esforço e uma superação, mesmo que isso seja um esforço ligado a mandamentos e castigos divinos (ARENDT, 2008a, p.182).

A autora aponta o fato de alguns poucos envolvidos no nazismo nunca terem passado por um “conflito moral ou uma crise de consciência”, e isso mostra que não sentiam uma obrigação moral, pois faziam aquilo que, no seu entendimento pessoal, era evidentemente melhor. A autora afirmava-se perplexa ao perceber que o pensamento, seja ele filosófico ou religioso, evitava o mal na medida em que em nossa tradição, a cegueira humana e a ignorância estariam à frente da maldade. Implicitamente, pelo conceito da doutrina moral cristã, o homem diria que o mal é uma tentação, enquanto o bem é um esforço. Nesse sentido, a mudança de conceito moral ocorria quando, na Antiguidade, não havia um conhecimento da questão da consciência que, na época, situava-se como a voz de Deus, e a questão era apenas se seria obedecido ou não (Cf. ARENDT, 2008a, p.142-144).

Mesmo entendendo a relevância religiosa para a filosofia moral, no tocante ao julgamento do comportamento humano, ela considera Kant e o aspecto filosófico preponderante sobre a religião hebraico-cristã. Para Arendt, Kant elaborou uma resposta importante para esse tema, referente ao questionamento de Sócrates quando afirma que “Não devemos considerar as ações obrigatórias porque elas são mandamentos de Deus, mas devemos considerá-las como mandamentos divinos porque temos uma obrigação interior para

com elas” (KANT, 1965 apud ARENDT, 2008a, p. 130).14 Na perspectiva da autora, o ponto central gira em torno do sentido de “vida boa”15, entendendo que o melhor modo de vida, somente cabe ao homem escolher e julgar.

Arendt utiliza a própria argumentação religiosa para provar a máxima do indivíduo ou da preferência do homem por si mesmo. Ela entende isso como sendo extremamente difícil que o indivíduo possa apelar para a virtude cristã da humildade, acreditando que as prescrições dos padrões morais também não conseguem deixar de recorrer ao “eu” (self), pois afirma como máxima: “Ama ao próximo como a ti mesmo” ou “não faça aos outros, o que não queres que façam a ti”. Para a autora, mesmo contendo um princípio de amar ao próximo a prescrição não deixa de apelar para o “eu”. Elevando assim o valor pessoal. Baseada nessas argumentações, ela afirma que, as leis sejam, dos próprios homens, ou a lei de Deus, não determinará o comportamento moral, pois o memso não está ligado a leis exteriores ou obediências de dogmas.

Para Arendt (2008a, p.132), na terminologia de Kant, a legalidade não seria regida pela moralidade, sendo, sob o aspecto moral, uma legalidade neutra. Porém a religião e a política seriam então o que dariam os princípios legais. Arendt entende que quanto à política, e os aspectos legais, os cidadãos apenas devem respeitar a lei. E quanto ao aspecto religioso, a autora acredita que essa impõe o pecado e regula as condutas. Então, sob esse aspecto, Arendt afirma ser necessário distinguir o que é política, religião e suas leis e o que é ordem moral, que deve ser obrigatória para todos os seres humanos.

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