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5.3. Tipos de argumento

5.3.6. Argumento de causa e efeito

Causa

e

efeito

- ou

causa

e

consequência

- são como duas faces de uma moeda, pois para que haja um efeito, naturalmente deve ter havido uma causa que o motivasse. Assim, também, um fato só pode ser visto como causa de algo se houver outros eventos que deles derivaram. Enfim, causa e consequência são quase indissociáveis, dependentes entre si.

De acordo com as razões que deram origem a um determinado fato, é possível que o Direito se importe mais com a causa do que com o dano propriamente dito. Quando se fala em aumento no número de atos infra- cionais cometidos por crianças e adolescentes na cidade do Rio de Janeiro, pode-se estar querendo discutir quais as causas de tal fenômeno. Qual seria a relação entre a prática desses “ delitos” e a pobreza, por exemplo, ou o grau de escolaridade desses menores, ou o tráfico ilícito de entorpecentes? Somente será possível avaliar adequadamente como coibir as consequên­ cias desse fenômeno ao localizar a sua causa.

A esse respeito, o Desembargador Sérgio Cavaiieri Filho assinala a necessidade de distinguir

causa

de

fator,

comumente confundidos. Nas pa­ lavras do autor:

Antes de mais nada, entretanto, é necessário distinguir causa de fa to r, coisas diferentes, mas que por muitos são confundidas. Por causa enten-

de-se aquilo que determina a experiência de uma coisa: a circunstância sem a qual o fenômeno não existe. E, pois, o agente causador do fenô­ meno social, sua origem, princípio, motivo ou razão de ser. Eliminada a causa, o fenômeno haverá de desaparecer.

Já o fator, embora não dê causa ao fenômeno, concorre para a sua maior ou menor incidência. É a circunstância que, de qualquer forma, concor­ re para o resultado. Pode-se dizer, por exemplo, que a pobreza, a misé­ ria, é um fator de criminalidade, porque, segundo as estatísticas, 90% ou mais da população carcerária são constituídas de pessoas provenientes de classes sociais mais humildes. Mas não é certamente a causa do cri­ me, porque há um número muito grande de pobres que não delinquem. Pode-se dizer igualmente que o analfabetismo, a ignorância, é outro fator da criminalidade (...).18

Para a ciência do Direito, o nexo causal19 existente entre dois eventos tem grande relevância, porque todo indivíduo tem direitos e obrigações decorrentes dos atos que pratica em face das demais pessoas que vivem sob as regras de um mesmo ordenamento jurídico. Isso implica dizer que, se um consumidor contrata uma empresa para reformar seu escritório e, du­ rante a prestação de serviço, um dos pedreiros causa um buraco na parede do escritório vizinho, sua conduta gera como consequência a responsabili­ dade pelos danos materiais causados.

Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada ao comporta­ mento do agente, inexiste a relação de causalidade e, também, a obrigação de indenizar. Mesmo havendo nexo de causalidade, porém, não se podem desprezar as excludentes da responsabilidade civil, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, o caso fortuito e a força maior.20

Analisemos o caso concreto a seguir para melhor esclarecer a im­ portância do nexo de causalidade e do argumento a que dá origem para a atribuição de responsabilidades na ordem civil.

18 C A V A LIERI FILHO, Sérgio. Programa de sociologia jurídica: (Você Conhece?). 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

19 Para GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 4. d. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 232, “ nexo causal, ou relação de causalidade, é aquele elo neces­ sário que une a conduta praticada pelo agente ao resultado por ela produzido. Se não houver esse vínculo que liga o resultado à conduta levada a efeito pelo agente, não se pode falar em relação de causalidade e, assim, tal resultado não poderá ser atribuído ao agente, haja vista não ter sido ele o seu causador.”

20 A respeito, consulte C A V A LIERI FILH O , Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Certa vez, um soldado do Exército, Marco Aurélio, colocou sobre um armário do quartel um colchonete e, acima dele, um aspirador de pó. Quan­ do o soldado João Américo foi puxar o colchonete, dias depois, foi atingido pelo pesado aparelho de aspirar pó que não havia conseguido visualizar.

Será que a conduta de guardar esse objeto no referido lugar é um com­ portamento esperado para aquele contexto ou Marco Aurélio agiu de maneira imprudente? Na verdade, o que perguntamos é: existe nexo de causalidade entre a conduta de Marco Aurélio (deixar o aspirador de pó sobre um colcho­ nete) e o resultado (os ferimentos causados em João Américo)?

Aquele que entende que a conduta de Marco Aurélio foi adequada e previsível provavelmente entende que João Américo deveria ter tido mais cautela ao puxar o colchonete, pois ninguém puxa algo de cima de um armário sem o cuidado de se proteger de coisas que possam cair junto com o objeto puxado.

Ao contrário, aqueles que entendem que Marco Aurélio foi quem adotou uma conduta imprudente, ao colocar o aspirador de pó onde não se poderia vê-lo, atribuirão a ele a responsabilidade pelos ferimentos causa­ dos em João Américo.

A argumentação acerca da relação de causa e efeito, nesta hipótese, passa pela discussão sobre se a conduta adotada por Marco Aurélio é ou não a causa dos ferimentos de João Américo. É necessário contar, portanto, com certo grau de subjetividade sobre o que o auditório entende por conduta adequada (dever de cuidado) ou imprudente para, só então, discutir seus efeitos.

Perelman assinala que “ essa argumentação, para ser eficaz, re­ quer um acordo entre os interlocutores sobre os motivos de ação e sua hierarquização” .21 Exemplifica que se um jogador ganha sucessivas vezes no jogo de azar, torna-se menos verossímil que a causa de seu sucesso seja a sorte; a tendência é julgar que ele está trapaceando. Da mesma maneira, se não há contradição entre a fala de testemunhas, supõe-se que a causa de tal coincidência de explicações seja a veracidade de suas falas.

Examinemos outro caso concreto: se uma pessoa contrata um hospital para fazer uma cirurgia e, em decorrência da conduta imperita adotada pelo médico durante a realização do procedimento cirúrgico, o paciente passa por problemas graves, a responsabilidade pelos danos causados à saúde do consu­ midor é da contratada. Perceba que o vínculo causal entre a conduta adotada e o resultado alcançado gera a obrigação jurídica de indenizar. E fato, portanto,

21 PERELM A N , Chaím. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Mar­ tins Fontes, 2002, pp. 301-302.

que a relação de causa e consequência entre dois eventos é de grande importân­ cia, por exemplo, para a atribuição da responsabilidade de indenizar.

Se tomarmos o vínculo causal entre dois eventos como elemento es- truturante de um raciocínio argumentativo, três possibilidades são inicial­ mente vislumbradas. Perelman22 as enumera da seguinte maneira:

a) A argumentação facilita a relação entre dois acontecimentos sucessivos, por meio de um vínculo causal.

b) A argumentação seleciona um acontecimento e busca desco­ brir qual a causa que pode tê-lo determinado.

c) A argumentação analisa um acontecimento e tenta evidenciar quais os efeitos que dele devem resultar.

A tendência natural do homem é, na verdade, a de sempre tentar racionalizar os acontecimentos e tentar entender o porquê dos fatos que observa. Sempre se quer saber a causa ou o motivo que impeliu alguém a adotar certo comportamento, pois é por meio da causa que se consegue estabelecer uma interpretação coerente da conduta do indivíduo.

A relação de causa e efeito entre dois eventos, muitas das vezes, apro­ xima-se do próprio problema que a argumentação precisa enfrentar. Leia o relatório a seguir:

2" Câmara Cível

Apelação Cível n° 1.217/93. Relator: Des. Sérgio Cavalieri Filho.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n° 1.172/96, em que é apelante Casa de Saúde Santa Helena Ltda. e apelado Hamil­ ton da Paixão Amarão e sua mulher.

Acordam os Desembargadores que integram a 2a Câmara Cível do Tri­ bunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em dar pro­ vimento parcial ao recurso para restringir a indenização ao dano moral e despesas com funeral, vencido o Des. João Wehhi Dib que julgava a ação improcedente.

Ação de responsabilidade civil, pelo rito sumaríssimo, em razão da morte de criança recém-nascida. Apontou-se como fato gerador da res­ ponsabilidade da ré o fato de ter sido dado alta hospitalar ao filho dos

22 PER ELM A N , Chaím. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Mar­ tins Fontes, 2002, p. 299-300.

autores logo após o seu nascimento quando ainda não tinha condições físicas para tal. A sentença (f. 30/35), acolhendo parcialmente o pedido, condenou a ré a pagar aos autores indenização por dano moral - 100 salários mínimos - despesas com funeral e pensões vincendas, a serem apuradas em liquidação, durante nove anos, compreendidos entre os 16 e os 25 anos do filho dos autores.

Recorre a vencida (f. 37/41) sustentando que não existe nos autos pro­ va da culpa da apelante, não podendo esta ser presumida, mormente em se tratando de criança nascida de mãe desnutrida e fumante. Assim, prossegue, culpar a apelante pelo infeliz acontecimento importa em imputar-lhe responsabilidade pelo procedimento dos próprios pais que, sem condições, resolveram ter mais um filho. Aduz não ter a senten­ ça considerado a baixa situação social-fínanceira dos apelados, causa principal da mortalidade infantil, e que a introdução da sonda não foi a causa mortis da criança. Pede a reforma da sentença.

Ao responder o recurso (f. 46/47), pugnam os apelados pelo seu des- provimento.

É o relatório.

Repare como a problematização do caso concreto coincide exatamen­ te com a relação de causalidade entre a conduta do médico que autorizou a alta hospitalar e o evento morte; o problema seria: de que maneira poder- -se-á comprovar que Alan Marques Amaral faleceu em decorrência da alta hospitalar prematura e não em decorrência de seu frágil estado de saúde?

Por fim, reforçamos que nenhuma relação de causa e consequência deve ficar sem uma explicação coerente para justificar que o agente deve­ ria adotar conduta diversa para evitar os resultados a ele imputados. Mera relação entre dois eventos (fato e consequência), sem essa explicação do argumentador, não passa de narração de fatos, insuficiente, portanto, para a fundamentação de uma tese.

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