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O efeito persuasivo das figuras de retórica

Especialmente no texto argumentativo, em que o primeiro objetivo do orador é estabelecer um vínculo com o auditório, deve aquele cons­ truir o seu discurso de forma a torná-lo acessível e atraente. Assim, além de planejar o texto, escolher os tipos de argumento e elaborá-los, torna-se imprescindível utilizar a palavra - “ guia de toda ação e de todo o pensa­ mento” (Isócrates, 439-388 a.C.) — a seu favor, explorando-lhe todas as facetas.

Para tal tarefa, as figuras de retórica, segundo Reboul,4 desempenham um papel persuasivo, isto é, são mecanismos de que se vale o orador para encaminhar o raciocínio do auditório, surpreendendo-o com construções criativas, numa linguagem vívida, ou melhor, que foge ao comum. Obser­ ve-se que tal expediente tem, ainda, por objetivo promover um apelo emo­ cional ou motivacional. Dessa forma, o auditório receberá com surpresa e aguçará a sua atenção para as palavras do orador.

Não se pode aferir à figura retórica a única função de evocar prazer ou emocionar o auditório, mas, especialmente, condensar um argumento, que se constitui no próprio enredo. No exemplo que se segue, isso ficará bem claro. O Ministro Ayres Britto, ao proferir seu voto sobre a possibili­ dade de autorização do aborto do feto anencéfalo, disse: “ O anencéfalo é uma crisálida que jamais se transformará em borboleta” .5

Observe-se que, ao comparar o anencéfalo a uma crisálida - terceiro estado do ciclo de vida da borboleta, em que ainda é uma lagarta, mas pronta para se transformar em borboleta - objetivou situá-lo no mesmo nível de um ser em formação, que se encontra em um estágio intermediário de vida plena.

Entretanto, algo os distingue: enquanto a crisálida já está madura, e completamente formada para se tornar uma borboleta, o anencéfalo não se formou nem terá a possibilidade de se formar plenamente. Portanto, mais do que evidenciar o que há em comum entre ambos (anencéfalo e crisálida), desejou o ilustre ministro explicitar aquilo que distingue os dois elementos, com o objetivo de persuadir o auditório sobre a incapacidade de um anencéfalo atingir o estágio final de desenvolvimento.

4 REBO U L, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Pau­ lo: Martins Fontes, 2000.

A ilustração poderá explicitar, ainda melhor, o que foi dito:

Anencéfalo: sem possibilidade de vida

após deixar o útero materno, já que tem

ausência parcial ou total de encéfalo.

possibilidade de vida após deixar o casulo,

já que desenvolveu-se

plenamente. Crisálida: com

Como se observa, a aproximação desses dois elementos, aparente­ mente sem algo em comum, favoreceu a tese do ex-Ministro Ayres Britto de que o anencéfalo é um ser fadado à morte, mesmo que nasça com vida. Com a figura retórica, atenuou-se a dramaticidade do tema, ocorrendo o que A B R E U (2000, p. 74) chama de esfriamento do texto, sem, no entan­ to, atenuar a sua relevância. Ademais, utilizou-se um repertório conhecido pelo auditório universal, cuja imagem remete a um ser frágil (borboleta), porém de reconhecida beleza, que não alcançará o anencéfalo, condena­ do, prematuramente, à morte. Dessa aproximação (anencéfalo / crisálida / borboleta), extrai-se uma conclusão incompatível com a vida, condensou- se a tese do orador. Certamente, o efeito persuasivo obtido com o uso da metáfora foi mais intenso do que se o ex-Ministro Ayres Britto tivesse dito, apenas: o anencéfalo é um embrião sem expectativa de vida.

Pode-se, ainda, demonstrar como uma figura retórica auxilia a defesa de uma tese, encaminhando o raciocínio do auditório na direção determinada pelo orador, por meio da prolepse. Esse efeito consiste em antecipar um ar­ gumento do opositor, para afirmar sua fragilidade. Tal figura é muito utiliza­ da pelo profissional do direito, já que não existe argumentação se não houver controvérsia. Ademais, se o orador estiver atento, antevendo os possíveis ar­ gumentos do seu opositor e voltando-os contra ele, surpreenderá e o forçará a reformular os seus argumentos. Um bom exemplo de prolepse foi utilizado por Schreiber ao defender a tese de que seria possível ampliar a interpretação do art. 953, do Código Civil, a fim de possibilitar ao magistrado quantificar as indenizações por danos patrimoniais difíceis de serem mensuradas. Eis o trecho em comento, em que se sublinhou a prolepse:

Um observador atento argumentará que a hipótese é, ainda assim, li­ mitada à conduta que ataquem a "honra ” da pessoa jurídica, tema de que trata o caput do art. 953. É verdade, mas nada impede sua aplicação analógica aos danos derivados de outras condutas que agridam a pessoa

jurídica, como a violação de segredo industrial. O parágrafo único do art. 953 deixaria assim a absoluta inutilidade para assumir o papel de norma oxigenadora da quantificação das indenizações, permitindo ao magistrado arbitrar por si mesmo os danos patrimoniais cuja prova nu­ mérica se mostrasse extremamente dificultosa (grifo nosso).

Certamente, você deve tê-la associado ao argumento de oposição. De fato, a prolepse se inclui nesse tipo de argumento. Sua particularidade reside no fato de a parte contrária poder ser uma pessoa real ou fictícia. Voltaremos à análise do uso e do efeito da prolepse no item 7.3.4.3.

Enfim, conforme defende Reboul, é fundamental conhecer as figu­ ras retóricas e compreender o efeito favorável ou desfavorável que podem produzir à defesa das nossas teses, a fim de interpretá-las e utilizá-las nas nossas argumentações.

7.3. FIGURAS RETÓRICAS MUITO UTILIZADAS NO DISCURSO

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