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Capítulo I – Ensino Privado, Privatização da Educação e Escolha da Escola

1. A privatização da educação e a escolha da escola no contexto internacional

1.2. Defensores e opositores

1.2.1. Argumentos dos defensores

Os argumentos favoráveis à livre escolha das escolas datam do séc. XVIII, mas o tema só entrou nas preocupações da comunidade educacional na década de 80. No que se refere à realidade portuguesa, a Constituição da República atual reconhece a liberdade de escola como indissociável das liberdades de aprender e de ensinar consagrada no artigo 43.º e com os artigos 73.º a 77.º consagra os direitos sociais relativos à educação e ao ensino. A liberdade de ensino é uma liberdade de escolha com pluralismo na escolha de projetos educativos e “a liberdade só existirá na medida em que a escola pública neutra não for obrigatória nem forçosa, mas sim meramente alternativa (…) o Estado só poderá respeitar e promover a liberdade de ensino se permitir, apoiar e garantir este pluralismo, se apoiar a(s) escola(s) privada(s) em igualdade de condições com a escola pública” (Pinto, 1995, p. 99). Aplica-se o princípio da subsidiariedade do Estado, exatamente porque se trata de questões do foro pessoal, de espaços de liberdade e de consciência (Idem). O apoio do Estado à escola privada deve ser tal que torne a sua escolha indiferente, em termos financeiros, e os pais farão a opção em função do projeto

32 Políticas e Racionalidades na Escolha da Escola Privada educativo que mais se identifiquem. Segundo o mesmo autor, o Estado discrimina, negativamente, e dá tratamentos diferentes, com o dinheiro dos contribuintes, à escola pública e privada caindo claramente numa inconstitucionalidade.

Encontram-se defensores e apoiantes da liberdade de escolha nos vários espectros políticos, assumindo uma posição comum que é a desilusão face ao conservadorismo do monopólio da escola pública e as resistências à mudança por parte dos sistemas políticos. Os defensores da livre escolha da escola defendem o direito de decisão da escolha da escola, por parte dos pais; a liberdade para decidirem o estilo pedagógico, o projeto educativo que mais lhes agrade; creem que a livre escolha e a privatização da oferta educativa melhoram a qualidade das escolas e os seus resultados; entendem que as diferentes tradições filosóficas, religiosas e culturais não são contempladas num sistema unificado; acreditam que a pressão competitiva gera maior eficiência; o sistema de administração direta da escola pelo Estado é, intrinsecamente irresponsável, ineficiente, burocratizado, subordinado a interesses e incapaz de se auto-reformar; a livre escolha da escola e a privatização da oferta educativa ao introduzirem mecanismos de competitividade e de responsabilidade perante o consumidor, próprios do mercado, melhoram a qualidade das escolas e seus resultados (Barroso e Viseu, 2003). Perspetivas liberais e originárias dos EUA são favoráveis à escolha da escola, argumentando que o Estado não é o mais eficaz provenciador de serviços assumidos como públicos, como é o caso da educação, apresentando alguma desconfiança ao exagerado alargamento a diversas áreas, defendendo um tronco comum que se pretende abrangente, mas que assegure um conjunto de conteúdos, objetivos e de conhecimentos para as áreas académicas tradicionais, permitindo que as escolas apresentem dimensões distintivas.

A base ideológica da corrente de pensamento defensora de um mercado da educação apoia-se em argumentos que demonstram a bondade da solução: o valor da liberdade é superior a qualquer outro, a concorrência num mercado alargado da educação conduz naturalmente à seleção dos melhores e à eliminação dos piores desempenhos, levando a uma melhoria generalizada das escolas tanto públicas como privadas; o Estado deve subsidiar as escolhas das famílias em vez de as condicionar a um serviço universal de escolas públicas; a gestão privada é financeiramente mais eficaz do que a pública, pelo que o Estado teria a ganhar com esse modelo de gestão.

Políticas e Racionalidades na Escolha da Escola Privada 33 Um forte argumento em prol da privatização é a eficiência produtiva interna que se deve a três razões: a maior competitividade, melhores estruturas de gestão e propriedade dentro das organizações e melhores sistemas de monitorização e incentivos. “Há também alguns dados de aumento da eficiência com a privatização no sector educativo, embora a maior parte deles ateste mais a eficácia que a eficiência” (Belfield e Levin, 2004, p. 47). Uma competição entre escolas públicas e privadas deveria tornar o serviço educativo que prestam mais eficiente com apresentação de melhores resultados e maior sucesso escolar. A competição entre as escolas melhorará o desempenho de todas as escolas que sobreviverem no mercado e todo o tipo de escolha mercantil tem sido recomendada como modo de aumentar a capacidade de resposta das escolas às famílias e como meio conseguir melhorias significativas na produtividade.

Outro argumento a favor da liberdade de escolha da escola é que esta pode tornar o sistema educativo mais justo, pois pode abrir as portas dos alunos que estão condenados a frequentar escolas de baixa qualidade e a competição proporcionará maiores incentivos à criação de soluções e respostas mais adequadas às necessidades de todos os alunos com a implementação de programas que iriam beneficiar, principalmente, aqueles que tinham como opção apenas más escolas públicas. Com um financiamento diferenciado, as escolas mais problemáticas a diferentes níveis, podem ter possibilidade de encontrar um equilíbrio no equipamento dos espaços, na melhoria das condições e na atração de alunos com mais sucesso académico. O mesmo tipo de discriminação positiva no financiamento, apenas para famílias e alunos mais desfavorecidos, daria a possibilidade de escolherem escolas mais competitivas, não ficando condenados a escolas com serviços educativos de baixa qualidade.

Autores como Glenn (1991), West e al.(1998) e Olssen (2000), citados por Sá (2004), defendem uma modalidade alternativa à livre escolha da escola que consiste na escolha controlada, na tentativa de articular as preocupações com a equidade e com a eficácia e eficiência, tentando combinar a defesa do individualismo e as questões de natureza ética, configurando o que alguns autores designam “liberalismo ético”. Este será um sistema de escolha da escola assente num conjunto de pré-requisitos que garantam os princípios de transparência, previsibilidade, equidade e responsabilidade, mas que exigem controlo externo da parte das autoridades. Este tipo de escolha apoia-se em quatro objetivos centrais: a possibilidade de qualquer criança aceder a todas as escolas, independentemente do seu meio sócio económico familiar; o envolvimento de todos os pais no processo de decisão de escolha da

34 Políticas e Racionalidades na Escolha da Escola Privada escola e não apenas os mais informados; terminar com a garantia de público escolar a partir da residência, estimulando as escolas a melhorarem o seu desempenho para darem uma resposta mais adequada a todos os “clientes” que as procurem; para evitar algum tipo de segregação racial, social ou qualquer outra, criar quotas de frequência nos estabelecimentos de ensino. Relativamente às crianças com necessidades educativas especiais, vários estudos têm-nas visto como non gratas para a promoção dos mercados educacionais, uma vez que podem influenciar negativamente o desempenho global da escola e baixar os rankings e tornar a escola menos atrativa para um segmento de público que entende a sua presença que baixa os níveis de sucesso de uma escola.

“Mesmo com um incentivo económico, no quadro da lógica de mercado, estes alunos podem influenciar negativamente o desempenho global da escola nas provas externas (…). Este risco poderia ser diluído com o custo acrescido no financiamento dos alunos portadores de problemáticas que exigem um maior número de apoios e recursos, relativamente ao valor de mercado de um aluno dentro dos padrões referenciados para o aluno médio” (Sá, 2006, p. 304).

Chubb & Moe (1990), citados por Marques (1977), acérrimos defensores da eficácia natural do mercado e da livre escolha sem controlo, consideram que a pressão pela procura vai obrigar as escolas menos eficazes a melhorarem os seus programas, sob pena de desaparecerem por falta de alunos. Acreditam na ineficácia normal do Estado, creem que o controlo do mercado deveria substituir o controlo democrático do Estado e defendem a liberdade de escolha como um direito parental. Entendem que a livre escolha e a privatização da oferta melhoram a qualidade das escolas e os seus resultados ao introduzirem o mecanismo de competitividade e de responsabilização perante o consumidor, próprios do mercado e entendem que o sistema de administração direta da escola pelo Estado é intrínseco e inevitavelmente irresponsável, ineficiente, burocratizado, subordinado aos interesses dos funcionários e incapaz de se auto-reformar. Segundo estes autores a reforma do ensino seria o produto da pressão de baixo para cima e os clientes escolheriam o serviço educativo mediante as necessidades e expectativas, num menu à la carte, obrigando o sistema a reformar-se e a ser mais responsivo. Os mesmos autores argumentam que se os pais que escolhem as escolas as apoiarem exercerão uma grande tensão sobre os professores e os seus filhos, de modo a que o ambiente educativo seja propício à aprendizagem e às suas expectativas. Caso as famílias tenham a possibilidade de trocar de escola, quando esta não tiver a qualidade educativa desejada, estarão a exercer pressão para reformar as escolas ineficazes que terão de responder às necessidades e

Políticas e Racionalidades na Escolha da Escola Privada 35 desejos dos pais clientes. Para contornar o problema das famílias de baixos recursos económicos e culturais e lhes dar a oportunidade de escolha da escola, não ficando limitados à escola da zona da residência, ter-se-ia de criar uma rede de transportes que assegurasse a deslocação dos alunos, para não serem clientes desprovidos de voz e de alternativas educativas. A conhecida obra dos referidos autores Politics, Markets and Americas Schools (1990), incondicionais defensores das políticas de escolha e de uma maior responsabilização da escola perante os seus clientes, defende que o envolvimento dos pais é importante desde que reforce os valores e as opções da escola, reforçando a cultura escolar através do incentivo e confiança nas decisões, assumindo uma posição sintonizada com a escola que fazem parte. As nações que dependem da escolha e da responsabilidade individual para tantas áreas da vida económica e social, não devem negligenciar as opiniões dos consumidores da educação que são os pais e medir a sua satisfação face a diferentes tipos de escola é uma forma de se garantir que as suas opiniões não são esquecidas (Walberg, 2010).