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2. Capítulo II: Argumentos Tópicos e a Influência Aristotélica em Boécio

2.1 Argumentos Tópicos Dialéticos

Boécio considera que Argumentos Tópicos podem ser de dois tipos: 1. Dialéticos e 2. Retóricos. Ainda que a forma da argumentação seja a mesma, a saber, um silogismo, o uso da inferência a modifica de tal forma que é possível identificar a intenção de quem a utiliza apenas pela estrutura escolhida. Assim, apenas pelo uso de entimemas50 se deveria reconhecer um argumento tópico retórico e, consequentemente, reconhecer que a discussão poderá tratar de hipóteses. Enquanto inferências tópicas dialéticas não consideram as circunstâncias, argumentos retóricos baseiam-se nelas. Apenas argumentos tópicos dialéticos buscam responder perguntas em um formato que antecipa os moldes escolásticos, de modo que ao considerarmos pontos específicos da argumentação do autor, estaremos considerando apenas esse tipo de argumento.

Uma vez que Boécio assume que uma proposição máxima (verdades auto-evidentes nas quais o argumento se apoia) é o mesmo que Aristóteles considera como Tópico, ele assume, também, uma interpretação acerca das proposições máximas e, consequentemente, assume tal interpretação como a tradicional. Todavia, nem argumentos dialéticos nem argumentos retóricos podem ser restritos a demonstração de forma válida e ainda cumprirem suas respectivas funções. O que Boécio entende por verdade auto-evidente não é o mesmo que os axiomas de Aristóteles, pois a função de um argumento dialético é produzir crença e não demonstrar uma verdade.

Dessa forma, Boécio afasta-se de Aristóteles ao tornar os Tópicos dependentes de uma leitura psicológica na qual a produção de crença é logicamente preferível à demonstração necessária. Ainda que ambos concordem que, a fim de convencer em uma argumentação, inferências tópicas deveriam ser utilizadas, no caso de Boécio tais inferências são suficientes para qualquer um que não se especialize no conteúdo discutido. Isso se dá uma vez que a proposição máxima seja entendida, aqui, como uma verdade auto-evidente geral da qual qualquer verdade secundária pode ser derivada e provada. Dessa forma, conforme aponta Stump:

50 Entimemas são silogismos incompletos, possuindo, pelo menos, uma proposição

Proposições máximas funcionam na argumentação como garantidores de validade ou cogência. Nos argumentos predicativos de Boécio baseados em proposições indefinidas, elas são premissas gerais essenciais para a validade da argumentação; em argumentos hipotéticos, elas validam a passagem do antecedente para o consequente – isto é, elas verificam a premissa condicional.51.

(STUMP, 1978, 187, tradução nossa)

Indo além e afastando-se ainda mais da abordagem aristotélica dos tópicos52, Boécio não assume as proposições máximas como único suporte para encontrar argumentos. Stump sugere que se poderia considerar as proposições máximas como um gênero do qual differentia é a espécie. As Differentiae identificam o conteúdo da proposição máxima e, portanto, do argumento em questão. Assim sendo, é a Differentia e não a proposição máxima que descobre argumentos, de modo que “(a) Differentia não providencia um termo médio específico, ao invés disso, ela sugere o tipo de termo que poderia ser o termo médio” (STUMP, 1978, 197, tradução nossa)53. Todavia, tanto a proposição máxima quanto a Differentia são necessárias em um argumento dialético.

Uma vez que se conheça o conteúdo do argumento, pode-se encontrar o termo médio adequado bem como a proposição máxima capaz de oferecer validade formal a ele. Nesse sentido, a Differentia deixa de ser espécie da proposição máxima e passa a ser seu gênero, pois a proposição máxima está contida nela da mesma forma que o termo médio. Dessa forma, o que Boécio identifica como tópico do argumento são as Differentiae, de modo que sua interpretação dos tópicos, ainda que se esforce em não contradizer Aristóteles, diverge da abordagem aristotélica ao conferir um papel muito mais importante à estratégia de busca de argumentos do que aquilo que os fundamenta.

Mais do que isso, a importância de tal tipo de argumentação torna-se clara porque todo tipo de argumentação pode ter início em uma questão. Assim, saber

51 Tradução livre de: So maximal propositions function in argumentation as guarantors of validity

or soundness. In Boethius’s predicative arguments based on indefinite propositions, they are general premises essential to the validity of the argument; in hypothetical arguments, they validate the passage from antecedent to consequent in the conditional – that is, they verify the conditional premise. STUMP, E. Dialectic and Boethius’s De topicis differentiis. In.: STUMP. E. (trad.).

Boethius’s De topicis differentiis. 1978, 187.

52 Não pretendemos discutir aqui se as Differentiae como Boécio propõe derivam ou não da lista

de estratégias sugerida por Aristóteles no tratamento dos tópicos. Dado as limitações da pesquisa, escolhemos nos ater a divergência sem tecer conjunturas que não teríamos, aqui, meios para defender.

53 Tradução livre de: (the) Differentia does not work by providing a particular intermediate term;

instead it suggests the sorto f term that could serve as intermediate. STUMP, E. Dialectic and

Boethius’s De topicis differentiis. In.: STUMP. E. (trad.). Boethius’s De topicis differentiis.

identificar o tema do argumento de modo abstrato, a fim de reconhecer a forma mais adequada bem como o tipo de exemplos mais convincentes para o tema, torna-se mais importante que apenas oferecer uma estrutura formal adequado ao raciocínio. Não se espera que os argumentos já reconhecidos e utilizados como exemplos de differentiae específicas sejam aqueles que respondam as questões propostas, mas, sim, que através deles se encontre a forma adequada de argumentação para que a pergunta seja respondida e para que seja respondida de maneira convincente. A partir da resposta, espera-se encontrar novos argumentos que poderão ser necessários, falsos ou apenas convincentes, sendo que, dessa forma, tais argumentos podem produzir conhecimento de qualquer área, pois tal conhecimento não é aquilo que está em questão e, sim, a crença nele.

2.2 As Categorias: Predicados, Predicáveis, Predicativos e