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Arquitectura luso-brasileira

Modernidade e Actualidade da Arquitectura Regional Raul Lino, José Marianno e a arquitectura luso-brasileira.

2. Arquitectura luso-brasileira

A arte e a cultura popular se colocariam, nesse início de século XX, como protagonistas de um projecto nacional de forte carácter político e ideológico presente nestas nações

periféricas. Exposições internacionais propagavam uma arquitectura de cunho

nacionalista. A Exposição de San Diego em 1915 na Califórnia, registrava El triunfo del

estilo español. Pouco depois, em 1926, A Exposição do Sesquicentenário da

Independência Americana, realizada na Filadélfia, enfatizou os avanços tecnológicos, porém associando-os a construções cujos partidos arquitectónicos privilegiavam o período de colonização da América inglesa e hispânica. Em Sevilha, houve, em 1929, a Exposição Hispano-Americana que contava com edificações que exaltavam ou refletiam a produção na América, enfatizando as tendências pré-colombianas ou neocoloniais. No Brasil, ocorre em 1922 a Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência que dura praticamente um ano, e traz diversas construções, principalmente de Portugal e do próprio Brasil, edificadas em uma linguagem que remetia as suas respectivas origens vernaculares.

A primeira dessas exposições mais ou menos coincide, não por acaso, com o início da Primeira Grande Guerra. A devastação produzida por esta fazia com que o paradigma europeu, que se assentava no tripé razão, ciência, indústria, fosse duramente posto em dúvida. Abria-se a necessidade de uma nova realidade política e social que não aceitava mais os discursos conciliatórios que permearam o s. XIX e que, agora, radicalizava suas propostas para a criação de um novo mundo. Nesse sentido, a ideia de modernidade esteve presente em quase todas as propostas artísticas e arquitectónicas que tentavam se desvencilhar do conservadorismo presente nas Escolas de Arte e de Arquitectura. Era também necessário remodelar o gosto que estava sedimentado em boa parte da população urbana, e que constituía a clientela de grande parte dos arquitectos.

França era o país que ditava a moda e a elegância dos salões das classes mais abastadas. Estar em sintonia com o gosto francês significava, pelo menos até esse início de s. XX, estar inserido naquilo de que melhor a civilização poderia prover. A simplicidade remetia a algo que era diametralmente oposto àquilo que a burguesia pretendia como signo de ascensão social. Não sem motivo, uma conferência realizada em 1914, por um também português, Ricardo Severo2, se inicia com um rogo de desculpas.

Assáz enleado me apresento perante vós, senhoras e senhores, para falar-vos de architectura. E o meu embaraço provém da natureza techinica do asumpto, receioso, até perturbar-me, do enfado que pode causar-vos a monotonia duma lição, que não versa manifestações de qualquer arte contemporanea, com os seus efeitos deslumbrantes e as

2 SEVERO, R. A arte tradicional n Brasil — a casa e o templo. In: Sociedade de Cultura Artística —

suas opulentas ornamentações, e que não está (como seria de garantido successo) dentro dos requintados moldes da moda actual. Sua conferência versava justamente sobre a arte tradicional, ou melhor, sobre a arquitectura colonial das antigas casas brasileiras, algo que naquele tempo eram “coisas esquecidas, de uma arte morta, […] é singelamente, a humilde estamenha de uma geração que modestamente viveu sobre a terra em que hoje tambem vivemos, que sepultada pelos tempos passados na mais rasa e humilde das sepulturas”3.

Embora simples e humildes essas “coisas esquecidas” tinham força de origem, estavam na raiz cultural dos diferentes povos e agora começavam a ser trazidas com mais ênfase para a discussões acerca da arte e da arquitectura.

Embora português, a conferencia de Ricardo Severo foi proferida no Brasil, mais especificamente em São Paulo, quatro anos antes do primeiro livro de Raul Lino — A

nossa casa. De facto, assim como Portugal, o Brasil se encontrava em uma condição de

nação periférica, e adoptava como partido estilístico majoritário em suas construções aquele que a Escola Nacional de Belas Artes defendia, ou seja, o ecletismo internacionalizante. Assim como Portugal, o Brasil tinha derrubado fazia pouco sua monarquia e entrava em uma República representativa de oligarquias. Em ambos os países se instaurou, nesse início de s. XX, um regime ditatorial dito Estado Novo, a fim de por termo às instabilidades políticas; em 1933 em Portugal com Salazar e em 1937 no Brasil com Vargas. São Paulo, terra de imigrantes, não era muito afeita a seguir tradições. As ideias de Severo encontraram mais repercussão no Distrito Federal, Rio de Janeiro, antiga capital da colónia e do império.

Na figura de José Marianno Filho, talvez possa-se traçar bom paralelo com Raul Lino. Apenas dois anos mais novo do que Lino, Marianno partiu de premissas semelhantes ao arquitecto português em defesa de uma arquitectura que fosse representativa de uma tradição cultural brasileira de raiz lusitana e que a desvinculasse daquilo que era regularmente ensinado na Academia, ou seja, uma arte e uma arquitectura ligada a uma tradição clássica que procurava construir um belo ideal.

Como os ideais de ambos os teóricos da arquitectura eram certamente ideais de cunho não apenas arquitectónico, mas fundamentalmente cultural, isso acabava por implicar inexoravelmente discutir os destinos políticos de cada país. Nesse sentido, Raul Lino e José Marianno se inseriam em uma dimensão daqueles que procuravam colocar suas respectivas nações dentro de uma nova ordem política e social e utilizavam a arquitectura como um veículo. Nesse momento, não se pode deixar de fazer um paralelo com a arquitectura Moderna. Gropius afirmava que “construir é modelar padrões de vida”. Essa afirmativa remete a uma ideia de que a arquitectura teria o poder de mudar o modo de viver das pessoas e consequentemente alterar suas visões e entendimentos de mundo. Isto estava na cerne do próprio Movimento Moderno, e, justamente por isso, ele pôde ser considerado moderno, pois o conceito de modernidade pode ser entendido como a proposta de construção de um novo mundo melhor a partir do desprendimento de uma era caduca e obsoleta.

3 SEVERO, R. A arte tradicional n Brasil — a casa e o templo. In: Sociedade de Cultura Artística —

Ainda que José Marianno e Raul Lino estivessem preocupados em procurar as raízes da arquitectura brasileira e portuguesa respectivamente, seus ideais estavam fincados em uma nova proposta de valores, não apenas artísticos, mas calcados principalmente em novos referenciais para esse início de século XX e que se contrapunham àqueles presentes no século XIX.

Desse modo, o conceito de moderno pode ora estar atrelado a uma visão de futuro quanto também à recuperação de um passado.

É importante, nesse momento, observar como se inserem esses dois entendimentos de modernidade que à princípio parecem ser diametralmente opostos, mas na verdade são complementares.