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Opções Metodológicas

“Ser-se investigador significa interiorizar-se o objectivo da investigação, à medida que se recolhem os dados no contexto. Conforme se vai investigando, participa-se com os sujeitos de diversas formas”

(Bogdan & Biklen, 1994: 128)

Neste trabalho foi utilizada uma metodologia mista, de carácter qualitativo num primeiro momento e de carácter quantitativo numa fase posterior. Tal opção prende-se com os objectivos e as questões de partida subjacentes a este trabalho, designadamente o acesso em profundidade a experiências de contacto de crianças, jovens com doenças crónicas, suas famílias, profissionais e outros agentes que (con)vivem com estas doenças e, o levantamento mais abrangente de situações e vivências com e de pessoas com doenças crónicas em Portugal.

Como referem Greene, Kreider e Mayer (2005: 275), abordagens metodológicas mistas em investigação social permitem gerar um melhor conhecimento. Os autores especificam as diferenças destas formas de gerar e aceder a um melhor conhecimento, sendo este: i) um conhecimento mais defensável, mais válido ou credível, ii) um conhecimento mais compreensivo, passível de desenvolver representações sociais do mundo mais completas e ricas, através do uso de perspectivas múltiplas, iii) um conhecimento mais perceptivo, com novas ideias, perspectivas frescas, conceitos e significados criativos que emergem quando os resultados divergem e, portanto, requerem reconciliação através de novas análises, reenquadramento, ou algum outro ponto em perspectiva, iv) um conhecimento com maior consciência de valor e com maior diversidade de valores, posturas e posições através da inclusão de métodos diferentes que possam, eles mesmos, avançar diferentes valores. De facto, este pluralismo conceptual e metodológico tem por base a validade do conhecimento em diferentes contextos, pessoas, tempos, contemplando métodos quantitativos e qualitativos enquanto formas de aceder a este conhecimento aprofundado e diverso

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(Barker & Pistrang, 2005). Como referem Kelle e Erzberger (2005) a fronteira entre o qualitativo e o quantitativo não tem que ser tão impenetrável. A este propósito também Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber (1998) defendem que muito mais do que dicotomias, a investigação que combina metodologias mistas apresenta possibilidades.

O planeamento deste trabalho de investigação teve em conta a (necessária) negociação entre as várias perspectivas e vozes, prevendo de antemão que seria importante atender com coerência, sensibilidade e rigor ao diálogo destas perspectivas. A implicação de múltiplos intervenientes permitiu uma análise multi-nível potenciando um olhar mais abrangente, capaz de preservar os sentidos e os significados destes intervenientes nos contextos em que se movem. Tratou-se, por isso, de pensar e desenvolver este trabalho numa perspectiva ecológica (Bronfenbrenner, 1979). Para tal a investigação localizou-se, por um lado, numa perspectiva alargada e plural, tendo em conta o contexto sociopolítico em que efectivamente se desenvolveu, e por outro, focou- se em questões de diversidade enquanto objectivos centrais e dinâmicas de um processo que se previu ser sempre colaborativo. Assumir que as pessoas são agentes e não sujeitos passivos face aos seus ambientes e contextos em redor e reconhecer a importância que lhes atribuem nas suas experiências de vida quotidianas foi de todo fundamental (Trickett, 2009). E, portanto, tornou-se nuclear ter em linha de conta as transacções entre estas pessoas e a sua diversidade em termos de história cultural, competências, recursos e características pessoais, oportunidades, recursos e constrangimentos dos contextos sociais de relevância para estes (Ibidem: 396).

Um outro aspecto do planeamento metodológico deste trabalho remeteu para a importância de assegurar que os métodos foram seleccionados e implementados para servir as questões de partida e não o contrário (Ezzy, 2002). O que se pretendeu, desde o início, foi situar este trabalho de investigação numa perspectiva holística e, por isso, interactiva, e dinâmica que permitisse uma leitura e um conhecimento desejavelmente (mais) completo e expansivo dos dados recolhidos (Trickett, 2000: 279).

Objectivamente, desejou-se envolver de forma intencional grupos discriminados ou desempoderados, atendendo aos seus pontos de vista, de tal modo que nos dessem coordenadas para (re)configurar o desenho, a interpretação e disseminação da investigação e dos seus resultados. Mais do que dar, reconhecer a voz de grupos que tradicionalmente não a (de)têm e, neste caso específico, crianças/jovens com doenças

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crónicas e suas famílias, foi uma meta prevista. De facto, uma preocupação sistemática recaiu sobre a atribuição, a visibilidade e o (re)conhecimento de competências (e também de problemas) das pessoas, abandonando o registo de “culpar a vítima” (Ryan, 1971) e, portanto, promovendo o empoderamento e a justiça social. Neste sentido, e de acordo com Kelly (1986), foi objectivo atender aos contextos naturais das pessoas – “pessoas em contexto” –, respeitando a diversidade entre estas pessoas e as realidades em torno das quais este estudo se desenvolveu.

Considera-se que subjacente a este trabalho esteve uma visão hermenêutica reflexiva, reconhecendo que os significados preexistentes das pessoas e as suas tendências interpretativas representam influências dominantes tendo em conta aquilo que estas fazem e observam (Ezzy, 2002). Neste sentido, tornou-se particularmente importante um entrosamento com os dados e uma compreensão progressivamente mais informada das experiências relatadas com os participantes do estudo atendendo aos contextos em que as situaram e aos sentidos que lhes atribuíram.

De forma objectiva e recuperando o título desta secção para situar o trabalho desenvolvido no que concerne a opções metodológicas, apresentam-se graficamente os métodos atendendo à sequência temporal que os acompanhou.

Figura 1: Representação arquitectónica dos métodos do estudo Conhecimento contextual

abrangente Entrevistas (mães, pai, profissionais,

líderes associativos) Conhecimento aprofundado Narrativa Familiar (família) Conhecimento ampliado Inquéritos por questionário (jovens e famílias) Grupos de discussão focalizada (crianças, líderes/membros associativos)

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Compromisso Ético

“As decisões éticas são o resultado da ponderação de uma miríade

de factores em contextos sociais específicos e em situações políticas

sobre os quais a investigação é conduzida”

(Piper & Simons, 2005: 56)

Como explica Ezzy (2002), a investigação envolve sempre, de algum modo, a política, afectando as políticas sociais, de forma mais ou menos directa. Neste sentido, e considerando as diversas implicações que processos de investigação podem fazer surtir, quer para os participantes, quer para os investigadores, é de todo fundamental desenvolvê-los com rigor e ética. Certamente,

“um compromisso explícito com as dimensões políticas e éticas da análise dos dados, particularmente de análises de natureza qualitativa, irá resultar numa investigação mais criteriosa, mais útil, e mais emancipadora do ponto de vista das suas consequências e impactos”

(Ezzy, 2002: 34).

Se, há algum tempo atrás, rigor e ética eram considerados separadamente, com a influência do pós-modernismo, das teorias feministas e da hermenêutica, tornou-se cada vez mais claro que todo a produção rigorosa de conhecimento envolve intrinsecamente implicações éticas. Ou seja, o rigor em processos investigativos inclui uma conduta ética como parte dos critérios essenciais para que se desenvolva uma investigação rigorosa (Ezzy, 2002; Piper & Simons, 2005).

O princípio da participação voluntária na investigação e o dever de informar potenciais participantes, desejavelmente com antecedência para que pudessem decidir

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de forma adequada sobre a sua participação, esteve na base do planeamento e da condução deste projecto de investigação em todos os procedimentos metodológicos usados (Hopf, 2004: 336). A opção por realizar algumas entrevistas exploratórias no início deste projecto pretendeu dar conta de alguns princípios éticos, os quais serviram nomeadamente para compreender a abordagem e a linguagem mais adequadas e os tópicos a desenvolver com os diversos grupos de participantes deste estudo (Piper & Simons, 2005).

Embora alguns autores defendam que é mais difícil atender aos princípios do anonimato e da confidencialidade em projectos de natureza qualitativa do que em projectos de natureza quantitativa, neste trabalho procurou-se tê-los em conta, sendo que nas entrevistas, nos grupos de discussão focalizada e na narrativa a identidade dos participantes e das suas organizações é anónima e os contextos principais em que se movem, nomeadamente regiões, hospitais, escolas e associações também não constam (Hopf, 2004: 338). Tratou-se, portanto, de garantir aos participantes do estudo alguma protecção da sua privacidade. Neste sentido, todos os participantes foram interrogados no que concerne à sua disponibilidade e grau de concordância para participar no estudo, o que esteve na base de um conhecimento informado e do direito a um controlo de informação pessoal (Piper & Simons, 2005: 56). No caso das entrevistas, dos grupos de discussão focalizada, da narrativa e dos inquéritos por questionário, pode afirmar-se que todos tiveram com o consentimento informado dos participantes, tendo estes conhecimento antecipado dos objectivos da aplicação do método e do âmbito em que o mesma se inseria, designadamente num projecto de investigação.

Fontana e Frey (1994: 372) defendem algumas considerações éticas em qualquer processo de recolha de dados através da realização de entrevistas, nomeadamente o consentimento informado, o direito à privacidade e à protecção. Neste sentido, para que o registo das respostas dos participantes neste estudo fosse facilitado, as entrevistas foram gravadas em formato áudio com a devida autorização dos entrevistados. Foi garantido a todos os entrevistados anonimato e confidencialidade, quer no que respeita às suas identidades, quer no que concerne às instituições, serviços e pessoas que referenciaram em situação de entrevista. Esta foi uma opção que favoreceu um maior envolvimento com os entrevistados, por um lado, permitindo, por outro, clarificar algumas respostas ou comentários que iam surgindo ao longo da entrevista (Creswell, 1998; Cohen, Manion & Morrison, 2000).

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Particularmente no caso das crianças envolvidas, designadamente nos grupos de discussão focalizada, houve uma preocupação acrescida, não apenas de informar os seus pais, mães ou encarregados de educação no sentido de requerer a sua autorização para que os seus encarregandos pudessem participar no estudo, mas também de auscultar as próprias crianças, explicando os objectivos, as condições e as implicações do estudo e da sua participação. De notar que uma das famílias envolvidas desde o início deste projecto que havia manifestado interesse em participar na construção da sua narrativa familiar recuou exactamente pela hesitação mostrada pela criança com doença crónica. Esta família estava, de facto, muito envolvida e tendia a reafirmar a sua vontade em participar na narrativa. Contudo, esta questão foi negociada e, através de um processo de diálogo intensivo, foi proposto à família que continuasse a acompanhar o desenvolvimento do estudo, mas não sujeitasse a criança a eventuais situações de desconforto inerentes à sua participação na construção da narrativa. Este processo de aparente retrocesso na investigação revelou-se de extrema importância para reanalisar o lugar das crianças enquanto actores sociais e parceiros em processos de investigação (Christensen & Prout, 2002).

Foi garantido aos participantes que toda a informação por eles cedida serviria apenas para fins de investigação. Todavia, e reconhecendo o interesse da disseminação dos dados resultantes deste trabalho de investigação para eventuais reflexões públicas e (trans)formações sociais e políticas, considera-se que a forma de apresentação dos mesmos deve espelhar a realidade da vivência com e sobre doença crónica em Portugal, nos diversos contextos e dimensões relacionados (Hopf, 2004: 339).

Aos envolvidos na investigação endereçaram-se os dados recolhidos neste estudo, sendo com estes partilhadas as interpretações daí emergentes com o devido respeito e cordialidade. Tal procurou ser uma demonstração de reconhecimento pelas interpretações potencialmente diferentes e pelo direito a uma voz equitativa e justa (Piper & Simons, 2005: 57). Por outro lado, o facto da análise dos dados (transcrições de entrevistas, análises de conteúdo, introdução de dados dos inquéritos por questionário, etc.) ter-se desenvolvido a par da recolha de outros (realização de entrevistas com diversos actores, realização dos grupos de discussão focalizada, etc.) e vice-versa permitiu uma compreensão mais profunda dos próprios dados e das experiências e abordagens relativas à relação com os participantes (Ezzy, 2002).

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A todos com os quais foi possível estabelecer um contacto mais próximo, desenvolvido a partir de situações de entrevistas, grupos de discussão focalizada ou narrativas, nomeadamente pais, mães, crianças, jovens, profissionais de saúde e de educação, líderes e membros associativos, estes dados foram devolvidos de forma pessoal e directa. Àqueles com quem o contacto implicou intermediários e, particularmente no caso dos respondentes aos inquéritos por questionário que foi possível através da autorização de centros hospitalares, os dados foram devolvidos às instituições envolvidas. A devolução dos dados aconteceu ao longo do processo de análise dos mesmos e numa fase posterior para que fosse possível uma participação efectiva dos envolvidos. Os feedbacks dos participantes foram essenciais para uma produção de sentidos co-construída (Piper & Simons, 2005: 57). O dar conta da evolução da investigação e dos dados que foram sendo recolhidos através das várias opções metodológicas permitiu, por um lado, motivar a colaboração dos participantes e, por outro, informá-los e criar condições para uma reflexão partilhada, ora entre práticas e discursos, ora entre conhecimento empírico e conhecimento científico.

Seguem-se três estudos, cujos objectivos e metodologias os distinguem entre si, muito embora sirvam para aprimorar a incompletude inerente a um conhecimento mais profundo e abrangente da vivência com doença crónica. O primeiro estudo dá conta da vivência e da qualidade de vida escolar de crianças e jovens com doença crónica, reflectindo sobre as implicações sentidas por estes e por suas famílias nos seus contextos de vida. Neste estudo são realizadas entrevitas e grupos de discussão focalizada com famílias, profissionais de Educação e de Saúde, líderes e membros associativos, crianças e jovens. O segundo estudo explora de forma mais profunda a vivência da doença crónica no contexto familiar, contando, para tal, com o envolvimento de uma família na construção de uma narrativa. Esta metodologia permite conhecer as experiências, as estratégias e as dificuldades desta família na gestão diária com doença crónica. O terceiro estudo remete para a análise dos preditores do bem-estar e da qualidade de vida de crianças e jovens com doença crónica e suas famílias. É utilizado, para o efeito, um inquérito por questionário que contempla dimensões como a autonomia, a integração escolar, o bem-estar, o suporte aos direitos e o empoderamento.

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Capítulo IV: 1º Estudo – Vivência e qualidade de vida escolar de crianças e

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