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Vivência com doença crónica – uma experiência partilhada?

“O impacto da doença crónica ou da incapacidade é de longo alcance, estendendo-se além do indivíduo a todos aqueles com quem este tem contacto. A doença crónica ou a incapacidade afecta todas as facetas da vida, incluindo as relações sociais e familiares, o bem-estar económico, as tarefas

quotidianas, e as actividades recreativas e profissionais”

(Falvo, 2005: 1)

A experiência de vida pautada pela doença crónica pode condicionar, em alguns casos severamente, o desenvolvimento dos que a portam (Boekaerts & Roder, 1999; Shaw & McCabe, 2008). Contudo, não são apenas esses os que de forma directa vivem e convivem com as manifestações e os efeitos da doença. Outros têm também lugar nesta discussão, estando, necessariamente, implicados na promoção de condições de bem-estar, integração, participação e empoderamento nas suas vidas. E é reconhecendo a necessidade de equilibrar a dimensão subjectiva com a dimensão contextual que uma das dimensões transversais deste trabalho se centra na perspectiva ecológica de Bronfenbrenner (1979). De facto, como explicam Rosnow & Georgoudi (1986: 4):

“a actividade humana não se desenvolve num vácuo social, mas está antes rigorosamente situada num contexto sócio-histórico e cultural de significados e relações. Tal como uma mensagem só faz sentido em termos do contexto total em que ocorre, as acções humanas estão embebidas no contexto do tempo espaço, cultura e de regras tácitas locais de conduta”.

Estudos descritos por Bronfenbrenner, nomeadamente no que toca ao desenvolvimento de crianças e às estratégias desenvolvidas pelas suas famílias, revelam que a combinação das dimensões biológicas e contextuais pode potenciar respostas mais

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ou menos preventivas e/ou promotoras de bem-estar, sucesso e saúde em diversos domínios de vida (Bronfenbrenner, 1989: 197-199). O contributo para uma gestão autónoma e para uma participação activa serão, igualmente, aspectos a ter em conta nesta abordagem ecológica. Veja-se que, no que respeita ao exercício de cidadania e de direitos,

“as atitudes dos mais novos em termos de cidadania activa são influenciadas, quer pelas escolas, quer por muitos outros factores além da escola: pela família, pelo ambiente próximo, pelos media e pelos exemplos apresentados na vida pública”

(Kerr, 1999: 281).

De facto, a família, a escola, o hospital, bem como outros contextos socializadores, adquirem extrema relevância no quotidiano de crianças e jovens que, além dos desafios convencionais, se confrontam com experiências de vida e de saúde às quais têm, necessariamente, que dar respostas. Adicionalmente, explica Altschuler (1997: 36), que tratar uma doença significa que pessoas de diferentes áreas/disciplinas têm que trabalhar conjuntamente em situações de vida e morte, baseando as suas relações em confiança e cooperação. Não há dúvidas que a multiplicidade de contextos e a teia de relações, vivências e agentes que se entrecruzam adquire um lugar de destaque na análise e na compreensão das dificuldades e das estratégias que as pessoas com doença crónica desenvolvem (Pais, no prelo). A indissociabilidade de contextos interfere, efectivamente, na vivência dos indivíduos e condiciona a (melhoria da) sua qualidade de vida (Bronfenbrenner, 1979; Ferguson, 2002). Como refere Fischer (2000: 195), todos estes contextos em que se movem os indivíduos atravessam códigos sociais e culturais, podendo considerar-se, assim, que “o espaço é um lugar onde se constroem socialmente significados que condicionam a nossa vida e, ao mesmo tempo, são condicionados por ela”.

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O contexto familiar

“A causa do problema do doente torna-se um membro da família;

o diagnóstico traduz todo o tipo de implicações não

apenas ao próprio mas aos seus familiares”

(Novas & Rose, 2000: 490)

Reconhecendo a tendência para enfatizar o papel do indivíduo e da esfera privada na sua integração e qualidade de vida, destaca-se com alguma evidência o envolvimento da família neste processo de adaptação (Pais & Menezes, 2011). Desde logo, considerado um contexto de socialização primária (Bronfenbrenner; 1979), a família é unanimemente caracterizada uma das dimensões centrais na experiência de vida com doença crónica (Meneses, 2007). A família tem um impacto muito significativo na determinação das crenças e das expectativas sobre a saúde e a doença, nomeadamente no que toca a definir sintomas, a relatar episódios da doença, a organizá- la e a perspectivá-la. Por outro lado, a família exerce, igualmente, um papel relevante no que se refere a saber o que dizer relativamente ao bem-estar físico, às decisões e às percepções face a tratamentos e a outros cuidados de saúde (Altschuler, 1997: 2). É, efectivamente, no universo familiar que a gestão da doença crónica, nomeadamente a identificação e a consequente adaptação de fases de crise para fases de não-crise (e vice- versa), acontece de forma intensa e incontornável (Altschuler, 1997; Meneses, 2007). Apesar do lugar de destaque que este grupo social ocupa na maior parte dos estudos sobre doença crónica, e reconhecendo, paralelamente, que o número de crianças com doença crónica tem vindo a aumentar (Gibson, 1995), denota-se ainda que poucas são as investigações que incidem com particular atenção na experiência vivenciada pela família. Outros ainda optam por inclui-la numa óptica paternalista e, portanto, situando- a num registo de passividade (Barlow & Ellard, 2005: 638).

Os progressos do ponto de vista dos cuidados de saúde e a introdução de políticas focadas no suporte da comunidade têm aumentado o número de pessoas com doenças crónicas aos cuidados das suas próprias famílias. Apesar disso, o apoio das

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famílias é limitado (Altschuler, 1997: 57). A resposta que cada família encontra para a gestão da doença é condicionada por inúmeras variáveis, incluindo os recursos pessoais, a especificidade da doença e o tratamento que implica, a intensidade do envolvimento com os profissionais próximos e o funcionamento/historial familiar passado e presente. Repare-se que os dilemas colocados pela doença tendem vividos em família e a gestão das in/certezas e das expectativas torna-se, por isso, partilhada e única em si mesma. Como lidar com a imprevisibilidade durante um longo período de tempo, como manter uma identidade que não contempla totalmente a doença nem é completamente consumida por ela, como negociar repetidos papéis e ajustes, são alguns dos dilemas experienciados (Altschuler, 1997; Barlow & Ellard, 2005).

De facto, quando debruçada sobre o papel da família, a literatura revela o carácter imprevisível e incompleto inerente ao diagnóstico inicial da doença na criança ou adolescente (Anderson, Loughlin, Goldberg & Laffel, 2001). Esta tende a caracterizar-se pela indefinição associada aos primeiros sintomas de manifestação da doença e despiste da mesma. Paralelamente, e ainda que em alguns casos possam estar controlados sintomas como a dor, a doença crónica pode comprometer a actividade usual dos seus portadores levando à disrupção da sua qualidade de vida (Shaw & MacCabe, 2008). Tal facto verifica-se, seja por factores associados às características da situação de saúde, seja por factores associados aos contextos de vida e à sua escassa permeabilidade à inclusão dos “diferentes”, ou daqueles para os quais faz sentido tratamento diferenciado (Boekaerts & Roder, 1999).

A adaptação é, neste sentido, uma dimensão incontornável na abordagem à vivência com doença crónica, relacionando-se intimamente com os ajustes dos indivíduos aos diversos contextos em que actuam e se (en)volvem, tendo em conta as especificidades características da sua doença crónica (Stanton, Revenson & Howard, 2007). É, seguramente, a adaptação aos domínios físico, funcional, social e emocional por parte dos indivíduos portadores de doença crónica, mas também outros que com eles

vivenciam, um dos factores mais preponderantes na determinação da sua qualidade de vida (Gibson, 1995; Shapiro, 2002). A alteração das rotinas da família, bem como o carácter de imprevisibilidade característico de fases iniciais, têm uma influência evidente no equilíbrio psicológico e emocional, que é transversal a todos os familiares (Ferguson, 2002; Queiroz, 2002; Meneses, 2007; Viana, Barbosa & Guimarães, 2007). Nesse sentido, e porque é fundamental dar resposta às exigências (im)postas pela

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doença, cabe, como acontece com frequência, à família, em larga medida, a responsabilidade de encontrar as estratégias mais adequadas para as mesmas (Sawyer et

al., 2005). A procura por informação, a necessidade de equipamentos específicos, os

constrangimentos de natureza económica e laboral constituem, diversas vezes, desafios que as famílias gerem internamente (Evans, 2004; Grootenhuis, Koopman, Verrips, Vogels & Last, 2008). Um dos cenários ilustrativos de algumas tensões e de situações de incompatibilidade entre os ritmos de saúde e os ritmos laborais remete para o receio dos próprios, pais e/ou cuidadores perderem o emprego (Altschuler, 1997; Smith et al., 2002).

Trata-se, por isso, de admitir que o papel da família deve ser entendido a par do apoio e da prestação de cuidados conferidos aos profissionais desta área. Salienta Altschuler (1997) que trabalhar com famílias que enfrentam a doença crónica baseia-se, por um lado, no reconhecimento de alguma(s) área(s) da vida em que são competentes e, por outro, na convicção de que tais experiências podem ser mobilizadas para contornar as adversidades emergentes de estados de saúde impostos pela doença. No entanto, a doença pode impor, como também explica este autor (1997: 57), “um desequilíbrio no sistema de prestação de cuidados”. Isto é, pode considerar-se que funcionam dois sistemas lado a lado, “um de forma organizada em torno de questões de desenvolvimento e outro em torno da prestação de cuidados a partir das demandas da condição de saúde”. Tal pode culminar num desequilíbrio susceptível de limitar a legitimidade da acção das famílias. É esta uma questão de poder assimétrico capaz de inibir, quer a voz de membros saudáveis, quer a voz de membros com doença, numa mesma família (Altschuler, 1997). Reconhece-se, ainda assim, que com os mecanismos possíveis, à medida que a doença progride, os membros da família se confrontam com novos desafios, procurando equilibrar esperança e aceitação. É neste processo contínuo e incontornável que se fazem balanços das implicações da doença, entre perdas e ganhos (Ferguson, 2002; Queiroz, 2002).

De facto, é inevitável admitir que existe uma forte tendência para um reconhecimento exacerbado do papel da família e dos cuidadores próximos na gestão de questões de saúde, responsabilizando-a pela situação que vivencia (Pais & Menezes, in press). Contudo, como anteriormente se referiu, é usual que a família não disponha de recursos e condições que lhe permitam operacionalizar adequadamente mecanismos para exercer os seus direitos. Como explica Lister (2007), uma cidadania inclusiva

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requer que se distribuam recursos e se garanta a independência, a voz e padrões institucionalizados de valor cultural que expressem o respeito igual para todos e assegurem a igualdade de oportunidades para a realização social e a estima dos indivíduos.

Nesta linha de pensamento, sugere Altschuler (1997) que o suporte à família por parte dos profissionais e de outros que lhe sejam próximos contemple as suas necessidades de adaptação face a eventuais surpresas e perdas. Deve, por outro lado, reforçar uma boa comunicação entre todos os seus membros, implicando partilha de informações sobre a doença de forma clara a atempada e prevendo o estabelecimento de um processo de escuta activa assente em relações de confiança. Por fim, admite-se também que os profissionais e demais agentes de proximidade da família respeitem a capacidade e as estratégias desenvolvidas por esta para lidar com os desafios da doença. O respeito pelo conhecimento adquirido sobre as implicações da doença insere-se neste ponto, bem como uma resposta positiva face à forma da família garantir que esta está controlada ou bem gerida (Altschuler, 1997: 194).

O contexto escolar

[A escola deve ser vista] “como um contexto no qual as crianças podem

ser bem sucedidas, experienciar a amizade e distrair-se da doença.

Contudo, o sucesso da sua inclusão depende do

suporte adequado que estas crianças recebem”

(Mukherjee et al., 2001:22)

Lansdown (2002) explica que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem vindo a ser preterida no cenário escolar e educativo, quer em termos de integração e sucesso escolar, quer em termos de desenvolvimento e de construção pessoal e social dos alunos. A mudança de prioridades, a necessidade de escutar a voz das crianças e dos jovens e a promoção de discursos plurais e alternativos são algumas das sugestões que

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Landsdown (2002) apresenta para alterar o paradigma que tem tornado a escola (apenas) sinónimo de educação. Reservando algum espaço para a reflexão sobre a definição da educação e o lugar que ocupa no quotidiano das crianças e jovens, conclui-se que à escola cabem outras responsabilidades para além da instrução, entre as quais a construção de um projecto social que acentua a relevância da formação pessoal e social (Delors et al, 1996).

No contexto escolar, as crianças e os jovens com doença crónica, bem como os seus familiares e outros que lhes são próximos, desenvolvem estratégias nomeadamente em torno das pré-concepções e dos estereótipos sociais existentes (Shapiro, 2002, Barlow & Ellard, 2004). Deste modo, a escola é, à semelhança de outros, um lugar de desafios e de conquistas, que propicia vivências singulares para todos os que a frequentam e nos quais se incluem, evidentemente, as crianças/jovens com doença crónica (Clay et al., 2004). Para estas crianças e jovens, a escola poderá implicar outras necessidades, outros riscos e outras exigências (Jorge et al., 1983; Thies, 1999). Apesar de não haver comprometimento intelectual, na maior parte dos casos de doença crónica, denotam-se algumas preocupações que remetem para a importância de reintegrar os estudantes na actividade da escola, após realizado o diagnóstico (Sexson & Madan- Swain, 1995; Shaw & McCabe, 2008). A literatura mostra que é importante solicitar a participação dos agentes educativos, designadamente a coordenação escolar, de modo a serem previstas intervenções orientadas para a maximização de esforços que facilitem o desenvolvimento educacional e social destes estudantes (Sexson & Madan-Swain, 1995; Vieira & Lima, 2002).

Os profissionais de Educação adquirem, neste âmbito, um papel essencial, sobretudo quando convocados a conhecer e a trabalhar de acordo com as especificidades dos alunos com doença crónica que ensinam (Vieira & Lima, 2002; Clay et al., 2004). A este propósito, Cortesão (2001: 53) explica que “não é generalizada a consciência dos efeitos frequentemente negativos que se ocultam por detrás das práticas homogeneizantes a que se recorre na generalidade das escolas, práticas essas que consistem em que lidar com muitos alunos como se de um só se tratasse”. No entanto, esta preocupação não se esgota no contributo dos professores, mas de todos os que, directa e indirectamente, se relacionam e interferem na vivência escolar destas crianças e jovens (Menke, 1987; Thies, 1999). De acordo com Shaw e McCabe (2008), na ausência de um trabalho de equipa, baseado em relações colaborativas, cujas actividades

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são devidamente planeadas e adaptadas às especificidades destas crianças e jovens, a escola pode facilmente ser associada a um cenário de insucesso social e académico. E, efectivamente, alguns estudos revelam que crianças e jovens com doença crónica reportam maior vulnerabilidade nas relações entre pares e nos resultados académicos (Sexson & Madan-Swain, 1995; Boekaerts & Roder, 1999; Shaw & McCabe, 2008). De facto, estes estudos mostram que as crianças com doença crónica experienciam mais frequentemente rejeição por parte dos seus pares e têm mais dias de absentismo escolar. Tais dados remetem, entre outros aspectos relacionados com os domínios físico e psicológico, com o absentismo escolar (im)posto pela doença, designadamente na regularidade das consultas e, em certos casos, em situação de internamento (Shaw & McCabe, 2008).

Nesta linha de pensamento e retomando a discussão sobre as especificidades da doença crónica e o interesse em objectivar a sua definição comparativamente à da incapacidade (Wendell, 1996), constata-se alguma desinformação acerca da forma como se distinguem. Veja-se, a esse propósito, o enquadramento que é dado às doença crónicas, designadamente em meio escolar. O que, implicitamente, se verifica é a classificação (difusa) atribuída a crianças e jovens com doenças crónicas que, tantas vezes, acontece com base na Classificação Internacional de Funcionalidade (ICF, com a devida tradução para a Língua Portuguesa: CIF).

Rune Simeonsson (2000, 2002, 2003ª, 2003b, 2003c, 2009), nome incontornável no que toca à temática da incapacidade, sobretudo quando relacionada com crianças e jovens, explica a emergência da ICIDH (Internacional Classification of Impairments,

Disabilities and Handicaps) descrevendo-a como “um sistema inicial de classificação

das consequências da doença manifestada na relaçao com a função ou a estutura de um corpo com deficiência, reduzindo-lhe a capacidade de actuar e relacionado com situações de fragilidade no desempenho de papéis sociais” (Simeonsson, 2009: 2014). Apresenta o autor (2009) a ICIDH afirmando tratar-se de uma classificação compreensiva de saúde e de funcionalidade que está integrada na família das classificações internacionais da WHO11. Contudo, a ICIDH, que data de 1980, “apesar de ter contribuído para a conscientização sobre a importância de distinguir a doença das suas consequências sob a forma de incapacidade, foi sempre tida como um documento

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experimental, nunca sendo amplamente adoptada como um instrumento de classificação” (Simeonsson et al, 2003: 602).

A revisão da ICIDH baseou-se, entre outras, numa perspectiva política, podendo ser encarada como uma necessidade de reflectir sobre a mudança de paradigma da incapacidade, passando de um quadro médico para uma dimensão social da incapacidade (Simeonsson, Lollar, Hollowell, Adams, 2000). Foi, então, desenvolvida a CIF, a qual assenta no desenho da ICIDH, mas apresenta um modelo de incapacidade mais interactivo. A CIF é, então, a única classificação da saúde e da funcionalidade que é conceptualizada em termos de códigos neutrais que estão incluidos em quatro dimensões basilares (Simeonsson, 2009). São elas: as funções do corpo, a estrutura do corpo, a actividade e a participação e os factores ambientais. Desde a sua publicaçao, a CIF tem sido adoptada na saúde e em áreas com esta relacionadas. Simeonsson (2009) acrescenta que a CIF-CY (Classificação Internacional de Funcionalidade - Crianças e Jovens) (WHO, 2007) derivou da CIF, tendo por isso, natureza e organização semelhantes no que toca aos domínios anteriormente mencionados. No entanto, traduz expansão em termos de conteúdo e denota aumento da especificidade de detalhes focados nos aspectos desenvolvimentais nos domínios da função e da estrutura do corpo, das actividades e participação mostrados por crianças e jovens (Bjorck-Akesson,

et al., 2010). Nesta sequência, novos códigos foram adicionados à CIF-CY. “A CIF-CY

fornece uma classificação de incapacidade quando a sua aplicação é feita em função de problemas estruturais ou funcionais verificados ao nível do corpo da pessoa através de uma medida universal” (Simeonsson, 2009: 1015).

De forma unânime, considera-se que o desenvolvimento da CIF, pela Organização Mundial de Saúde, surgiu pela necessidade de classificar as consequências das condições de saúde. Mais do que isso, admite-se que cruza noções de um modelo médico e de um modelo social, de forma a enfatizar uma compreensão biopsicosocial da incapacidade. Tem, por isso, em conta, a importância da comunicação, da participação e do contexto de interacção onde as crianças e os jovens com incapacidade se movem. O ambiente pode ser e é, de facto, facilitador ou obstaculizador da funcionalidade humana (Simeonsson, 2003: 57). Como admite Simeonsson (2003), não se pretende que a CIF seja uma forma de classificar as pessoas, mas de classificar as características de saúde da população no seio do contexto das suas situações individuais de vida. É, nesse sentido, “a interacção das características de saúde e dos factores contextuais que produz

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incapacidade” (Simeonsson, 2003:6). Simeonsson et al. (2009: 609) concluem, assim, que este instrumento salienta os direitos que devem estar assegurados às crianças e aos jovens com incapacidade, considerando, por isso, que a “publicação da CIF seguiu a Convenção sobre os Direitos da Criança por mais de uma década”.

Wade & Halligan (2003) consideram a CIF útil, mas não suficiente para descrever a situação de pessoas com doença crónica. Alertam, tal como Peterson (2005) para o facto da intenção inerente à CIF nunca ter sido explicar a etiologia da doença, pelo contrário, recordam que a CIF foi desenhada para classificar funcionalmente as consequências de condições de saúde. Outros autores, como Ewert et al. (2004) e Weigl, Cieza, Andersen, Kollerits, Amann e Stucki (2004) rebatem esta ideia, admitindo que a CIF permite identificar e descrever alguns problemas comuns de pacientes em condições crónicas. Seja como for, a CIF é, em algumas situações, utilizada por profissionais de Educação, com vista a reclamar apoio suplementar para estes alunos. Em muitos outros casos, não chega sequer a ser um recurso. Tratar-se-á, como conclui Simeonsson (2003: 3) a propósito da intervenção precoce nos países desenvolvidos, “de reconhecer e formalizar os direitos de crianças com incapacidade; questionando e alterando paradigmas em torno do desenvolvimento e da incapacidade; e revelando as evidências que suportam os benefícios da intervenção precoce para crianças com problemas de desenvolvimento ou incapacidade”. Desta feita, reforça-se, uma vez mais, a existência de um universo pleno de subjectividade em torno de doenças que, ora são visíveis, ora parecem ser invisíveis. De notar, que esta invisibilidade, não raras vezes, traduz situações (ainda que camufladas) de estigmatização e marginalização (Falvo, 2005:14).

Por outro lado, tem vindo a reconhecer-se o vazio deixado face à emergência

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