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ATIVIDADES NA BAHIA: CANTARIA LOCAL E IMPORTADA

4.3 ARQUITETURA RELIGIOSA

Em termos gerais, no Brasil, a cantaria foi usada em elementos de modenatura para dar mais requinte e nobreza aos edifícios, mesmo se eles não fossem todos em pedra. O elemento lítico é material considerado importante, também, por ser de alta durabilidade. Como dito anteriormente, aqui no Brasil, foi sempre utilizado em obras de importância e relevo, como templos religiosos, edifícios governamentais, militares e civis formando parte considerável do patrimônio arquitetônico nacional. Também na arquitetura religiosa, eram acrescentadas, à construção, portadas, volutas, brasões (do proprietário ou organização), pisos, esculturas, cornijas ou cimalhas, frisos que marcavam a diferenciação e, muitas vezes, a identificação da edificação. A fachada da Ordem Terceira de São Francisco foi construída toda de arenito em cimentação calcífera, segundo análise do NTPR da UFBA. A propagação de seu uso está documentada, também, em inúmeras cercaduras de portas e janelas do Centro Histórico de Salvador (Figuras 48 a 51).

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ANDRADE, Rodrigo M. F. de. Rodrigo e seus tempos: coletânea de textos sobre arte e letras. Brasíloa: Ministério da Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1986; Rodrigo e o SPHAN: coletânea de textos sobre patrimônio cultural. Brasília: Ministério da Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1987.

Figura 48 – Portal da Ordem Terceira do São Francisco

Figura 49 – Portal do muro do antigo Seminário de Santa Teresa

Fonte: Duval (1928, p.57). Fonte: Duval (1928, p. 148).

Figura 50 – Portal da Sé Figura 51 – Porta lateral da Sé

Fonte: Duval (1928, p.153). Fonte: Duval (1928, p.158).

Além do arenito, rochas calcáreas mostram-se presente, não só nos elementos decorativos das igrejas, como em suas fachadas. Na Bahia, temos somente dois exemplares totalmente em pedra, que são a Igreja de N. Sra. da Conceição da Praia e a Catedral Basílica.

 N. Sra da Conceição da Praia

No lugar onde se acha, atualmente, a Igreja da N. Sra da Conceição da Praia existia, em 1623, uma capela particular de propriedade da família Cavalcante de Albuquerque. Em 1623, teve lugar nova freguesia, e a capela foi doada para servir de matriz da nova freguesia. Nos documentos encontrados por Marieta Alves, ela chama a atenção que, entre os anos de 1718 e 1724, foi paga ao dourador An.to Br.an a quantia de 440$000, considerada como uma grande despesa para o douramento do frontispício da igreja, assim está escrito no documento107. Geralmente, a aplicação da lâmina de ouro na cantaria acontecia, principalmente, nas áreas da capela-mor, arco-cruzeiro e sacristia. Essa técnica foi usada, também, em conventos franciscanos, no Nordeste conforme referência feita pelo professor Tulio Vasconcelos Cordeiro de Almeida em seu estudo, de 2016, A cantaria

policromada dos conventos Franciscanos do Nordeste brasileiro nos séculos XVII e XVIII.

Sabe-se que, em 1724, a igreja recebia uma ajuda do Reino “de mantimento na vigararia” 108

. Em 1736, foi resolvida a sua demolição para a edificação da nova matriz109. O bairro já havia crescido e enriquecido, e a irmandade do S. S. Sacramento se estabeleceu. A igreja passou a ser pequena, justificando a necessidade de uma igreja maior e mais imponente. Em 1742, a paróquia, “que se está fabricando de novo”, vai doar um retábulo à Igreja de Nossa Senhora do Ó de Paripe, que se encontrava em extrema carência, consequência da pobreza dos seus poucos fregueses110.

Para a construção da nova igreja, não se mediu esforços. As pedras que compõem a fachada da Igreja da N. Sra da Conceição da Praia são inteiramente

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APEB Seção Arquivos Privados: Acervo Marieta Alves, Pasta 34 da Biblioteca Nacional: em pesquisa realizada pela autora em maio 1954. Notícia da Irmandade de N. Sra. Da Conceição da Praia e seu desenvolvimento escrita pelo Irmão José da Silva Basto. No manuscrito (Documentos II – 33. 26, 13) “Memória e mais papéis pertencentes às Irmandes do S.S.Sacram.to e de N.Sra. da Conceição da Praia da Bahia.” “Memória” escrita pelo Irmão João José Lopes Braga em 1847, encontra-se outra Notícia da Irmandade de N. Sra. Da Conceição da Praia e seu desenvolvimento escrita pelo Irmão José da Silva Basto.

108

AHU. Arquivo Projeto Resgate-Bahia. Avulsos. AHU_ACL_CU_005, Cx. 19, Doc. 1677. Requerimento do padre Custódio Rodrigues Landim ao rei [D. João V] solicitando alvará de mantimento na vigararia de Nossa Senhora da Conceição da Praia da cidade da Bahia, 11 de abril de 1724.

109

APEB. Sessão de Arquivo Colonial e Provincial nº5241. Notícias das Igrejas da Capital da Bahia 1852-1888.

110

APEB Seção Arquivos Privados, Acervo Marieta Alves, Pasta 34 referente ao Documento II, 33, 22, 34.

feitas em cantaria de pedra de lioz vindas de Lisboa. Lá elas foram cortadas, aparelhadas e numeradas111 para sua colocação in loco, seguindo projeto do tenente coronel Engenheiro Manoel Cardozo de Saldanha. Em suas pesquisas na Biblioteca Nacional, Marieta Alves vai encontrar a “Memória” escrita pelo irmão João José Lopes Braga além de outros papéis pertencentes às Irmandades do S. S. Sacramento e de Nossa Senhora da Conceição da Praia112:

Informa o autor da ‘Memória’ que toda a pedra foi conduzida, graciosamente, nos navios da carreira, izenta de direitos em Lisboa e em Salvador por graça régia. Muitas pedras conduzidas do Arsenal do navio para o local das obras, pela tripulação dos navios, por devoção.

Após a obra projetada, nomearam em Lisboa procurador e consignatário Antônio Alves dos Reys, a quem foi enviada uma via do risco e planta e a autorização para providenciar um mestre arquiteto hábil capaz de executar essa obra e um mestre canteiro para lavrar as pedras, preparadas nos telheiros no Paço de Arcos de Lisboa e remeter toda a pedra necessária para Salvador. Foi contratado, por escritura pública, o mestre canteiro Manoel Vicente para executar esse serviço. Coube ao mestre pedreiro Eugênio da Motta vir à Bahia para dirigir a construção. A ele foi pago, pela irmandade, 1.200 réis por cada dia de trabalho, mais 96$000 para despesa de sua vinda e a mesma quantia para o seu regresso113.

Toda a capela-mor, inclusive o ladrilho que veio de Lisboa no ano de 1788, foi construída com a ajuda de esmolas dos paroquianos, fiéis e rendimentos da irmandade. Em 1724, foi pago 668$999 ao pedreiro José Moreira pelas obras do adro. Somente em 1820, fizeram o acabamento restante das obras da torre e as duas extremidades do adro, ficando por ser concluída sua escadaria. Até esse ano, o custo das pedras foi de 79:081$579.

Ainda em 1844, todo o piso da igreja, exceto o da capela-mor, era dividido em linhas de pedra, formando sepulturas com campas de madeira. O pavimento da igreja foi ladrilhado depois da construção do cemitério, no mesmo ano de 1844, em

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OTT, Carlos. Atividade artística nas Igrejas do Pilar e de Sant´Ana da Cidade do Salvador. Salvador: Publicações da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, 1979. v.1, p.112.

112

APEB. Seção Arquivos Privados, Acervo Marieta Alves, Pasta 34 referente ao Documento II- 33- 26,13.

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BIBLIOTECA NACIONAL. HEMEROTECA DIGITAL. O Noticiador Catholico (1849-1855). 52, Edição 00205 (2)..

terreno aberto do lado norte da Matriz114. Em 1853, inicia-se o assentamento do ladrilho do pavimento da Capela-mor (das grades para dentro), composto de 1.020 pedras distintas, contendo 56 sepulturas fechadas em 112 lajes seguindo belo desenho.115 Hoje em dia, essas sepulturas são demarcadas não mais por tampas de madeira e, sim, por pedra lioz nos tons cinza, encarnadão, bege e preto de Mem Martins. Foi constatada a existência de uma única lápide, em frente ao altar-mor, onde consta o nome do Monsenhor Manoel de Aquino Barbosa.

Figura 52 – Demarcação das lápides, em pedra lioz embrechada, e lápide do Monsenhor Manoel de Aquino Barbosa (Igreja N.S. da Conceição da Praia)

Fonte: Acervo da autora (2017).

O adro foi terminado em 1847, e o primeiro risco foi do engenheiro André Przewodoski, mas foi aprimorado por Francisco Lavigne, que concluiu o trabalho.

Em 12 de abril de 1890, foi encomendado o altar de mármore na cidade de Carrara, Itália, para a capela-mor desta Matriz. Foram pagos 800 contos de réis à Sociedade General Mercantil. O altar segue a planta traçada pelo irmão João

114

BARBOSA, Mons. Manoel de Aquino. Efemérides da Freguezia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, op. cit., v. I, p.76. Em 1864, por escritura pública, o cemitério da Conceição foi construído na Quinta dos Lázaros, e passa a pertencer às Irmandades do S.S. Sacramento e N.S. da Conceição (p.93).

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Baptista Pereira Simões116 e foi colocado em frente à base em lioz da talha do altar (Figuras 53 e 54).

Figura 53 – Altar-mor: vista lateral

Figura 54 – Altar-mor da igreja

Fonte: Acervo da autora (2017).

Em 1866, no pátio interno, situado ao lado direito da igreja, no local da antiga cisterna, foi erguido um chafariz, todo em mármore, vindo de Lisboa.

 Igreja da Sé

Esta era a principal igreja de Salvador, a Sé Primacial do Brasil, que era voltada para o mar e foi construída muito próxima à encosta. Era um grande templo, de uma só nave, com 10 capelas laterais, “a do Sacramento notável pela sua riqueza e mais dois altares faziam face a capela-mor, cujo presbyteriu é do melhor mármore em diversas cores, circulando todo o interior do mesmo templo uma cimalha de cantaria”117

. A propósito da cantaria de sua fachada, Vilhena escreve: “era a sua frontaria toda de pedra do país, lavrada e ornada de colunas retorcidas, com duas esbeltas e elevadas torres, todas da mesma pedra, situada no cimo da

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BARBOSA, Mons. Manoel de Aquino. Efemérides da Freguezia..., op. cit., p. 132. A inauguração solene do novo altar da capela-mor aconteceu no dia 19 de abril de 1891, quando foi aberta, também, uma pequena cúpula no altar, conforme relata o autor (p.134).

117

APEB. Sessão de Arquivo Colonial e Provincial nº5241. Notícias das Igrejas da capital da Bahia 1852-1888, p.4 [...] o governador Marques [...] receoso da ruína que ameaçava este magnífico edifício mandou reforçalo em 1706 com grossas linhas de ferro”.

montanha”118

. Sua fachada foi mutilada por um desabamento no final do século XVIII, perdendo grande parte de seu adro e, danificando também, o edifício. A torre do lado esquerdo desabou sobre parte do edifício da Santa Casa de Misericórdia e outra torre não caiu, mas, por conselho dos Engenheiros Militares, foi desmontada, muito provavelmente como medida de precaução e segurança119. No final de 1787, a Praça de Jesus estava lotada com toda a pedraria tirada da demolição do frontispício. As colunas, bases e capitéis estavam dentro do adro da Sé. Todo esse material que estava na praça desapareceu em dois anos e não se conhecem informações sobre onde foi levada essa cantaria120. Apesar de ainda inteira, a igreja foi completamente demolida em 1933.

O uso da cantaria portuguesa foi muito comum para decoração dos interiores das igrejas nos pavimentos, púlpitos e altares. Encontramos o registro121 da carta de Sua Majestade escrita ao Provedor-mor da Fazenda Real, Francisco Lamberto, de 1699, sobre a encomenda dos materiais para obra do pavimento da igreja da Sé, que deveria ser ainda lajeado e sobre duas pias de batismo, encomendadas em Lisboa, para melhor decoração da igreja (Figura 55):

Francisco Lamberto, Eu El-Rei vos envio muito saudar.

Viu-se a vossa carta de 13 de junho do ano passado em que dais conta do estado em que se acha a obra da Sé dessa cidade e o quanto necessita de que o pavimento se faça do lajedo feito nesta corte e de duas pias de batizar para melhor ornato da dita igreja e pareceu-me dizer-vos que esta obra do lajeamento da Sé se tem ajustado, e irá este ano já alguma parte desta obra e para o ano que vem se acabará toda e acabada ela se cuidará então que se faça uma pia que é o que basta para os batizados e assim se avisa ao arcebispo.122

118

VILHENA, Luiz dos Santos. Cartas de Vilhena: notícias soteropolitanas e brasílicas. Salvador: Imprensa Official da Bahia, 1922. p.67.

119 VILHENA, Luiz dos Santos. Cartas de Vilhena..., op. cit., p. 4: “já em officio 15 de agosto 1708 havia Major Engenheiro Antônio Rodrigues Ribeiro reclamando a urgência da demolição desta torre.” 120

Id., ibid., p.68. 121

DOCUMENTOS Históricos: Registo de Cartas Regias 1697-1705. Pernambuco e outras capitanias do norte: Cartas e Ordens, vol. LXXXIV. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional Divisão de Obras Raras e Publicações, 1949. Registro da Carta de Sua Majestade escrita ao Provedor-mor da Fazenda Real, Francisco Lamberto, sobre o pavimento da Sé desta cidade ser de lajeado, e sobre duas pias de batizar para melhor ornato da dita igreja. Disponível em: < http://memoria.bn.br/pdf/ 094536/per094536_1949_00084.pdf>. Acesso em: 18 out. 2016.

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DOCUMENTOS Históricos: Registo de Cartas Regias 1697-1705. Escrita em Lisboa a 3 de janeiro de 1698. Rei. O Conde de Alvor, Presidente, Para o Provedor-mor da Fazenda Real do Estado do Brasil. 2.a via. Registe-se e me torne. Bahia, 14 de fevereiro de 1699. Registada em 16 de fevereiro do dito ano e se tornou ao dito Provedor. Joaquim Antunes Morais. Disponível em: < http://memoria.bn.br/pdf/094536/per094536_ 1949_00084.pdf >. Acesso em: 18 out. 2016.

Figura 55 – Pia batismal da Igreja da Sé

Fonte: ÁLBUM: Lembrança da exposição iconográfica e bibliográfica bahiana (1951, p.134).

 Catedral Basílica

A segunda igreja, construída toda em pedra, é a dos Jesuítas, que passou a ser a Catedral Basílica, em 1765123. Os revestimentos internos e externos da igreja são em pedra lioz, com todas as peças lavradas em Portugal. Com treze capelas, quatro de cada lado, e duas colaterais, um altar-mor, duas capelas de cruzeiros com retábulos de madeira de talha douradas, dois coros de teto pintado e dourado, janelas de tribunas sobre as capelas, dois púlpitos de pedra em mármore de Carrara, do século XVII, com três portas principais para o adro com escadaria externa feita de blocos inteiros de pedra lioz “encarnadão”. Sacristia ladrilhada de pedra mármore xadrez de branco, preto e vermelho e no altar principal “o qual hé feito de pedraria de várias Cores, obra moderna“ segundo Instrumento de Inventário feito em março de 1760124.

A sacristia possui três altares de mármore coloridos de origem italiana. Do lado das janelas, há um lavabo confeccionado com as mesmas pedras.

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VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador: transformações e permanências (1549-1999). Ilhéus: Editus, 2002. p.86.