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Arquitetura sociológica x Padrões espaciais

No documento PEDAGOGIAS INVISÍVEIS DO ESPAÇO ESCOLAR (páginas 72-79)

Capítulo I Arquitetura e educação: duas áreas autônomas e

1.3. Sobre lugares

1.3.2. Arquitetura sociológica x Padrões espaciais

Foucault, em entrevista a Michelle Perrot27 em 1978, afirma que “a arte de construir responde, sobretudo, à necessidade de manifestar o poder, a divindade, a força. ”

27 Na obra Microfísica do Poder são reunidos dezessete textos relacionados à prática das relações de poder

nas sociedades modernas. O texto O Olho do Poder, que transcreve a entrevista de Foucault a Michelle Perrot – Historiadora, Doutora e Professora emérita da Universidade de Sorbonne - retoma alguns tópicos do livro Vigiar e Punir e, explicitamente, trata do tema do edifício escolar. Textualmente, a pergunta feita por M.P. “- Passando pela arquitetura! O que pensar, além disso, da arquitetura como modo de organização política? Afinal de contas, tudo é espacial, não só mentalmente, mas também materialmente neste pensamento do século XVIII. ”

(FOUCAULT, 1979, p. 213) O fim do século 18, segundo o autor, trouxe a organização do espaço como artefato para se alcançar objetivos econômicos e políticos.

Exemplificando seu argumento por meio da casa da família operária, Foucault ilustra que o espaço destinado a funções que até então ocorriam em locais indiferenciados, a partir dos anos 1830, foi reduzido, compartimentado e somente as funções permitidas pelo lugar configurado em projeto desenvolver-se-iam na habitação: a mínima cozinha para preparo dos alimentos, o quarto dos pais para procriação e um quarto para filhos. (Figuras 1.18 e 1.19)

Figura 1.18 – Plantas de habitações-tipo para habitações operárias em Frankfurt do arquiteto Ernst May

Fonte: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877916611000725

Figura 1.19 - Detalhe da cozinha mínima, conhecida como a “cozinha de Frankfurt”, projetada para otimizar os processos de preparo do alimento.

Foucault defende a ideia que, ao se fazer a história dos espaços, estaríamos fazendo, indiscutivelmente, uma história dos poderes – “que estudaria desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do habitat, da arquitetura institucional da sala de aula ou da organização hospitalar, passando pelas implantações econômico-politicas.” (FOUCAULT, 1979, p. 215)

Constituir, portanto, uma história dos espaços, significa estabelecer padrões comuns aos lugares e aos tipos de vida social neles desenvolvida.

Kohlsdorf, quando da implantação do Mestrado em Planejamento Urbano na Universidade de Brasília, (UnB), em 1976 sugeriu o estudo das disciplinas do curso conforme mostrado no esquema da rosácea apresentado na Figura 1.20.

O miolo dessa rosácea é constituído pelo território ou espaço urbano, que é olhado (..) pelas diversas disciplinas através de lentes as mais diferentes. Existe, portanto, em relação à cidade e ao território, um olhar arquitetônico, um olhar econômico, um olhar antropológico etc. Obviamente que esses olhares têm umas parcelas específicas, mas também tem umas parcelas onde existem “superposições”, onde ocorrem interfaces e se “trocam figurinhas”, e o conhecimento é construído interdisciplinarmente. (KOHLSDORF, 1993, p. 07)

Figura 1.20 – Rosácea do Planejamento Urbano

Este conceito foi amplamente desenvolvido pelo grupo de pesquisa do Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU-Unb, no trabalho Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização28 que parte do pressuposto que o conhecimento necessário ao projeto de arquitetura ou urbanismo é constituído de múltiplas dimensões, sendo necessária a formalização de considerações taxionômicas e metodológicas para a sua aplicação, “tomando emprestados” conhecimentos desenvolvidos por outras disciplinas que nos ajudem a compor o quadro a ser definido. A pesquisa buscou, portanto, agregar esses tipos de conhecimento em “dimensões” em que o fenômeno se manifesta com certa autonomia: as dimensões bioclimática, funcional, econômica, entre outras. As dimensões se desdobram ou se agrupam a depender da ênfase dada a determinada característica do lugar. Os padrões representam categorias de análise das dimensões específicas.

O desmembramento da pétala arquitetônica nos permite, por exemplo, estabelecer padrões a partir da dimensão bioclimática, que enfatiza os aspectos do espaço construído que correlacionam a configuração espacial e controle térmico, acústico, luminoso etc. Os aspectos funcionais privilegiam o entendimento do espaço urbano ou arquitetônico pela maneira que ele supre as necessidades de espaço físico em face das atividades que os agentes sociais desenvolvem ou almejam desenvolver: essa dimensão agrega em si um valor essencialmente utilitário e operacional, sem desconsiderar as relações de produção do espaço arquitetônico. Pode-se, a partir daí, formar um leque de subdimensões subordinadas à funcional: do trabalho, do funcionamento ou utilização dos espaços públicos, entre outras. Aspectos topoceptivos, uma vez citados, encerram o conhecimento sobre a forma dos espaços construídos enquanto interferem na orientação e identificação por parte dos habitantes. Existem configurações espaciais que propiciam maior orientabilidade e outras não. Dessa dimensão topoceptivas são extraídos outros estudos mais detalhados a serem enquadrados em subdimensões afetas à própria orientabilidade, como por exemplo: pontos focais, marcos referenciais, skylines, hierarquia viária, entre outras.

28 Linha de pesquisa coordenada pelo professor Frederico de Holanda. De acordo com o registro na

Plataforma Lattes: “O Grupo Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização - DIMPU constituiu- se em 1986. O objeto da pesquisa é o desempenho da forma da cidade, em vários aspectos, p.ex.: uso dos espaços públicos abertos, segregação socioespacial, indicadores socioambientais, imagem urbana, configuração arquitetônica e modos de vida, transportes”.

Holanda apresenta, sistematicamente, a “taxonomia aspectual” que categoriza a produção do espaço artificial em função da relevância dada a determinadas características do lugar (a taxonomia aspectual utilizada no âmbito da pesquisa analisa o espaço arquitetônico por meio de aspectos de desempenho classificados em funcionais, sociológicos, bioclimáticos, econômicos, topoceptivos, emocionais, estéticos e simbólicos) como identificadora de disciplinas próprias dentro da área maior da dimensão arquitetônica. Introduz e detalha a dimensão sociológica, base também para a determinação de nossas categorias de estudo do espaço escolar.

O desafio é identificar os aspectos que caracterizam a arquitetura. É isso que faz nossa proposição. Os “aspectos” são o artifício teórico para fundamentar a definição de arquitetura, resumem as implicações dos lugares enquanto arquitetura, o como ela nos afeta de várias maneiras, o seu desempenho multifacetado. Os lugares têm outras implicações para as pessoas (como nos exemplos do “edifício” e da “montanha”). Mas as da taxonomia proposta são aquelas cuja investigação alimenta um corpo de conhecimento específico – o da disciplina arquitetura. (...)

Lugares são ordenados em sistemas de contiguidades, continuidades, proximidades, separações, hierarquias, circunscrições. Dito mui sinteticamente, sistemas formal-espaciais variam, na história, no uso que fazem de barreiras/permeabilidades ou opacidades/transparências, em combinações diversas. Interessam para a disciplina as relações entre tais sistemas e expectativas sociais específicas, como seguem. Para a disciplina arquitetura sociológica, a realidade empírica expectativas sociais diz respeito a um sistema de encontros e esquivanças, de concentração e dispersão de pessoas. Cada sistema social implica uma peculiar maneira de organizar grupos de pessoas no espaço e no tempo, maneira que estabelece quem está próximo ou distante de quem, fazendo o quê, onde e quando. (HOLANDA, 2007, p. 4)

As implicações sociais do objeto construído refletem situações específicas de práticas sociais podendo ser favoráveis ou não a determinado grupo social envolvido no processo ou até mesmo a nenhum.

Ricardo Farret, na obra O espaço da cidade (1985) também enfatiza a necessidade do conhecimento das outras dimensões do lugar de estudo, exemplificando por meio do território da cidade:

Qualquer ação prática se estabelece sobre um determinado objeto concreto. No entanto, para que esta ação seja realista e consequente, ela deverá estar apoiada sobre o conhecimento que se tem deste objeto. Esse conhecimento, no entanto, não se baseia apenas nas manifestações visíveis do objeto. [...] no caso específico do planejamento urbano, entendido como uma forma de ação sobre um objeto concreto, a cidade, não raramente observamos a sua ineficácia, quando não resultados socialmente perversos. Isso decorre, em grande parte,

do conhecimento limitado que se tem sobre este objeto, complexo, multidisciplinar e ainda carente de um corpo teórico próprio. (FARRET,

Assim como as demais dimensões de estudo que analisam diferentes aspectos arquitetônicos, a Arquitetura Sociológica - disciplina que investiga os sistemas de relações entre configurações espaciais e a interação entre as pessoas - possui ferramental próprio para análise do espaço construído. A teoria que objetiva o estudo específico dessa dimensão é a sintaxe espacial a ser detalhada no segundo capítulo desta tese quando serão explicados os aspectos metodológicos da pesquisa.

É possível adiantar que a Sintaxe Espacial (SE) foi desenvolvida inicialmente na Universidade de Londres a partir da década de 1970 e tem contado, desde então, com a contribuição de autores em inúmeros países, inclusive no Brasil. A SE pode ser entendida, resumidamente, como um conjunto de formulações teóricas localizadas no âmbito dos estudos que relacionam espaço e comportamento – mas as dimensões de um e de outro são precisamente delimitadas, como veremos. Teve seu desenvolvimento baseado incialmente nos trabalhos de Hillier e Leaman, mas foi com o livro The Social Logic of Space, de Hillier e Hanson que os conceitos foram primeiramente explicitados de maneira global.

A SE relaciona relações sociais e o espaço que lhes serve de base e lhes constitui. Em outras palavras: tenta explicar como certos grupos vivem perto de outros grupos, como determinadas configurações espaciais favorecem ou não encontros de grupos iguais ou diferentes, ou até mesmo como a forma do espaço pode contribuir para a segregação de grupos de diferentes níveis sociais. Enfim, procura mostrar que traços de “comportamentos sociais” também são determinados pela configuração espacial.

Entretanto, a descrição que a SE faz do espaço arquitetônico é bastante específica. Por meio de técnicas próprias, ela procura captar essencialmente a estrutura de barreiras e permeabilidades e relações de visibilidade (por meio da identificação de opacidades e transparências) dos edifícios e cidades. As categorias de análise advindas da teoria da Sintaxe Espacial serão os atributos que utilizaremos para estabelecer os padrões espaciais do espaço escolar, objeto do trabalho.

Concluindo, relações sociais entre os atores do processo educativo se fazem presentes no espaço, dotado de significado e produzido a partir da intenção de alguém ou algum grupo. Em resumo, existe na medida da necessidade de programas e práticas pedagógicas ao longo do tempo. Na qualidade de materialidade física, este espaço é representado por um sistema de permeabilidades ou barreiras concretas e interfere diretamente nas relações

sociais, favorecendo ou não a apropriação e controle do espaço por parte de grupos distintos.

A maneira pela qual o espaço escolar será analisado é fundamentada pela disciplina da arquitetura sociológica, que correlaciona configuração espacial e práticas sociais favorecidas ou não pela forma do edifício. A aplicação das categorias de análise advindas da teoria da Sintaxe Espacial servirá de base para a definição de padrões espaciais do espaço escolar analisado, quando no capítulo subsequente, será contextualizado histórica e socialmente enquanto parte do conjunto de meios necessários à consecução das políticas públicas de educação nacional.

No documento PEDAGOGIAS INVISÍVEIS DO ESPAÇO ESCOLAR (páginas 72-79)

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