• Nenhum resultado encontrado

Definindo o espaço escolar

No documento PEDAGOGIAS INVISÍVEIS DO ESPAÇO ESCOLAR (páginas 42-47)

Capítulo I Arquitetura e educação: duas áreas autônomas e

1.1. Sobre o espaço

1.1.1. Definindo o espaço escolar

Busca-se a construção da imagem única e tridimensional formada pelo lugar, pelas pessoas e pelo tempo, que, nesse contexto, de união entre o imaterial (práticas sociais) e o material (lugar físico), a dimensão temporal se torna subjetiva na medida em que depende da intuição dos atores e do cenário do espaço específico analisado.

A proposta levantada pela pesquisa é estudar o espaço escolar definido como campo interdisciplinar e de intersecção entre as duas áreas – educação e arquitetura – sabendo que este espaço carrega em si um código de informações que ao mesmo tempo pode ser entendido como condicionante e resultado de relações sociais identificadas entre os protagonistas do processo ensino/aprendizagem.

Sobre os agentes sociais, responsáveis pelas práticas pedagógicas no espaço escolar - educadores e educandos, administradores e administrados e as relações que se depreendem deste convívio – conduziremos os estudos por meio da sociologia educacional, braço da disciplina da educação que nos fornecerá subsídios para a compreensão de parte deste aspecto imaterial componente, variável e multifacetado do espaço. A arquitetura, por meio da vertente da arquitetura sociológica (HOLANDA, 2007) contribuirá para o entendimento dos padrões espaciais do lugar, entendendo os lugares como sistemas físicos permanentes, imutáveis, moldados a partir de barreiras ou vedações que promovem ou dificultam encontros.

Antônio Cândido em seus primeiros estudos relacionados à sociologia educacional aponta para a existência de uma dinâmica própria em cada instituição escolar referente às relações sociais. Além das regras oficiais que regem toda a estrutura e funcionamento de uma escola, há o componente inédito e individual, que surge a partir do metabolismo

próprio que envolve e molda o desempenho dos atores envolvidos nas trocas educacionais. Em outros termos, pode-se verificar semelhanças entre grupos de escolas que possuem a mesma previsão de regras para seu funcionamento – regimentos, dispositivos legais, horários, perfil de público alvo, entre outros – assim como são identificáveis diferenças que advém de um mundo próprio, particular, interno, fruto das relações individuais entre os grupos de cada unidade escolar.

Caso, porém, seja capaz de apreender a realidade total da escola, o educador poderá analisar de maneira adequada a realidade de cada escola, que não lhe aparecerá mais como "estabelecimento de ensino" a ser enquadrado nas normas racionais da Legislação Escolar, mas como algo autônomo, vivo no que tem de próprio e por assim dizer único: que requer, portanto, ajustamento correspondente destas normas, visto como possui outras, que devem ser levadas em conta. O conhecimento adequado desta realidade só pode efetuar- se mediante a análise sociológica que torna translúcida a carapaça administrativa dando acesso à dinâmica das relações nem sempre reconhecíveis pela observação desprevenida, e que exprimem o que é próprio à vida escolar. A adoção deste ponto de vista alarga e aprofunda a visão do educador, permitindo-lhe uma ação educacional também mais larga e compreensiva. (CANDIDO, 1956)

O prédio escolar, neste contexto apresentado por Cândido, é peça necessária para o entendimento da realidade específica da escola, na medida em que a disposição dos ambientes, lugares de lazer, ensino e aprendizagem, posicionamento da direção são variáveis que interferem diretamente nas relações sociais entre os citados agentes – educadores e educandos e, consequentemente, na percepção subjetiva que os agentes constroem do espaço em determinado momento histórico.

Nesta linha de pensamento, Agustín Escolano ressalta a importância do prédio escolar na vida dos educandos como item de um currículo que transmite conhecimento sem, explicitamente, dizer que o faz. É lícito afirmarmos que um sistema de permissões ou proibições pode dar-se por meio do espaço escolar. Quando todos os espaços, durante todos os tempos são ocupados, segundo o autor, está explícito um mecanismo total de proibição ou impedimento, já que isso significa uma ocupação generalizada em todas as dimensões, tirando dos indivíduos a possibilidade de construção de seu próprio espaço e seus intervalos temporais.

Embora a ocupação espacial plena durante todo o tempo seja um limite espacial utópico, a questão deve ser tratada em níveis diferenciados, quando a frequência a determinados lugares se dá mediante regras e de maneira ritualizada no tempo. São as relações sociais que interferem na apropriação do espaço e nele se baseiam. Em outras palavras, é na base estabelecida pelo lugar físico que grupos de indivíduos transitam, se encontram, se

observam, se esquivam. O lugar-cenário contém as relações sociais, e é o espaço escolar que, por meio de seus limites físicos, propicia também o desenvolvimento das relações sociais e práticas pedagógicas no microambiente escolar.

Todas essas questões podem ser referidas ao âmbito da escola como lugar, à sua configuração arquitetônica e à ordenação espacial de pessoas e objetos, de usos e funções que têm lugar em tal âmbito. Mas também já indicam alguns dos aspectos que fazem da escola um espaço peculiar e relevante. Em especial quando se tem em conta que nela se permanece durante aqueles anos em que se formam as estruturas mentais básicas das crianças, adolescentes e jovens, conformadas por um espaço que, como todos, socializa e educa, mas que, diferentemente de outros, situa e ordena com essa finalidade específica, a tudo e a todos quantos nele se encontram. (FRAGO&ESCOLANO, 1998, p.64)

Indiscutível é, portanto, o papel que o edifício exerce nas relações sociais e consequentes processos de ensino aprendizagem bem como na produção de memórias relacionadas à vida escolar. O currículo oculto, assim chamado todo o conteúdo implícito presente nos processos de aprendizagem, representa, portanto, tudo que não é mencionado no currículo oficial da escola e nas regras predeterminadas: procedimentos disciplinares, estruturas organizacionais burocráticas inerentes à instituição, relações de dominância, tradições culturais. São traços dotados de significados e repassam uma infinidade de estímulos, conteúdos e valores aos educandos. A arquitetura do edifício escolar também faz parte desta categoria, a apreensão e percepção do ambiente físico representam valores na formação das relações sociais entre os atores sociais. G. Mesmim13 define a arquitetura escolar como “uma forma silenciosa de ensino”. O espaço comunica, e esta comunicação é variável em cada contexto cultural, político e hierárquico.

Neste contexto, chega-se, então, à definição de espaço escolar que orientará esta pesquisa, entendendo que as duas áreas responsáveis por agregar valor ao conceito – educação e arquitetura – comportam-se como autônomas e complementares, simultaneamente. Serão consideradas áreas autônomas vez que a educação define relações sociais entre grupos e a arquitetura estabelece padrões espaciais a partir do posicionamento dos lugares. São consideradas complementares quando o sentido do espaço escolar só é completo na medida em que a dinâmica do lugar é motivada pelas relações sociais ao longo do tempo e vice-versa. O diagrama exposto na Figura 1.4 ilustra esta relação.

13 MESMIM, Georges. La arquitectura escolar, forma silenciosa de la ensenanza apud FRAGO &

Figura 1.4 – Relação entre as áreas de arquitetura e educação na construção do sentido do espaço escolar

Não se pode desconsiderar, no entanto, a perpetuidade do lugar arquitetônico e a transitoriedade das relações sociais tipificadas em contextos temporais distintos, o que confere um caráter mutável ao espaço escolar, a partir de agora entendido como campo de convergência entre arquitetura e educação.

Considerando a importância do edifício como transmissor de valores vez que inibe ou favorece encontros é muito relevante o fato de que os prédios escolares - que foram construídos na metade do século 20 - sejam ainda a base física das atuais relações entre educadores e educandos, mais de sessenta anos após a construção original dos lugares de estudo, quando o cenário educacional, por meio de suas políticas e programas públicos, passou por significativas alterações. Isso nos leva a pensar na possibilidade do encruamento de certas práticas pedagógicas em função da imutabilidade do lugar, inibindo mudanças nas relações sociais e consequente aprimoramento na formação dos educandos.

A questão maior que orienta a pesquisa e estabelece padrões de análise e comparação entre os edifícios escolares – o reconhecimento de relações entre o lugar arquitetônico e as respectivas práticas pedagógicas – será inicialmente traduzida pela análise geral das

políticas educacionais em sentido amplo, considerando-as pertencentes ou não ao grupo de práticas pedagógicas tradicionais - que tendem a repetir padrões sociais vigentes - ou práticas progressistas, cujo foco é o despertar do educando para uma mudança de mundo pautada nas necessidades pessoais dos agentes do processo educativo.

Mais do que objetos simbólicos de períodos históricos específicos, assumiremos que os edifícios educacionais carregam em si valores próprios cujos padrões interferem nas relações sociais da instituição. Partindo desse princípio, faz-se necessário inicialmente identificar as relações sociais no âmbito escolar. O momento de análise da vida social nos espaços escolares específicos das instituições da amostra dependerá dos condicionantes específicos - agentes sociais e lugar físico - dos microuniversos analisados.

Para a construção dos pressupostos de análise desta tese, o espaço escolar será, então, examinado sob duas lentes distintas: enquanto objeto social – como ele se define e se constitui em função das características de suas relações sociais, provido de significado a partir da vida social que nele se desenvolve – e, posteriormente, enquanto objeto arquitetônico, na medida em que as características físicas ou padrões espaciais do lugar arquitetônico conformam este mesmo espaço escolar14.

Vimos que “vida social” se refere, neste trabalho, a um conjunto de atributos socioeconômicos gerais que pode estar relacionado à questão da lógica social dos padrões espaciais e da vida espacial. (...). De qualquer forma, temos que

definir quais são os indicadores de vida social que possam ser medidos contra padrões espaciais ou vida espacial. É claro que isso sempre envolve

a questão da avaliação ética que apontará para situações, digamos, de “bem- estar” ou de “patologia” social. (HOLANDA, 2002, p.114 grifos meus)

A interseção destas duas visões nos propiciará o entendimento global do que chamaremos, à luz da teoria da sintaxe espacial15, de vida espacial, quando o objeto social dá sentido ao lugar físico que, ao mesmo tempo, interfere nas relações sociais. Assim, acreditamos delinear o caminho que esclareça os questionamentos propostos no trabalho quando fizermos a análise de campo.

14 Essa abordagem conceitual do edifício escolar também foi utilizada por LOUREIRO em sua tese de

Doutorado Classe, Controle e Encontro: o espaço escolar, 1999.

No documento PEDAGOGIAS INVISÍVEIS DO ESPAÇO ESCOLAR (páginas 42-47)

Documentos relacionados