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3.1.2 - Articulação da Educação de Jovens e Adultos com a gestão escolar

Nunca tive experiências em educação de jovens e adultos e, muito menos, com gestão e supervisão escolar. Mas, o desafio de, pela primeira vez no colégio, desenvolver algum tipo de trabalho pedagógico para os funcionários me motivou a estudar e procurar apoio em outras instituições que já desenvolviam algum tipo de trabalho sobre EJA.

Nesse sentido, busquei cursos que abordem essa temática como o que foi oferecido pelo Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues Siqueira – CAP-UERJ ao longo do primeiro semestre de 2009. Nos encontros semanais, foi possível dialogar com novos parceiros a respeito do desafio que se encontra hoje a educação de jovens e adultos dentro de um contexto humanístico que compreenda uma concepção mais ampla das dimensões tempo/espaço de aprendizagem. As leituras propostas pelo curso serviram de estímulo para uma maior compreensão dos novos atores-sujeitos da aprendizagem.

O campo da educação de jovens e adultos está repleto de desafios. Não tenho dúvida que o maior desafio no trabalho com os funcionários ainda estaria por vir. A partir de agosto de 2008 foram oferecidas oficinas de aprendizagem a partir do que eles haviam solicitado na ficha. (Oficina da palavra, dos números e da informática).

O primeiro desafio foi à escolha dos profissionais que dariam essas aulas para os alunos-trabalhadores. Seria importante a presença de um profissional do quadro docente da escola e que tivesse alguma experiência com educação de jovens e adultos. Além disso, esse docente precisava ter uma proposta de aprendizagem que visasse à conscientização do educando

para que tenha uma atitude crítica e de reflexão frente à sua realidade. O conteúdo programático de estudo, baseado nas idéias de Freire, deveria ser pesquisado e estar vinculado ao contexto social em que vivessem os educandos, no sentido de possibilitar uma compreensão crítica da situação e de como o educando nela se encontra. O mais importante, as técnicas de leitura e escrita deveriam ser adquiridas como atitude de criação e não como memorização visual e mecânica de palavras e sentenças alienadas de um universo existencial.

Ensinar jovens e adultos significava ter o compromisso social com o resgate do direito à educação, negado, em algum momento na trajetória de vida de muitos brasileiros.

Essa forma de refletir é muito próxima a de Santos (2000) quando afirma que em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse individual. É da articulação desses interesses que nascem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo (...). FREIRE (1996, p.47) em uma de suas citações, menciona que, ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção, tal pensamento, contempla e edifica as diferentes faces da Educação.

Na verdade, não foi muito difícil encontrar profissionais que tivessem o perfil acima descrito. Em uma escola de tradição pedagógica como o Colégio Cruzeiro vários são os docentes que acreditam na educação como uma forma de melhorar a inserção econômica, social, cultural do ser humano na sociedade, principalmente, no que tange a jovens e adultos.

Vencido o primeiro desafio, agora era preciso divulgar os cursos e motivar os funcionários para eles, efetivamente, voltassem a estudar. A tarefa, que parecia simples, mostrou-se trabalhosa. Os funcionários ficaram com um certo receio do que podia acontecer a eles caso a direção “descobrisse” suas limitações. O trabalho para conquistá-los foi lento mas, aos poucos, os

funcionários foram redescobrindo neles o aluno que há muito tempo estava adormecido.

Uma das atividades propostas na oficina da palavra foi um passeio pelo centro da cidade, em um domingo (único dia em que os funcionários não trabalham). Nesse passeio estava incluído uma visita ao Teatro Municipal (dentro do projeto TEATRO a 1 real) e um almoço na Feira de São Cristovão. Ao todo, foram 7 funcionários (dos 10 que estavam fazendo a oficina da palavra). Segue abaixo um comentário, feito por um funcionário presente, sobre esse passeio:

"Nem acreditei quando vi os professores chegando. Fiquei pensando, será mesmo que vieram só por nossa causa? Nunca tinha ido ao Teatro Municipal e achei lindo!!! Só a música que achei um pouco chata e me deu vontade de dormir. Mas quando acabou, adorei saber sobre as ruas do centro... Pôxa, passo todo dia nessas ruas e nunca tinha visto tudo que agora vi. E O almoço na "Feira dos Paraíbas"?! Até dancei com uma professora!!! Foi muito legal o domingo. Até me achei importante!!!" (Depoimento de Wilson Bento Januário no dia 25 de junho de 2009)

Foi um domingo mágico em que o prazer de ensinar e a alegria do estar com o outro reanimou a nossa crença do valor da educação. Lembro as palavras de Freire (1996:142): "a atividade docente de que a discente não se separa. É uma experiência alegre por natureza. ...É digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido."

As oficinas de português, matemática e informática completaram dois anos em junho de 2010. Todo mês faço uma reunião com os professores para traçarmos objetivos e tirarmos dúvidas a respeito do processo de ensino e aprendizagem. Os conteúdos a serem abordados partem da necessidade deles e são encaminhados com a preocupação de estarem relacionados com o cotidiano deles.

Além disso, tenho reuniões com os alunos-funcionários para acompanhar não só a vida acadêmica deles, mas, principalmente, conversar

sobre o que almejam com essa volta aos bancos escolares. O apoio e a confiança precisam estar presentes de ambas as partes. Algumas breves reflexões podem ser feitas.

A oficina que tem maior procura é a da informática (do total de 37 funcionários azulzinhos e amarelinhos, 17 estão envolvidos nas aulas em um dos dois horários disponíveis esse ano). Esse dado não me causa estranheza porque a necessidade de dominar a ferramenta do computador está cada vez mais presente na vida cotidiana das pessoas. Nas palavras de alguns deles, “é um maior barato poder fazer parte desse mundo da tecnologia. Agora já entendemos o que as pessoas querem dizer quando falam, por exemplo, e-mail. msn, orkut.”

Em uma análise mesmo superficial desse comentário é possível perceber que conhecer a linguagem do computador é uma maneira deles se perceberem como fazendo parte do mundo de hoje. Como muitos deles já foram alijados do letramento ao longo da vida, não querem que aconteça novamente com a ferramenta do computador. É a chamada alfabetização digital.

Tanto na segunda oficina (palavra) como a terceira (números), a procura é bem menor (sete alunos e seis, respectivamente, esse ano). Considero o número muito pequeno. Nesse ano, fui conversar com cada funcionário para entender melhor porque a procura era tão baixa. As respostas relacionavam-se, principalmente, com o cansaço do dia a dia. Mesmo acreditando que as aulas pudessem melhorar a vida deles, a desmotivação é grande. Alegaram vários problemas pessoais aliados a um forte desânimo.

Acredito muito que a baixa auto estima desses funcionários contribui para o descrédito na possibilidade de almejar um futuro melhor para si e sua família. No caso da oficina dos números o problema se agrava porque não acreditam que possam aprender uma matéria que nunca conseguiram entender nos poucos anos de escolaridade que tiveram.

Apesar do número pouco expressivo de funcionários alunos que freqüentam as oficinas de português e matemática, as conquistas desse grupo estão sendo inúmeras. O gestor precisa estar atento a essas conquistas,

valorizando-as no cotidiano do funcionário e encorajando-o a continuar a jornada por mais árdua que pareça.

Trabalhar com educação de jovens e adultos, apesar dos desafios grandes, traz muitas satisfações. Uma delas é que, enquanto para uma criança no ciclo normal de aprendizagem, as mudanças qualitativas que os anos de instrução trouxeram não são logo percebidas, para os jovens e adultos, as modificações que acontecem quando eles voltam a estudar, são rapidamente sentidas.

A primeira diz respeito às mudanças com relação ao ritual de transformação do funcionário igual a qualquer outro (todos com a mesma blusa amarela), para o aluno que chega para assistir a aula com uma preocupação de vestir uma roupa bonita.

Concordo com o que escreveram FERNANDES, GERMANO e GUEDES (2007) a respeito desse ritual dos alunos que voltam a estudar para se sentirem parte da sociedade de novo:

“Há todo um ritual para chegarem à sala de aula. Despem-se de seu papel de trabalhadoras para vestirem-se de estudantes. Há um sorriso largo e um brilho nos olhos que não deixa dúvidas da importância desse “retorno à escola”. Há cadernos novos, estojos com borracha, apontador e lápis que denunciam seus desejos e que significam muito mais do que um simples material. Parece que querem mostrar sua força, pôr à prova suas capacidades e conhecimentos, sentindo-se de novo, parte da sociedade. “ (FERNANDES, GERMANO e GUEDES, 2007, p.7)

Faz-se necessário o gestor ficar atento a essas mudanças e motivá-los a continuarem os estudos para que possam melhorar a inserção deles na sociedade atual.

Uma outra conquista importante desses funcionários-alunos foi à melhora, em todos dos sentidos, na sua relação com o trabalho diário. Reclamam muito menos do oficio e, estão sempre motivando os colegas no sentido de mostrar-lhes como podem trabalhar com mais satisfação. Eles descobriram que é importante trabalhar com alegria, mesmo que tenham

algumas dificuldades. Isso deu a eles uma motivação em continuar, ou melhor, em buscar novas atividades dentro ou fora dos muros do colégio.

Como responsável pela gestão desses funcionários e numa tentativa de incentivar o aprimoramento profissional deles todo mês são colocados papéis com cursos e serviços de graça que acontecem naquele período na cidade do Rio de Janeiro. Os alunos que estão freqüentando os cursos são os mais interessados. A impressão que dá é que eles retomaram (ou começaram) a sentir o prazer pelo conhecimento, pela cultura, pela vida.

Uma conquista, a mais importante, foi o letramento dos sujeitos envolvidos nas oficinas enquanto sujeitos políticos e constitutivos da práxis social. Houve o resgate do real significado que “a apropriação da leitura e da escrita exerce sobre o sujeito interagindo na sociedade”, considerando esta questão em toda a sua amplitude.

Ao explanar sobre esse tema, MORIN (2003) afirma que “É preciso compreender que há algo mais do que a singularidade ou a diferença de indivíduo para indivíduo é o fato que cada indivíduo é um sujeito”. Se este conceito estiver entrelaçado, decodificado e interiorizado dentro de nós, é possível oferecer e compartilhar com o outro, um novo olhar. E é este olhar diferenciado, que promoverá mudanças não só no processo educativo, mas principalmente no meio, no qual tomamos parte.

A apropriação da leitura e da escrita são direitos inalienáveis de qualquer cidadão. O gestor precisa garantir que esse direito, tão negado para muitas pessoas, não seja apenas um privilégio de uma minoria, e sim, uma prática constante e ativa em nossa sociedade.

As constantes reuniões com os alunos-funcionários e com os professores são fundamentais para uma avaliação constante do objetivo do curso. Há todo momento o processo ensino-aprendizagem está sendo reavaliado numa tentativa de motivar a permanência desses sujeitos na escola.

A gestão democrática participativa contribui, certamente, para o resgate da cidadania e uma melhor inserção do aluno-trabalhador nos bancos escolares.

CONCLUSÃO

A educação de jovens e adultos no Brasil vem assumindo um papel de destaque nos dias atuais. O governo brasileiro e a sociedade civil têm uma dívida histórica com essa população que não completou os anos de escolaridade. Várias são, atualmente, as escolas públicas e privadas que estão oferecendo cursos de EJA, como é o caso do trabalho que está sendo desenvolvido com os funcionários do Colégio Cruzeiro, localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Qualquer iniciativa para educar jovens e adultos, na contemporaneidade, precisa estar imbuída das novas características da EJA, como foi apresentado no capitulo 1.

A nova perspectiva da EJA baseia-se não só na alfabetização do sujeito, mas, no letramento, oferecendo habilidades variadas para uma inserção melhor na sociedade contemporânea. Faz-se necessário fazer uso da leitura e da escrita para decodificar os inúmeros códigos usados atualmente.

A EJA ganha o status de educação continuada, do aprender para toda a vida, e o educando é visto como um leitor e autor permitindo uma melhor compreensão e interpretação da realidade. O aprender acontece em diferentes lugares e com o uso de inúmeras estratégias, sempre partindo da realidade vivida pelos alunos jovens e adultos.

Uma outra mudança importante no tratamento da EJA é a escolarização, ou melhor, a garantia da educação a todos os sujeitos independente da idade. A educação é um direito humano fundamental. Em um país como o nosso onde há um percentual grande da população adulta, ainda analfabeta, talvez incentivar o retorno aos bancos escolares seja o passo mais importante para o resgate da cidadania.

Esse novo sentido adquirido pela educação de jovens e adultos alcança resultados mais rápidos e eficientes quando corrobora com as novas perspectivas da gestão escola, assunto abordado no capitulo 2.

O papel do gestor escolar na educação vem mudando bastante desde o final do século passado. Hoje muitas questões ligadas diretamente à vida

escolar passam pela maneira como esse estabelecimento é gerenciado. Isso assume uma especificidade ainda maior no que diz respeito à gestão direcionada para o ensino de jovens e adultos.

A gestão democrática participativa é o meio pelo qual deve se desenvolver qualquer trabalho em educação, principalmente, no que tange a educação de jovens e adultos. A participação consciente e responsável de toda a comunidade escolar na ingerência de questão ligadas ao cotidiano escolar, favorece uma gestão muito mais comprometida com a qualidade da educação.

No capitulo 3 foi apresentado um relato de experiência de gestão escolar voltada para a EJA, já com as características acima apontadas, calcada nessa nova perspectiva de gestão democrática participativa. Sem dúvida, essa gestão tem um papel fundamental no estímulo a permanência desses alunos, apesar de toda dificuldade que a vida deles apresenta.

A educação que está sendo desenvolvida com os funcionários no colégio objetivará a transformação da realidade em que esses jovens e adultos estão inseridos, permitindo que esses sujeitos sejam reconhecidos como atores de suas próprias histórias, sujeitos políticos e constitutivos da práxis social. Houve o resgate do real significado que “a apropriação da leitura e da escrita exerce sobre o sujeito interagindo na sociedade”, considerando esta questão em toda a sua amplitude.

Vale destacar a importância do educador que trabalha diretamente com os jovens e adultos. O gestor escolar precisa de estudos permanentes, pois as transformações da sociedade são constantes, sendo fundamental reflexões atualizadas sobre a realidade.

Nesse sentido, acredita-se que uma gestão escolar que atenda às atuais exigências da vida social é de extrema importância para o sucesso na permanência desse aluno-trabalhador nos bancos escolares e no resgate da sua cidadania.

Urgem ações pedagógicas vltadas para a criação de metodologias

diferenciadas, como, por exemplo, o trabalho com projetos e a efetiva participação de toda comunidade escolar.

O relato de experiência que foi apresentado ao longo desse trabalho deve contribuir não apenas para a ampliação do debate acerca das questões inerentes a essa modalidade de ensino, mas também mostrar que há possíveis soluções para a maior permanência do aluno-trabalhador nos bancos escolares.

ANEXO

AÇÃO SOCIAL

DIALOGANDO NA ESCOLA: CONHECENDO O NOSSO FUNCIONARIO

DADOS PESSOAIS

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