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APÊNDICE V Condição do produtor quanto ao acesso à terra na Região Extremo Oeste Catarinense

Capítulo 1. OS “TRÊS IS” E OS NEOINSTITUCIONALISMOS: ARTICULANDO OLHARES NA ANÁLISE DE POLÍTICAS

1.2 AS ABORDAGENS NEOINSTITUCIONALISTAS E O RECORTE METODOLÓGICO DOS “TRÊS IS”

1.2.2 A articulação dos “Três Is”

Considerando as interações entre ideias, interesses e instituições, Palier e Surel (2005) apontam para a lógica da agregação na ação política. Ou seja, para construir maiorias de atores que aprovem certas políticas ou cheguem a vitórias eleitorais, normalmente, são necessários acordos com base em interesses diferentes e divergentes, bem como entre visões contraditórias, o que dá origem e explica a forte ambiguidade nos discursos e ideias aprovados. Nessa direção, a compreensão sobre a adoção de uma política pública passa pela sua capacidade de agregar tais interesses divergentes e visões contraditórias, o que reflete na polissemia do seu conteúdo. Entende-se assim que a abordagem cognitiva (ideias) pode ser uma importante entrada de leitura para a análise das mudanças políticas, mas deve ser complementada com a análise, em mesmo nível de importância, dos interesses e das instituições pré-existentes, bem como das relações de poder inerentes aos atores. Partindo dessa complementaridade, os autores reforçam a necessidade de enriquecimento das variáveis de pesquisa sobre um mesmo fenômeno ou política pública via articulação dos “Três Is”:

Assumindo que os processos estudados são sempre portadores de conflitos e de compromissos entre os interesses envolvidos, formatados por instituições herdadas do passado e formuladas através de quadros cognitivos, normativos e retóricos, então a primeira tarefa de pesquisa é decompor o objeto de estudo em unidades constitutivas baseadas nos “Três Is”. Analisar as políticas públicas consiste, portanto, em decompor uma realidade complexa em dimensões (ou variáveis) identificáveis, não para simplificar, mas contrasta com suas políticas externa e econômica. Quando necessário, para garantir seu domínio sobre algumas regiões, o governo dos EUA não hesitou em apoiar regimes autoritários – como ocorreu na América Latina. Sobre a política econômica, a condição de expoente neoliberal não lhe impediu de direcionar recursos públicos para salvar bancos diante da recente crise internacional.

para torná-la compreensível através das categorias de análises existentes, para permitir em seguida efetuar a comparação com outros fenômenos similares e para testar enfim certo número de hipóteses fundadas sobre essas variáveis, tais como já formuladas, por vezes, na literatura (PALIER; SUREL, 2005, p. 11, tradução livre pelo autor)

Em cada momento e espaço, uma das variáveis tende a se sobrepor sobre as demais, mas essa definição deve ser resultado de constatação a posteriori. Para isso, pode-se cruzar a análise dos “Três is” com dois processos analíticos: a) a grade sequencial das dinâmicas da política pública, que divide suas fases em: emergência do problema político (quando atores interessados convencem a sociedade que tal estado de coisas necessita de ações públicas); sua introdução na agenda (elaboração de soluções reproduzindo a lógica institucional ou opondo- se às normas vigentes, onde novos instrumentos podem conflitar com os anteriores); a decisão por uma delas (seguimento de paradigmas e atendimento de interesses que podem estar baseado em um consenso contraditório, que nem sempre reflete na escolha mais racional); a implementação (especialmente as implicações das novas instituições sobre o funcionamento institucional); e a avaliação (que nem sempre ocorre)56; e b) a sequência temporal, quanto à estabilidade dos elementos que orientam a tomada de decisão: enquanto as ideias são gestadas no longo tempo e pouco mudam, os interesses são volúveis no curto prazo, cabendo às instituições cumprir o papel mediador entre os extremos (PALIER; SUREL, 2005).

A adoção de grades sequenciais ou temporais pode auxiliar na delimitação e sistematização das análises. Contudo, os fatores determinantes das políticas públicas são as linhas estratégicas, lógicas institucionais e dinâmicas intelectuais (cognitivas e normativas), os quais devem ser identificados em cada momento e espaço. Os “Três is” trazem elementos explicativos relevantes para a compreensão dos fenômenos relacionados às políticas públicas. A articulação entre essas variáveis permite a criação de hipóteses e premissas complementares com base nas distintas dimensões, em que a comprovação ou negação devem ser testadas a partir das condições empíricas de cada política. Em

56 Outra forma de conceber a análise temporal é dividir as fases em emergência, institucionalização, questionamento e reforma, podendo ainda ser seguido de declínio ou desaparecimento (PALIER; SUREL, 2005).

termos analíticos, entende-se que os “Três Is” oferecem três questões a serem lançadas sobre cada elemento analisado: a) Que ideias e noções fundamentais lhe oferecem sustentação? b) Quais interesses lhes são confluentes e contraditórios? c) Quais as limitações e possibilidades diante das instituições formais e informais pré-existentes? Ou seja, atribui-se à análise empírica a identificação da variável central e sua articulação com as demais dimensões explicativas.

A presente análise sobre o Pronaf e o SEAF delimita como universo de estudo a fase operacional dessas políticas públicas, que se inscreve na grade sequencial da implementação. Contudo, o entendimento das dinâmicas levantadas nessa fase tem relação direta com a emergência do problema político e seu tratamento pelos mediadores administrativos. Nesse caso, busca-se nas definições normativas operacionais e em suas relações com os sistemas produtivos identificar os referenciais e as dinâmicas institucionais que orientaram a elaboração de tais políticas públicas. Tendo por base as ideias de sustentabilidade, a análise tem o caráter de avaliação, buscando identificar as contribuições e percalços de tais políticas públicas nas dimensões econômica, social e ambiental da agricultura familiar. A análise empírica junto a operadores e estabelecimentos agropecuários destinou-se a levantar ideias, interesses e instituições que indiquem como o uso da política pública altera as definições sobre os sistemas produtivos, identificando o papel institucional que assumem o SEAF e o Pronaf sobre a racionalidade técnica.

Para situar o momento e o espaço, a próxima seção faz uma análise preliminar da esfera pública brasileira, destacando as ligações entre as dimensões de política (polity, politics e policy), as alterações nos referenciais global e agropecuário, o controle do Estado por grupos de interesse e a dependência de trajetória que explica a forte continuidade institucional brasileira.

1.3 AS POLÍTICAS E OS REFERENCIAIS SETORIAIS AGRÁRIOS