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Articulação Pedagógica e colaboração docente

CAPITULO III – TRANSIÇÃO, GRADUALIDADE, E SEQUENCIALIDADE

9. Articulação Pedagógica e colaboração docente

As relações profissionais entre professores são assim, uma variável fundamental para a qualidade das práticas, para o desenvolvimento de programas de inovação e de mudança e para o bem-estar profissional. Segundo Mónica Thurler uma “cultura de cooperação” e de interdependência, ao exigir que os atores estejam investidos de uma “missão comum” decorre da existência de um forte consenso em relação aos objetivos e valores educativos e, ao proclamar um estilo de direção/gestão não autoritária mas, essencialmente, “visionária", torna-se num processo de difícil construção e, consequentemente, de consolidação prolongada (2001: 69-70).

Com efeito, uma forte “cultura de colaboração”, baseada na total comunhão dos objetivos, práticas e métodos pedagógicos e responsabilidades entre os atores escolares, parece ser aquela que, na perspetiva da autora, produz melhores efeitos quer ao nível da satisfação dos professores, quer ao nível da aprendizagem dos alunos, tornando-se assim, numa forte prioridade gestionária (Thurler, citado por Torres, 1995:116). Deste modo, as culturas dos professores e as relações com os seus colegas, influenciam de forma significativa a sua vida e trabalho, além de permitirem o desenvolvimento do professor e a forma como este ensina, a ponto de, o que acontece no interior da sala de

aula não pode estar separado das relações que são trabalhadas no seu exterior, uma vez que permitem aos professores aprender uns com os outros numa partilha de saberes e ampliar o conjunto das suas competências, fomentando o desenvolvimento profissional dos mesmos e das escolas. Neste sentido, segundo Hargreaves (2001:187) existem quatro formas gerais de culturas docentes, cada uma com implicações diferentes para o seu trabalho e para a mudança educativa, são elas respetivamente: o individualismo; a colaboração; a colegialidade artificial e a balcanização, mas apenas serão abordadas neste trabalho as culturas de colaboração e colegialidade artificial. As pesquisas demonstram que, a confiança que decorre da partilha e do apoio colegial conduz a uma maior disponibilidade para fazer experiências e para correr riscos e, com estes, a um empenhamento dos docentes num aperfeiçoamento contínuo, enquanto parte integrante das suas obrigações profissionais (Hargreaves (2001:209). Se a colaboração e a colegialidade são consideradas promotoras do crescimento profissional e do desenvolvimento das escolas a partir de dentro, também são largamente encaradas como formas de assegurar a implementação de mudanças introduzidas externamente.

O seu contributo para a implementação das reformas curriculares centralizadas constitui, a este respeito, um fator crucial (Hargreaves (2001:209; Dias, M.: 2002:55), ou seja, nas situações em que as reformas curriculares são produzidas nas próprias escolas, a defesa da colaboração e da colegialidade e o seu contributo não levantam grandes problemas (Hargreaves, 2001:210) a criação de relações colegiais produtivas e de apoio entre os professores tem sido considerada, desde há muito tempo, como um pré-requisito para um desenvolvimento curricular eficaz, fundado no estabelecimento de ensino.

Na génese política do agrupamento de estabelecimentos escolares ambiciona-se um ensino mais sequencial e articulado entre os diferentes níveis e ciclos de educação e ensino, com base no pressuposto de que o desenvolvimento de projetos comuns e a articulação pedagógica fomentam um trabalho mais colaborativo e de maior colegialidade entre os docentes, questionando o individualismo o isolamento e o

privatismo. Andy Hargreaves considera o individualismo, o isolamento e o “privatismo”

como formas peculiares da cultura do ensino, admitindo, todavia, outros tipos de culturas capazes de influenciar o trabalho dos professores. (2001:185).

Nesse sentido, a cultura da colaboração e da colegialidade têm sido salientadas como paradigmas fundamentais para a promoção da mudança nas escolas, do crescimento profissional dos professores e do desenvolvimento das escolas. Nas

culturas de colaboração, as relações de trabalho entre os professores tendem a ser espontâneas, voluntárias, orientadas para o desenvolvimento, estendidas no tempo e no espaço e imprevisíveis (Hargreaves, 2001: 216-217). Este tipo de colaboração dos professores com os seus pares surgem na organização e implementação de projetos e de forma vívida nos projetos que advém das iniciativas dos professores ou de origem externa, mas por eles assumidas, onde as relações de colaboração partem deles próprios e são sustentadas por estes, e resultam da perceção do valor que eles atribuem ao trabalho em conjunto. Estas relações de colaboração realizam-se, muitas vezes, em encontros informais, quase impercetíveis, breves mas frequentes, e os seus resultados são, muitas vezes, incertos e dificilmente imprevisíveis (Formosinho & Machado, 2009: 27). Segundo estes autores e de forma paradoxal,

O impulso para entrar numa ‘démarche’ de projeto emana, a maior parte das vezes, de um

ato exterior à ação planificada, com uma posição de poder em relação aqueles que nela estão efetivamente implicados”, ela “não é, à partida, obra dos próprios interessados, mas revela-se, a maior parte das vezes, produto de pressões externas, vindas de atores sociais

com os quais os interessados têm uma relação de subordinação de atividade” (Barbier,

1996: 127) (Formosinho & Machado, 2009:27).

Por isso, os projetos decididos por uns para serem implementados por outros transformam-se em situações de “colegialidade forçada” na medida em que a “colaboração entre os professores que implementam o projeto resulta de uma maior ou menor imposição administrativa que exige que os professores se encontrem e trabalhem em conjunto”. Esta colaboração torna-se uma obrigação direta ou indireta e orienta-se para a execução das determinações que provêm de outros decisores (internos ou externos). Esta participação “forçada” acaba por ter lugar em locais e tempos determinados e é concebida para produzir resultados de grau relativamente elevado de previsibilidade. Como atesta Hargreaves, nas situações de colegialidade forçada, as relações de trabalho dos professores com os seus colegas são reguladas administrativamente, compulsivas, orientadas para a implementação, fixas no tempo e no espaço e concebidas para serem previsíveis nos seus resultados e, nesse sentido, “a colegialidade artificial constitui uma simulação administrativa segura da colaboração”, ela “substitui as formas espontâneas, imprevisíveis e difíceis de controlar, da colaboração que são, pelo contrário, controladas, contidas e inventadas pelos administradores” (Hargreaves, 2001: 220).

É através do desenvolvimento de formas de relacionamento e associação colaborativas que a mudança pode ser trabalhada como um processo de ressignificação da prática. Significa dizer que no âmbito da educação a mudança não é resultado de

ações isoladas e individuais que, embora necessárias, não são suficientes; ela envolve o diálogo crítico, ético e político de cada um dos agentes presente no contexto educativo e, principalmente, do professor. Nesse sentido, ela é problemática, incerta e exige tempo (Fullan, 1991). Trata-se de uma ação solidária, construída na interação, nas trocas quotidianas e coletivas que acontecem no interior da escola a partir das condições concretas encontradas pelos seus profissionais.

É o desenvolvimento de uma visão comum e com sentido moral, mediatizado pelo conhecimento, que fomenta as alterações gradativas no modo de agir e de pensar dos atores sociais em interação num dado contexto de trabalho, provocando, assim, mudanças. É este entendimento que permite compreender a mudança e sua interface com a inovação como uma situação prenhe de possibilidades, as quais podem ou não serem alcançadas, conforme o empenho dos sujeitos envolvidos. Isto significa que a mudança em educação só é possível se contar com o apoio dos professores. Como diz João Formosinho, “a colaboração genuína entre os professores obriga a mudar a organização social do trabalho na Escola, e a mudança da organização social no trabalho de qualquer profissão é um processo lento” (2012:13)

Os níveis de participação/articulação poderão resultar em níveis aceitáveis de sequencialidade dentro do agrupamento, com a produção de percursos curriculares sequenciais entre os diferentes níveis e ciclos de ensino. Os docentes e as estruturas de gestão intermédia terão de conhecer o trabalho desenvolvido, dando valor aos níveis educativos antecedentes e consequentes conferindo-lhe unidade com o respeito pela especificidade de cada um:

De facto a escola assumir que quer articular curricularmente os diferentes níveis educativos de forma a favorecer um percurso sequencial e articulado é um fator importante, quer como base ideológica da política educativa da escola, quer como comprometimento público de que, ao longo do ano se irão desenvolver atividades para que tal aconteça (Serra, 2004: 98).

A revisão da literatura apresenta-nos, a par da cultura docente, as questões ligadas à mudança e inovação nas escolas e fatores que reduzem as resistências à mudança, mas parece-nos que a perspetiva de Hargreaves (1991: 49) de que “existe trabalho colaborativo quando há adesão espontânea das pessoas ao projeto” resume claramente um dos fatores que facilita a articulação. “Para a eficácia da ação pedagógica é importante o intercâmbio de conhecimentos, a partilha de experiências, o trabalho em equipa. Sem este intercâmbio e partilha não há comunidade docente e sem esta não é possível desenvolver projetos coletivos” (Formosinho, 2000: 63). Lima acrescenta: “os docentes não podem ser acusados em exclusivo pela falta de colegialidade nas escolas, é

necessário ter-se em atenção as condições organizacionais (horários, carga de trabalho, rigidez curricular, etc.) e também estruturais (organização de departamentos, espaços, formação académica e nível) em que o trabalho se desenvolve. Sugere-se ainda que constrangimentos organizacionais e estruturais não são de todo condicionantes dos padrões de interação colegial” (2002: 67, apud Neto Mendes, 2009:9).