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Capítulo 2 O percurso metodológico da pesquisa

2.1. As alternativas e as escolhas do caminho

Para a realização da pesquisa, tornou-se primordial traçarmos um caminho, um método que nos permitisse o contato com o fenômeno estudado - a construção identitária em mulheres negras, a partir de questões estéticas e da relação delas com o cabelo crespo. Em muitas pesquisas, o percurso metodológico nem sempre se faz presente ou é muito pouco explicitado e nos fica a impressão de que o material utilizado para a produção de conhecimento é um instrumento que se mantém numa reserva, aguardando o uso.

No decorrer do desenvolvimento do projeto de pesquisa, percebemos que o caminho metodológico foi uma fase em que despendemos considerável tempo e esforço e que foi primordial para que a pesquisa se consolidasse nos permitindo a construção desta dissertação. As escolhas metodológicas fizeram parte de um processo de certa forma custoso, marcado por constantes (re)formulações de escolhas. Nosso ponto de partida foi o entendimento de que essas escolhas devem fundamentar-se a partir do problema a ser pesquisado e do objetivo do/a pesquisador/a. Concordamos com Gamboa (2007), quando indica que o método é o modo pelo qual o pesquisador se aproxima do objeto, construindo seu quadro de referencial na pesquisa, e que por ser o caminho em direção ao conhecimento, vincula-se à concepção de realidade que se tem.

Deste modo, antes de delimitarmos a metodologia de pesquisa, algumas questões importantes foram retomadas. Primeiramente, não era parte dos nossos objetivos buscar um método capaz de obter conhecimentos exatos e universais, mediado pela objetividade. O fato de ser uma mulher negra, com uma trajetória de vida marcada por questões estéticas atuando

na construção identitária, nos impossibilitava da total separação da subjetividade da pesquisadora e da objetividade da pesquisa.

Compartilhamos com a posição de Maturana e Varela (1995) de que não há viabilidade no conhecimento “objetivo” de fenômenos (sociais), nos quais há o envolvimento daquele que descreve o fenômeno, uma vez que todo conhecer é uma ação da parte daquele que conhece e todo conhecer depende da estrutura daquele que conhece.

O produzir do mundo é o cerne pulsante do conhecimento, e está associado às raízes mais profundas de nosso ser cognitivo, por mais sólida que nos pareça nossa experiência. [...] O fenômeno do conhecer é um todo integrado, e todos os seus aspectos estão fundados sobre a mesma base (da experiência e percepção individual do ponto de vista de cada um) (MATURANA e VARELA, 1995, p. 61).

O que almejamos destacar é esta proximidade entre aquele que estuda e o objeto a ser estudado uma vez que pretendemos deixar transparecer a interferência da subjetividade e a mediação com aspectos pessoais nas várias etapas da pesquisa.

Um segundo alvo de nossas atenções se refere às mulheres que contribuíram na construção desta pesquisa. O uso do verbo colaborar e do adjetivo colaboradoras, sempre associado a estas mulheres, é reflexo de um posicionamento por nós adotado, no qual reconhecíamos o valor de cada uma delas, que mesmo com suas atribuições e preocupações diárias, nos recebiam com prontidão, interesse e dedicação para nos auxiliar com o que fosse necessário.

A questão racial, muitas vezes é silenciada na vida de negros e não negros. Este processo fica mais evidente quando pensamos neste silenciamento por parte de quem sofreu e/ou sofre situações de racismo e outras formas de discriminações, pois falar sobre essas experiências é relembrar o que passou e pode ser um modo de reviver e ressentir uma dor.

Cada vez que uma mulher se dispunha a contar para nós sua experiência e percepções sobre o ser negra, sabíamos que poderíamos com isto despertar inúmeros sentimentos, inclusive os dolorosos.Por isso, prezamos por uma postura humana e dialógica em nossa pesquisa.

Nosso trabalho se fundamenta também e principalmente, a partir de relatos fornecidos por estas mulheres. Algumas das histórias contadas eram assuntos escondidos ou guardados em baús da memória, de onde elas nem esperavam ter mais que expô-las. Precisávamos evidenciar que a pesquisa tinha comprometimento e que cada uma daquelas mulheres poderia nos confiar suas histórias e vivências.

Oliveira (2009) nos orienta que uma das formas de obter maior confiabilidade na pesquisa, é por meio da convivência, que é quando as pessoas se permitem colocar de forma clara e franca. Infelizmente, o tempo do curso de mestrado não nos permite um convívio intenso no sentido de se relacionar com as pessoas diariamente, porém, dentro do que nos cabia, buscamos conviver na perspectiva de coexistir nos espaços da pesquisa de forma a perceber e valorizar a existência do outro com quem conversávamos, e apesar do pouco tempo que “convivemos” com estas mulheres, a aproximação que conseguimos foi muito positiva e valiosa.

A questão do diálogo também se faz necessária nesta discussão. Diálogo na perspectiva freiriana consiste no encontro entre pessoas gerando troca, construção e reconstrução de conhecimento, uma relação solidária entre sujeitos que não acontece na opressão, e sim na barganha de cultura, de saberes, de experiências sempre objetivando a transformação do mundo em que vivemos e o combate às relações de opressão a que constantemente estamos sujeitos.

Concordamos com Luca (2012), que o diálogo possibilita um desvelamento que não tem limite final ou ponto de chegada, uma vez que a vida está em constante transformação.

Desvendar-se e desvelar o Outro, num eterno entrelaçar de significados. Dialogando expomos nossa essência e ganhamos mais consciência de nós mesmos, de nossas fragilidades e fortalezas, virtudes e limitações, o que queremos e com o que não concordamos, encontrando nosso lugar na sociedade, que nada mais é do que a expressão da nossa identidade [...] são sempre o resultado de um movimento constante de avaliação e reavaliação da nossa postura perante o mundo (LUCA, 2012, p. 591).

O que buscamos foi estabelecer uma relação dialógica com cada sujeito que colaborou com a construção de nosso trabalho. Pesquisávamos com eles e nunca sobre eles, pois reconhecíamos suas histórias, suas subjetividades e nos preocupávamos em resguardar suas posições enquanto sujeitos que atuam e modificam a realidade em que vivem - pesquisávamos pessoas e não objetos.

Procuramos a partir destas questões, compreender uma das práticas sociais na qual ocorre a construção identitária em mulheres negras e nas conversas com elas buscar que percebessem sua importância na elaboração do conhecimento científico.

Somos conscientes de que esta pesquisa nada seria sem a participação de cada uma dessas pessoas, a cada etapa de participação nos preocupamos com o retorno, com o permitir

que cada colaboradora tivesse acesso às suas falas, podendo modificar aquilo que não havia ficado suficientemente claro.