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1 “A parasita azul”

3. As artes da dissimulação

A história conhece um tipo da dissimulação, que resume todos os outros, como a mais alta expressão de todos: – é Tibério. Mas nem esse chegaria a vencer a dissimulação dos tibérios femininos, armados de olhos e sorrisos capazes de frustrar os planos mais bem combinados e enfraquecer as vontades mais resolutas. (Job, “Cinco mulheres”, 1865).

Machado de Assis desde suas primeiras contribuições para o Jornal das Famílias ofereceu tratamento particular a um tipo de personagem que ao longo dos anos tornou-se sua maior especialidade. A criação de personagens femininas que sabiam usar de outros recursos, que não o enfrentamento direto, para alcançar seus objetivos, pode ser encontrada em várias de

suas páginas. Desde seus clássicos romances tão bem analisados, 69 nesse sentido, quanto em suas primeiras histórias, escritas para o público feminino. São mulheres armadas de “olhos e sorrisos capazes de frustrar os planos mais bem combinados e enfraquecer as vontades mais resolutas”, como definiu Job. Entretanto, se esses não eram enfrentamentos diretos, também não poderiam ser compreendidos por quaisquer leitores. Compõem histórias escritas para público específico, mesmo dentro das “gentis leitoras”, assinantes do periódico. Isso quer dizer que as diferentes artimanhas usadas pelas personagens de Machado eram entendidas de maneira particular por cada uma de suas leitoras. Há nesses textos espaços de compreensão para leitoras de classes e experiências sociais diversas, dentre essas algumas mais e outras menos perspicazes, como Machado gostava de defini-las. Claro que a leitura de maneira alguma se restringe àquilo que o autor imagina, e disso sabia Machado de Assis, que usou dessa possibilidade como forma de garantir que o diálogo com as leitoras fosse além de suas expectativas, o que fez com que ele mesmo aprendesse algo.

Enquanto em algumas histórias os “tibérios femininos” são de difícil apreensão, ou pelo menos o são passados tantos anos de publicação, em outras o tom chega a ser claramente abusivo. “Miloca”, assinado por J.J., e publicado no Jornal das Famílias entre novembro de 1874 e fevereiro de 1875, está entre aquelas em que o autor mais brincou com a possibilidade de demonstrar os antagonismos de classe, para além do seu próprio escrito.70 Nessas páginas, em especial, cenas, personagens e diálogos poderiam ser facilmente interpretados de formas diversificadas, de acordo com cada leitura e leitor. Algumas dessas maneiras de ler o texto foram delimitadas pelo próprio Machado de Assis, conforme veremos a seguir. Primeiro a descrição da família da menina. Miloca era órfã de mãe, e fora criada pelo pai, Rodrigo, que,

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A bibliografia que trata das personagens femininas em Machado de Assis é prioritariamente referente aos seus romances. Algumas dessas análises pensam especialmente na personagem feminina dentro do romance machadiano como ponto central para compreender a história narrada. Neste sentido, destacam-se STEIN, Ingrid.

Figuras femininas em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1984; XAVIER, Therezinha Mucci. A personagem feminina no romance de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Presença, 1986; RIBEIRO, Luis Filipe. Mulheres de papel: um estudo do imaginário em José de Alencar e Machado de Assis. Niterói, RJ: EDUFF,

1996. Entretanto, as melhores análises estão mesmo em pesquisas que não se centraram na questão feminina dentro da obra, mas que não deixaram de estudar essa característica fundamental, como os livros de John Gledson, Roberto Schwarz e Sidney Chalhoub. De esses autores ver: GLEDSON, John. Machado de Assis:

impostura e realismo: uma interpretação de Dom Casmurro. São Paulo: Companhia das Letras, 1991 e Machado de Assis: ficção e história. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1986. SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1981; Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990 e Duas meninas. São Paulo:

Companhia das Letras, 1997 e CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador. Op. Cit.

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se já havia sido proprietário de armarinho “afreguesado”, no tempo em que se passava a história não podia mais contar com essa distinção, por não ter como competir com estabelecimentos mais modernos criados à época. Pai e filha moravam na Cidade Nova com uma parenta. D. Pulquéria da Assunção era viúva e cunhada de Rodrigo. Era senhora de seus sessenta anos que fora casada com um capitão de cavalaria morto em Monte Caseros. Quando resolveu ir morar com o cunhado, foi uma grande alegria. Isto por causa da menina, que precisava de alguém que pudesse fazer o papel de mãe. Ainda mais para Miloca que possuía idéias de compreensão tão complicadas. Com dezessete anos, ela começou a demonstrar alguma beleza natural que aos quinze ninguém suspeitaria. Entretanto, “não tinha (...) a viveza das moças da sua idade; era séria e empertigada demais”. Os rapazes admiravam as suas qualidades, enquanto as outras moças “puseram-lhe a alcunha de Pescoço de pau”, pois, quando saía não olhava para ninguém, por considerar o ambiente em que vivia inferior às suas vistas.71

Tudo corria bem naquela família. A grande preocupação de D. Pulquéria era apenas com “a altivez singular” de sua sobrinha. Ainda assim a perdoava, pois no resto era um modelo. Por esses tempos, foi à procura de Rodrigo, um rapaz chamado Adolfo que se dizia apaixonado, mas sem coragem para confessar o sentimento à amada. Fora imediatamente recusado pelo pai de Miloca, mas, como D. Pulquéria enxergava muito além do cunhado, discordou dessa atitude, pensando que talvez aquele poderia ser um excelente esposo para a sobrinha. Argumentava que Miloca era “uma rapariga muito metida consigo. Pode ser que não ache casamento tão cedo, e nós não havemos de viver sempre. Quer você que ela fique sem proteção no mundo?” 72 Bem pensado, a mulher até poderia ter razão. Partindo dessas indicações, o candidato a sogro buscou informações sobre Adolfo. Descobriu que o rapaz era tudo o que um pai poderia querer para sua filha: “As informações foram excelentes. Adolfo gozava de excelente reputação; era econômico, morigerado, laborioso, a pérola da repartição, o beijinho dos superiores. Nem com uma lanterna se encontraria marido daquela qualidade, tão à mão”.73 Decididamente D. Pulquéria era mais versada nesses assuntos do que o cunhado, e estava determinada a fazer alguma coisa para ajudar à “Providência Divina”. Essa senhora

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J.J. “Miloca”. In: Jornal das Famílias. Novembro de 1874. Pp. 338-339.

72

Idem. P. 339-341.

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confiava muito mais em seus próprios meios do que em acasos ou ajudas vindas do céu. Logo colocou em ação um de seus planos. Sua idéia consistia em fazer com que o rapaz freqüentasse a casa deles. Nisto foi auxiliada por um acidente sofrido por sua família, quando retornavam da apresentação de uma “peça da moda”.74 Neste ponto quem se divertia com os leitores era o narrador, pois, assim que o carro tombou, quem estava lá para socorrê-los era justamente Adolfo. Segundo J.J., dizer isto “seria supor que os leitores nunca leram romances”.75 Ainda assim ficou dito. E mais, agora havia algum motivo para transformá-lo em freqüentador da casa e possível namorado de Miloca. Calculava D. Pulquéria, mesmo que a sobrinha não ajudasse muito:

D. Pulquéria recebeu o pretendente com aquelas carícias que as velhas de bom coração costumam ter. Rodrigo desfez-se em solícitos cumprimentos. Só Miloca parecia indiferente. Estendeu-lhe a ponta dos dedos, e nem olhou para ele enquanto o mísero namorado murmurou algumas palavras relativas ao desastre. O intróito foi mau. D. Pulquéria percebeu isso, e tratou de animar o rapaz, falando-lhe com animada familiaridade.76

A tia se desdobrava para convencê-la de que Adolfo era boa escolha. Miloca pensava diferente – “Adolfo, um pé rapado...”. Apesar de pobre, equilibrando-se com uma renda minguada, a menina imaginava encontrar no casamento solução para os seus problemas financeiros. Jamais se casaria com Adolfo ou outro qualquer de mesma situação social. Mesmo que o pai e a tia tentassem fazer com que ela notasse que seu nascimento também não era “tão brilhante que pudesse ostentar tamanho orgulho”, ainda assim fingia não compreender. Pensava ter outras maneiras para alcançar seus objetivos, pois havia freqüentado como pensionista um colégio, onde “ficou em contato com as filhas das mais elevadas senhoras da capital”. Visitava a casa de algumas delas e podia ser que dessa forma encontrasse casamento mais de acordo com seus princípios. Além disso, contava com qualidade extremamente importante em pessoas de sua classe social. Como afirmava J.J, “Miloca

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Idem. P. 342.

75

J.J. “Miloca”. In: Jornal das Famílias. Dezembro de 1874. P. 354.

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possuía essa qualidade excepcional de ver sem olhar”.77 Foi assim que soube, antes de todos, do amor de Adolfo, e pretendia entrar para alguma família abastada.

Miloca e D. Pulquéria, ao contrário de Rodrigo e Adolfo, sabiam manipular as situações a fim de conquistar seus desejos. “O amor vem com o tempo”, afirmava D. Pulquéria, que tinha consciência do quanto era importante para a sobrinha ter alguém que a protegesse. A menina olhava para cima, e queria casamento mais vantajoso. Foi hostil com Adolfo, sem ceder em nenhum momento. Mal podia imaginar que dias piores ainda estavam por vir. Não tão ruins, se aquela história fosse realidade, objetava J.J. Isto porque “geralmente os dramas da vida humana são mais toleráveis no papel que na realidade”. Para o leitor, o melhor era ler e tentar apreender alguma coisa, pois essa era muito mais que uma daquelas histórias, que alguns estavam tão acostumados a ponto de prever o aparecimento de Adolfo, sem ser preciso enunciá-lo. Na história de Miloca, foi preciso gastar muito papel e tinta para narrar as desventuras da menina que pensava poder jogar com armas diferentes. Foi mesmo preciso fazer com que D. Pulquéria e Rodrigo morressem. É difícil de imaginar, mas Miloca fora, a partir desse momento, obrigada a aceitar favores. E o pior, o oferecimento havia partido de uma “família da vizinhança”. A sua única possibilidade era a de aceitar de bom grado a oferta, até que pudesse encontrar maneira mais aprazível para sobreviver:

Não tinha muito que escolher. Só uma carreira lhe estava aberta: a do professorado. A moça resolveu-se a ir ensinar em algum colégio. Custava-lhe isto o orgulho, e era com certeza a morte de suas esperanças aristocráticas. Mas segundo ela disse a si mesma, era isso menos humilhante do que comer as sopas alheias. Verdade é que as sopas eram servidas em pratos modestos...78

Essa a nova posição de Miloca. Sozinha e sendo obrigada a se contentar com “as sopas alheias”. Além do mais, se fossem servidas em pratos mais aristocráticos, talvez fosse mais fácil de aceitar, e até mesmo, quem sabe, retomar seus cálculos de se casar com algum herdeiro. Nem tudo estava perdido. Quando freqüentava o colégio, a menina soube fazer amizades, que pudessem socorrê-la, em situação como aquela. Nisso, “um anjo enviado do

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J.J. “Miloca”. In: Jornal das Famílias. Janeiro de 1875. P. 2.

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céu” apareceu para restitui-la ao lugar de onde pensava pertencer. Leopoldina entrou na história “como um deus ex-machina”. As duas eram puro contraste:

Leopoldina era o contraste de Miloca; tanto uma tinha de altiva, imperiosa e seca, quanto a outra de dócil, singela e extremamente afável. E não era esta a única diferença. Miloca era sem dúvida uma moça distinta; mas era mister estar só. A sua distinção precisava não ser comparada com outra. Nesse terreno também Leopoldina lhe levava muita vantagem. Tinha uma distinção mais própria, mais natural, mais inconsciente. Onde porém Miloca lhe levava a melhor era nos dotes físicos, o que não quer dizer que Leopoldina não fosse bela.79

Em suma, temos agora dois pólos opostos. Leopoldina possuía características adquiridas por meio de seu nascimento. Tudo nela era “mais natural”. Enquanto em Miloca, tudo era pura dissimulação, consciente de seus atos, palavras e gestos. Sua subordinação era irreal. Embora tenha aceitado a hospitalidade da amiga, “doía-lhe a posição dependente em que se achava”. Leopoldina também era habilidosa, e “empregou todos os esforços para disfarçar a aspereza das circunstâncias, colocando-a na posição de pessoa da família”.80 Cada uma tinha familiaridade com os seus próprios discursos, sabiam em quais lugares queriam chegar. Importava muito mais a J.J. discutir a situação de Miloca. Esta parecia ter conquistado seus objetivos. Agora fazia parte daquele círculo de pessoas que tanto sonhava. “Já não via todas as tardes o modesto boticário da esquina ir jogar o gamão com o pai; não suportava as histórias devotas de D. Pulquéria; não via à mesa uma velha doceira amiga de sua casa; nem parava à porta do armarinho quando voltava da missa aos domingos”.81 Eram outros os costumes. Mesmo assim ainda era apenas uma agregada da casa, nada mais. De acordo com seus planos, aquela situação tinha que ser provisória. O único caminho era mesmo fazer bom casamento, isso é, com vantagens financeiras. Mas como alcançá-lo, se seus pretendentes também desejavam o mesmo e ela não tinha vintém? Miloca parecia mesmo presa à sua situação social. No desfecho desse conto, Adolfo reaparece muito rico. Havia recebido, como de costume, uma herança, e se transformado em “um amável vadio”. Restava a ela tentar reconquistá-lo, e mais rápido do que se podia imaginar, estavam trocando cartas. Neste

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Idem.

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J.J. “Miloca”. In: Jornal das Famílias. Fevereiro de 1875. P. 33.

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aspecto, as táticas usadas pelo casal eram corriqueiras. Sobre suas correspondências, J.J. afirmava que, “qualquer das minhas leitoras (sem ofensa de ninguém), conhece mais ou menos o que se diz nesse gênero de literatura”.82 Dispensava os exemplos, para ser compreendido. Miloca estava agora muito perto de realizar sua tão almejada união. Isto o que todos acreditavam, tanto os personagens do conto, quanto as leitoras imaginadas. Para surpresa de alguns, a menina fugiu com Adolfo, sem se casar, e depois de algum tempo foi abandonada por ele.

Retomando o conto desde seu primeiro mês de publicação no Jornal das Famílias, podemos pensar melhor em suas leituras suscitadas. Em novembro de 1874, sua publicação aconteceu ao lado do último mês de um conto de Lara, “Muitos anos depois”, uma série de artigos de Filgueiras, e dos “Conselhos”, de Victoria Colonna. Foram publicados nesse mês o capítulo I, e o início do segundo capítulo. Tudo indicava que essa era mais uma história de namorados. Pois, além da caracterização das personagens, os leitores foram informados sobre o interesse de Adolfo por Miloca, e do desejo da tia da menina de casá-la com esse pretendente. Era história como tantas outras que sugeria a necessidade de encontrar no casamento proteção para depois da morte dos pais. No mês seguinte, juntamente com outro artigo de Figueiras, e com o início do conto, “Valério”, estava a continuação do capítulo II. D. Pulquéria continuava insistindo em tentar aproximar sua sobrinha do namorado a quem imaginava ideal. Por outro lado, Miloca fingia não perceber o interesse do rapaz. O lado mais ambicioso da menina também começava a demonstrar seus primeiros traços. Eram a sua vontade de se mudar para o Catete e a maneira como recusava o namoro. Segundo ela, não se casaria sem amor, e “por mais digno que seja o noivo”, este valia o mesmo que “um vendedor de fósforos”. A história de namorados começava a tomar um traçado inesperado, para aquele que tivesse começado sua leitura no mês anterior. Talvez surpreenderia por apresentar personagem tão ambiciosa, que negava se casar por motivos claramente relacionados à falta de condições financeiras do noivo. Por vias sinuosas, Miloca aliava amor a dinheiro. Em janeiro de 1875, o conto foi publicado ao lado da continuação de “Valério”. Trazia o capítulo III e o começo do quarto capítulo. Adolfo fora de forma cruel descartado pela menina. Miloca não era caracterizada simplesmente como moça que procurava se casar com alguém por ela

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escolhido, conforme os leitores acompanhavam naquelas páginas e poderiam esperar que se repetisse nessa história. Por outro lado, sua família apresentava características necessárias para educar suas filhas, segundo alguns colaboradores do periódico. Tentava de todas as formas modificar a maneira dela pensar. A justificativa para seu “desvio” de caráter, aparecia como referente ao fato de Rodrigo ter oferecido à filha educação correspondente a de moças de outra classe social. Alguns leitores mais interessados em leituras que servissem como complemento à educação de suas filhas provavelmente esperavam alguma forma de corrigir as características de Miloca. Outros se surpreenderiam com a obstinação da menina de procurar no casamento solução para seus problemas financeiros. E ainda havia a possibilidade de ler esse conto apenas interessando-se pela esperteza de uma moça pobre que brincava com os preceitos à época que afirmavam que as mulheres deveriam se casar com o objetivo de apenas dar continuidade à família. Esses casamentos eram vistos como uma negociação. E era exatamente isso que Miloca fazia. Contudo, os papéis estavam invertidos, porque ela era quem pretendia melhorar de vida por meio de seu casamento. Ainda nesse mesmo mês de janeiro, aqueles que esperavam a correção para Miloca começavam a ter seus desejos atendidos pelo narrador. Miloca perdia seu pai e tia, e era obrigada a aceitar favores. Finalmente, em fevereiro de 1875, ao lado de histórias com forte tom moralizador, como “Evangelina” 83 e “A virtude laureada” 84, o conto apresentava desfecho surpreendente, mas que por outro lado deveria atender as expectativas de muitos de seus leitores. Miloca passou a ser dependente de uma de suas amigas da época do colégio. Também não conseguiu se casar, já que os objetivos de seus pretendentes eram os mesmos que os seus – casar-se por motivos financeiros – e ainda viu o retorno de Adolfo, que havia se tornado um rico herdeiro. Em parte era o castigo para a personagem, pois, se ela tivesse se casado, como sugerira sua família, teria conquistado seu objetivo. Para que a lição ficasse mais clara, J.J. fez com que a menina fugisse com Adolfo sem se casar e depois fosse abandonada por ele. Como última frase, o narrador reafirmava a possibilidade de ler o conto de diferentes formas e ainda oferecia aos leitores o espaço de eles mesmo escolherem o melhor fim para sua personagem:

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“Evangelina” era publicado por Heitor da Silveira, desde o mês anterior.

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Miloca desapareceu tempos depois. Uns dizem que se fora à cata de novas aventuras; outros que se matara. E havia razão para ambas estas versões. Se morreu a terra lhe seja leve!85

O que quero demonstrar com isso são os caminhos abertos pelo literato para que seus leitores lessem a mesma história com interpretações diferentes. Havia a leitura em que Miloca aparecia como personagem dependente que tentava por meio do casamento mudar de situação social. Era a menina dissimulada e ambiciosa. Por outro lado, já que o conto fora publicado durante vários meses seguidos, isso fazia com que os leitores pudessem trilhar espaços variados. O conto também poderia ser entendido como mais um de meninas namoradeiras, ou como história com a intenção de passar lição, tanto às de timbre da personagem, quanto aos pais que deveriam saber como educar suas filhas. Enfim essas eram questões que dependeriam da experiência de seus leitores e até mesmo da forma pela qual eles liam – se acompanhavam de mês a mês, se liam e reliam as mesmas páginas, ou se esperavam até que o número se completasse. Vale lembrar que essas possibilidades de leituras foram abertas pelo próprio Machado de Assis. Eram as leituras por ele imaginadas.

Depois da personagem Miloca, foi a vez de D. Joana.86 Esta era uma “senhora de quarenta e oito anos, rija e maciça”. A história tem início em setembro de 1868, quando João Barbosa decidira se casar. João Barbosa havia herdado de seu pai e tio grande soma de bens, e convertido todos os “cabedais” em títulos do governo e alguns prédios. Era viúvo com apenas