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1 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1.2 As assimetrias de gênero e as relações de trabalho no Brasil

A forma como as desigualdades profissionais se estabelecem entre mulheres e homens, embora as primeiras possuam, por vezes, maior nível de escolarização que os últimos (GUIMARÃES, 2002; LIMA, 1995; ROSEMBERG; ANDRADE, 2008; SILVA; BRANDÃO; MARINS, 2009), são construídas e naturalizadas, em nossa sociedade, sem que haja, de fato, uma compreensão dos aspectos imbricados nessas relações.

Por meio de um primeiro olhar, podemos equivocadamente compreender que

[...] as escolhas ou os modos de inserção no mundo do trabalho sejam reflexo de preferências naturais, aptidões natas, capacidades e desempenhos distintos entre homens e mulheres. No entanto, se observarmos com atenção, veremos que a distribuição de homens e mulheres no mercado de trabalho e as desigualdades decorrentes podem ser socialmente compreendidas e atribuídas às assimetrias de gênero (CENTRO LATINO AMERICANO EM SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS, 2009, p. 40, grifo no original). As assimetrias observadas, nos espaços de atuação profissional entre mulheres e homens, são construídas historicamente e possuem suas bases alicerçadas em questões de gênero e, no caso brasileiro, também em questões raciais, o que evidencia a existência da interseccionalidade entre essas variáveis. Biroli e Miguel (2015, p. 29) consideram que não só gênero e raça, assim também aspectos como

[...] geração, sexualidade, etnia, localização no globo (ou mesmo a região em um país determinado) ou algum tipo de deficiência física, são também importantes na construção da posição social dos diferentes grupos de pessoas, contribuindo para produzir as suas alternativas e os obstáculos que se colocam para sua participação na sociedade.

Trazendo as discussões para as diferenciações que se estabelecem entre os trabalhos tratados como femininos e masculinos, Teixeira e Carrieri (2013) ponderam que possuem sua herança na construção da ideia de que o espaço público seria destinado aos homens e o espaço privado seria destinado às mulheres. Mesmo que o homem participe da execução dos trabalhos domésticos, sua contribuição funciona como ajuda, o que faz com que sua responsabilidade seja menor em relação à da mulher. Assim, equivocadamente, naturalizam-

se comportamentos, lugares para se estar e até mesmo profissões para se atuar, em que as mulheres permanecem em uma situação de subalternidade em relação aos homens.

Alia-se às questões anteriormente apresentadas, a compreensão de que o trabalho da mulher seja “leve” e o trabalho do homem seja “pesado”. Ao fazer um estudo acerca das distinções entre os trabalhos realizados por crianças, mulheres e homens, no meio rural brasileiro e as disparidades salariais entre estes sujeitos, Maria Ignez Silveira Paulilo (1987) constatou que o trabalho recebe a denominação de “leve” ou “pesado” em função das pessoas que o executam e não pela natureza deste trabalho. Conforme a autora, inconscientemente acredita-se que

[...] mulheres e crianças desempenham certas tarefas porque, de fato, estas são „leves‟ por sua própria natureza. Mas não é bem assim. Na verdade, qualifica-se o trabalho em função de quem o realiza: são „leves‟ as atividades que se prestam à execução por mão-de-obra feminina e infantil. Importa destacar que essa classificação está associada a diferentes remunerações: maior para o trabalho „pesado‟, menor para o „leve‟, mesmo que ambos demandem o mesmo número de horas ou que o esforço físico exigido por um tenha como contraponto a habilidade, a paciência e a rapidez requeridas pelo outro. O que determina o valor da diária é, em suma, o sexo de quem a recebe (PAULILO, 1987, p. 65).

Segundo a interpretação da autora, é possível observar que aspectos como delicadeza, habilidade para realização de serviços manuais e paciência são características das próprias mulheres e crianças e o homem se associa ao braçal e à força física. Ou seja, tais classificações foram erroneamente construídas e baseadas somente em questões de gênero. A conclusão da autora reforça ainda mais esta compreensão, ao considerar que

[...] „trabalho leve‟ não significa trabalho agradável, desnecessário ou pouco exigente em termos de tempo ou de esforço. Pode ser estafante, moroso, ou mesmo nocivo à saúde – mas é „leve‟ se pode ser realizado por mulheres e crianças. Fica a pergunta: por que se paga menos pela realização dessas tarefas? A resposta não deve ser procurada em realidades especificadas das regiões estudadas ou do próprio meio rural como um todo. Essa situação ocorre da valorização social do homem enquanto „chefe de família‟, responsável pela reprodução de seus „dependentes‟. Assim, o trabalho desses últimos fica em plano secundário, cabendo, nestes casos, uma remuneração que apenas „ajuda‟ a composição do orçamento familiar. A conclusão, portanto, é clara: o trabalho é „leve‟ (e a remuneração é baixa) não por suas próprias características, mas pela posição que seus realizadores ocupam na hierarquia familiar (PAULILO, 1987, p. 70).

Adicionando às questões de gênero as questões raciais, Lima (1995, p. 491) acrescenta que, diante da “significativa representação da população negra nos patamares inferiores da

sociedade, as mulheres desse grupo de cor compõem uma parcela significativa da força de trabalho feminina empregada nos serviços mais desqualificados, principalmente o serviço doméstico”. Interpolando uma posição mais completa, Biroli e Miguel (2015) salientaram que a junção da questão racial à questão de gênero, ou seja, a intersecção desses fatores, influencia na localização de alguns sujeitos em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade. Para a autora e o autor, uma categoria não se sobrepõe à outra, antes porém, permite melhor descrição da realidade.

Ao se afastar dessa possibilidade naturalizada, no ideário do senso comum de atuação, apenas no espaço doméstico, em virtude de sua condição de gênero, a mulher encontra muitas dificuldades de inserção nos espaços públicos. Aliando-se a esse aspecto, existe a compreensão de que o serviço executado pela mulher no espaço público, seja “leve”, de que sua renda seja complementar à do homem e, em alguns casos, de que a “raça” tende a determinar o serviço a ser executado. Tais postulações indicam que as mulheres, em especial as mulheres negras, estão em uma situação de subalternidade profissional.

Mediante as considerações aqui expostas, considero que as diferenças nos postos ocupados por mulheres e homens, no mercado de trabalho brasileiro e, consequentemente, as discrepâncias observadas, quanto aos salários que recebem, possuem suas bases assentadas em questões de gênero e, na maioria dos casos, também em questões raciais evidenciando, dessa forma, que existe uma interseccionalidade entre esses aspectos.