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1 MULHERES NEGRAS NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA UFLA

1.1 Condições de acesso

1.1.2 Educação Básica

Sobre as escolas em que as estudantes realizaram seus estudos em nível Fundamental e Médio, um pouco mais de 80% das participantes afirmaram haver realizado toda a etapa da escolarização básica em escolas públicas.

Quando perguntadas se consideravam que a formação básica a que tiveram acesso havia lhes preparado para estar na universidade, 13 estudantes consideram que sim, atribuindo o sucesso a bons professores, ao comprometimento da família, ao interesse pessoal em alcançar metas, a materiais didáticos adequados e à boa formação oferecida por colégios públicos militares e federais.

Uma das entrevistadas, nomeada Mariele, autodeclarada negra, estudante do curso de pedagogia presencial, trouxe em sua fala um ponto interessante a ser discutido. Quando lhe perguntei se considerava que sua formação básica havia lhe preparado, para estar na universidade e, de que forma, sua resposta evidenciou uma dura realidade do ensino público brasileiro:

Em alguns pontos sim. Eu acho que eu tive um pouco de sorte. Digamos assim, eu tive alguns professores que eles acreditavam muito no meu potencial em particular e no potencial da turma que eu estava, que inclusive foi uma grande exceção, que boa parte da turma que me acompanhou no fundamental acabou indo comigo para o ensino médio mesmo trocando de escola e foi a turma que mais teve gente que ingressou na UFLA no D.M. (Nome da escola).

As palavras “sorte” e “exceção” evidenciam a percepção de Mariele quanto às escolas públicas brasileiras, a que a grande maioria da população negra tem acesso em função de sua condição socioeconômica. Embora o acesso e a universalização da educação básica estejam presentes nos discursos políticos, sua manutenção e qualidade não são garantidos. A esse respeito, Silva, Brandão e Marins (2009, p. 30) analisam que

[...] a tendência à universalização do acesso aos sistemas públicos de ensino não corresponde à elevação, e podemos dizer que nem mesmo à manutenção, da qualidade dos serviços oferecidos pelos governos. [...] o fato é que a expansão da educação pública no Brasil se dá em concomitância com a transferência das parcelas mais ricas da população para sistemas privados de educação.

Em relação a isso, Góis (2008, p. 751) assegura que diante da

[...] existência de um amplo setor privado ofertando um ensino supostamente de melhor qualidade nos níveis fundamental e médio contribuiu para ampliar

o já largo fosso social existente entre ricos e pobres e, por extensão, o fosso que separa brancos de negros. Estes últimos, situados nos estratos mais pobres da população, geralmente não podem ter acesso a educação fundamental e média de qualidade do setor privado, o que limita as suas possibilidades de continuação dos estudos no nível superior em carreiras mais concorridas ou mais valorizadas.

As outras 10 estudantes consideram que não estavam preparadas, para estar na universidade, mediante a formação básica a que tiveram acesso. O insucesso foi atribuído à má administração dos conteúdos escolares, ao descaso do poder público, à precariedade da educação pública, à aprendizagem de conteúdos “desnecessários” ao curso escolhido no ensino superior, à desvinculação do ensino ministrado nas escolas públicas do que é exigido no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e à existência de maus professores na educação básica.

Também neste aspecto uma das colaboradoras, aqui nomeada Cristina, autodeclarada preta, estudante do curso de Administração Pública presencial, traz em sua resposta a dura realidade da educação básica pública brasileira:

Estudei a vida inteira em escola pública e todos sabemos que o ensino deixa muito a desejar. Quando entrei no meu curso, fui reprovada em matemática, tendo que cursar duas vezes a disciplina para ser aprovada. Isso tudo porque eu sequer aprendi sobre funções (acreditem, funções de primeiro grau). Não sei como fazer uma regra de três, nem nada básico da matemática. No quinto ano aprendemos sobre isso (ou pelo menos deveríamos) mas tive o azar de ter uma professora que além de desequilibrada, não sabia ensinar. O problema do não entendimento está com certeza no modo como algo nos está sendo explicado, além disso o método do ensino público é extremamente ineficaz, o que torna a sala de aula uma verdadeira baderna: os alunos desinteressados acabam por não deixar os demais prestarem atenção, o que prejudica todo o andamento da aula. Cheguei na UFLA sem saber ABSOLUTAMENTE NADA, portanto tenho que correr muito atrás pra competir com os colegas filhos de fazendeiro que estudaram a vida toda em escola particular! (Caixa alta no original).

A precariedade econômica a que os negros estão submetidos exerce forte influência no insucesso que terão no vestibular, em cursos de maior prestígio social/concorrência, pois quem tem condições de pagar boas escolas na educação básica, consegue acessar aos cursos mais valorizados e, em universidades públicas, enquanto os que precisam frequentar as escolas públicas, na educação básica, irão procurar pelas universidades particulares e por cursos menos valorizados socialmente, em virtude dos valores a serem pagos e também por precisarem trabalhar no período diurno enquanto cursam o ensino superior no período noturno.

A seguir, apresento uma tabela com as modalidades de estudos, realizados pelas estudantes, durante a educação básica.

Tabela 5 - Modalidade de estudo na educação básica.

Modalidade de estudo Número de estudantes

Parte em escola pública e parte em escola particular com

bolsa de estudos 1

Parte em escola pública e parte em escola particular sem

bolsa de estudos 2

Todo em escola particular com uso de bolsas de estudos 1 Todo em escola particular sem uso de bolsas de estudos -

Todo em escola pública 19

Total 23

Fonte: Da autora, 2019.

Alerto para o fato de que nenhuma das participantes estudou, integralmente, em escolas particulares com recursos próprios, demonstrando, desta forma, a precária condição socioeconômica do grupo familiar a que pertencem.