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As Companhias de Exploração dos Recursos Minerais e os Conflitos

rentes de como as políticas e estratégias para esta devem ser traçadas e imple-

2.3. As Companhias de Exploração dos Recursos Minerais e os Conflitos

Os mega-projectos são actividades de investimentos e produção com característi- cas especiais. Primeiro a sua dimensão defini- da pelo montante de investimento e seu impacto na produção e comércio é enorme. De acordo com Branco (2008:2), os mega- projectos são área quase exclusivamente de intervenção de grandes empresas multina- cionais por causa dos elevadíssimos custos das qualificações e especializações requeri- das, da magnitude das condições competiti- vas e especialização dos mercados fornece- dores e consumidores, geralmente domina- dos por oligopólios e monopólios. Estas empresa, geralmente, exercem controlo sobre os mercados em que ou com que ope- ram. Em economias menos desenvolvidas, como a de Moçambique, estas empresas

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podem exercer considerável poder. Por exemplo, a BHP Billiton, principal accionista da Mozal e das areias minerais de Chibuto tem portfólio de investimento em Moçambi- que superior a 40% do PIB Moçambicano o que lhe confere enormes vantagens na negociação política com as instituições públicas.

Segundo Santos (2012:232), As grandes multinacionais, exercem as suas actividades com muito pouca regulação estatal, cele- bram contratos que lhe permitem o saque das riquezas com mínimas contribuições para o orçamento de estado, violam impunemen- te os direitos humanos das populações onde existem recursos, procedendo ao seu reas- sentamento (por vezes mais de um num pra- zo de poucos anos) em condições indignas, com o desrespeito dos lugares sagrados, dos cemitérios, dos ecossistemas que têm organi- zado a sua vida desde há dezenas ou cente- nas de anos. Sempre que as populações pro- testam são brutalmente reprimidas pelas for- ças policiais e militares.

Os mega-projectos são transformadores, isto é, alteram a vida das comunidades locais (para o bem ou para o mal) mudam a geografia local de forma rápida e visível entre outras consequências. É deste processo de alteração da vida das comunidades que, se não observados de forma detalhada os aspectos quantitativos e qualitativos da vida da população directamente afectada, é que surgem os conflitos motivados pelas questões de justa compensação. Tomando como exemplo o Mega-projecto de Areias Pesadas de Moma (Kenmare); Mega- projecto de Carvão Mineral de Moatize (Vale); procuraremos analisar a actuação dessas grandes empresas mineradoras para verificar sua influência nos conflitos inerentes dessa actividade.

2.3.1. Mega-Projecto de Areias Pesa-

das de Moma

O Mega-projecto de areias pesadas de Moma fica a sul da Província de Nampula e é desenvolvido pela multinacional irlandesa Kenmare (em Moçambique, Kenmare Moma Mining), desde Outubro de 2007, apesar da exploração ter começado, na prática, em

Abril daquele ano. Documentos oficiais da empresa e do Governo indicam a data de 19 de Outubro de 2007 por ser a data da inauguração oficial da refinaria, numa ceri- mónia dirigida pelo antigo Presidente da República, Armando Guebuza. Das areias pesadas de Moma são extraídos três miné- rios, nomeadamente, rutilo, zircão e ilmenite. As instalações da Kenmare têm capacidade para produzir, anualmente, 800.000 tonela- das de ilmenite, 56.000 toneladas de zircão e 21.000 toneladas de rútilo (Selemane,2010).

Os projectos de desenvolvimento minei- ro, podem exigir reassentamento de pessoas, situação que é considerada socialmente e economicamente perturbadora, pelo facto de, as companhias não conseguirem propor- cionar compensações adequadas para a desapropriação da terra bem como outras experiências negativas que afectam as comunidades locais no processo de reassen- tamento, (Open Society Institute, 2005:130).

No caso da Kenmare Para construir a sua fábrica de processamento de areias pesadas na localidade de Topuito, em Moma, a Kenmare precisou de transferir os habitantes daquela localidade para uma outra. Topuito era habitada, desde há muitos anos, por várias centenas de pessoas. Essa transferência envolveu não só pessoas e bens como também o cemitério que existia em Topuito. Fontes da Kenmare garantem que o processo de reassentamento foi com- plexo. (Selemane, 2010).

As negociações foram lentas porque “muita gente procurou aproveitar-se da situação para passar a ter melhores casas no bairro de reassentamento.” Os moradores de Topuito também acham que o processo foi muito difícil, “Em parte, custou-nos muito a negociar com a empresa por que não vinha cá ninguém do Governo, o diálogo é quase nulo. O reassentamento foi feito com muita pressa. Quando estávamos a mudar prome- teram dar-nos dinheiro, mas nunca mais. Água que nos tinha sido prometida, até hoje nada! A empresa não nos consulta em nada, apenas vem ter connosco depois das deci- sões tomadas lá em Maputo, para nos dar o relatório. Gostaríamos de ser representados nos encontros entre o Governo e a empresa. Olha que se nós não aceitássemos sair das

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nossas terras, a empresa não se estabelece- ria”. Neste processo de reassentamento não tardou haver lamentações por parte da população afectada, pelo facto de, a Ken- mare ter transferido apenas uma parte do cemitério de Namalope para Mutiticoma. “Assim, estamos impedidos de venerar alguns dos nossos defuntos.”, Lamentam. Além des- te facto, varias promessas que a empresa havia feito nunca mais fôreis compridas.

De 2007, data início do processo de reassentamento até 2010 o novo bairro ainda continua com vários problemas que desde a data da sua chegada vem enfrentado, pro- blemas tais como: falta de água, inexistência de hospital, mercado e de escola por perto. Dendja (2015) refere que muito dos desen- tendimentos que existe entre a Kanmare e a população são derivadas de várias promes- sas feitas pela empresa, que nunca foram compridas. A população sente-se privada de usufruir dos seus benefícios na qual tinham sido negociados antes de serem reassenta- das. Muitas das promessas feitas a popula- ção não foram compridas. Isso pode aumen- tar o gradiente de frustração que é a dife- rença entre as expectativas e as capacida- des de respondê-las. E se não acautelados os direitos dessas populações podem levar a conflitos.

2.3.2. Mega-Projecto de Carvão Mineral

da Empresa Vale Moçambique em Moati-

ze

O carvão mineral de Moatize foi conces- sionado à empresa brasileira Vale Moçambi- que, propriedade da gigante Vale (ex- Companhia Vale do Rio Doce). Em Junho de 2007, o Governo assinou um contrato mineiro e atribuiu uma concessão mineira à Empresa Vale Moçambique, uma empresa do grupo CVRD. A CVRD havia sido seleccionada atra- vés de um concurso internacional, aberto pelo Governo em 2004. Após um Memoran- do de Entendimento, assinado nesse ano, a Vale Moçambique elaborou os estudos finais de viabilidade técnico-económica e planos de desenvolvimento das minas e infra- estruturas.

Consta que a CVRD pagou pela conces-

são de Moatize cerca de 120 milhões de USD, mas essa verba nunca foi inscrita no Orça- mento do Estado. (CIP, 2009) A exploração do carvão de Moatize será efectuada atra- vés de mineração a céu aberto, com uma capacidade, na fase de plena exploração, de cerca de 26 milhões de toneladas de car- vão bruto por ano, prevendo-se para 2010 o início da produção. Após o tratamento do carvão, obter-se-á cerca de 8,5 milhões tons/ ano de carvão de coque e 2 milhões tons/ ano de carvão de queima, ambos para exportação. Tal como a Kanmare, a Vale teve que transferir a população das zonas onde procuram operar para zonas novas, geralmente longe das instalações da Vale.

O plano de reassentamento previa a transferência de 1313 famílias, com igual número de casas. A empresa pretendia distri- buir às pessoas com base no seu estatuto social, separando as “rurais” das “semi- urbanas”. De acordo com o relatório do CIP, a Vale Moçambique transferiu, de 9 de Novembro de 2009 a 28 de Abril de 2010, mais de 760 famílias (das 1313 registradas) que habitavam nas zonas de produção de carvão mineral no município da Vila de Moa- tize. A Vale começou a transferir as pessoas afectadas pelo seu empreendimento a 1 de Novembro de 2009.

O Centro de Integridade Pública refere que as famílias chamadas “rurais” acham que as casas que lhes foram atribuídas são de péssima qualidade. Falam mesmo de uma “burla” perpetrada pela Vale, visto que o projeto de construção das casas para os reassentados previa a construção, em pri- meiro lugar, de uma “casa-modelo”. Esse modelo de casa seria replicado nas restantes construções. Ora, aconteceu que a Vale fez (ou mandou fazer) uma boa casa-modelo, que foi apresentada tanto ao governo como aos líderes comunitários, cujas populações iriam habitar. Entretanto, na hora de construir as restantes casas, essas foram mal feitas, sem fundações, vigas e nem pilares. Por cau- sa desses problemas, 28 famílias recusaram receber as casas, alegando vários proble- mas: rachas nas paredes, deficiências no teto, com compartimentos inferiores aos que tinham nas suas antigas casas, falta de gra- des de segurança, varandas entre outros.

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A Empresa Vale previa concluir o reas- sentamento de Moatize a 25 de Junho de 2010, mas tal não foi possível porque o pro- cesso foi interrompido várias vezes devido a chuva e a desentendimentos entre as famí- lias a serem transferidas, a empresa e as autoridades governamentais, em questões de compensações, datas e horas de mudan- ças. Até Julho de 2010, estavam ainda por reassentar 50 famílias em Cateme e 40 no Bairro 25 de Setembro. Não só não foram cumpridos os prazos de reassentamento como também as indemnizações devidas às famílias que se recusaram a ir para os bairros de reassentamento estão atrasadas, estando neste momento 30 famílias à espera de rece- be-las. Tal como sucedeu em Moma com os reassentamentos da Kenmare, em Moatize, a população nunca concordou com a transfe- rência do cemitério que ali existia. Mas, como os processos não avançam consoante a concordância ou não da população, a transferência do cemitério consumou-se.

Das várias promessas feitas à população no que concerne aos benefícios que advi- riam no processo de reassentamento, a maior parte delas não foram compridas, o que deixou a população descontente e cul- minou com a realização de uma manifesta- ção no dia 10 de Janeiro de 2012, onde cer- ca de 700 famílias reassentadas em Moatize, manifestaram-se contra a mineradora brasi- leira Vale, exigindo o cumprimento de pro- messas feitas pela empresa para a melhoria das suas condições de vida. Os manifestan- tes impediram a circulação de um comboio (trem) de carvão mineral que deveria ter partido de Moatize com destino ao Porto da Beira, província central de Sofala, de onde seguiria para os mercados de exportação.

Vale a pena observar, que a quando a eclosão da manifestação, um forte contin- gente policial foi acionado, as autoridades governamentais, não tardaram, mandaram a FIR (Força de Intervenção Rápida), para reprimir a população, torturando-a, com recurso ao bastão, armas de fogo, designa- damente as AK47, num ato claro de violação dos direitos humanos. O jornal adianta que a Vale sempre recorre à PRM e FIR para repri- mir greves dos trabalhadores e manifesta- ções populares que reclamam por melhores

condições de trabalho e de habitação no reassentamento e cumprimento de promes- sas feitas pela Vale.Como observamos, trata -se de um conflito originado pela natureza do processo de reassentamento em si pro- movido pela Vale e que foi sendo mal gerido por esta empresa e pelos governos central, provincial e local.

Em suma, os mega-projectos de minera- ção de Moma e de Moatize foram implanta- dos com demasiados erros, que eram absolu- tamente evitáveis, se tivesse havido mais transparência e inclusão da parte do Gover- no, e se tivesse enveredado por um diálogo mais profundo e franco, tanto com as mine- radoras como com a população directa- mente afectada. As pessoas afectadas são sempre tratadas como meros objectos dos reassentamentos e que devem, por isso, limi- tar-se a obedecer aos padrões que as empresas ditam. Quem ousa discordar ou sequer questionar os termos e mecanismos de compensação é acusado de estar contra o “desenvolvimento”.

O processo de reassentamento de Topui- to (Moma) terminou e passam já seis anos sem que se consiga resolver os problemas básicos: abastecimento de água e sanea- mento do meio. O reassentamento de Cate- me (Moatize), contínua envolta numa paz armada, com milhares de descontentes, casas rachadas, governo distrital impotente diante duma gigante como a Vale. Quer no caso da Kenmare quer no da Vale, autorida- des governamentais locais sentem-se impo- tentes de agir contra essas empresas porque sabem que elas (as empresas) estão muito ligadas a altos dirigentes do país. Por exem- plo, “as relações da Vale junto das autorida- des moçambicanas são fortes, sendo que Roger Agnelli, o presidente-executivo da empresa, na governação do Presidente Armando Guebuza, foi seu assessor para questões de âmbito internacional” (Jornal O País”, 2010).

A ausência de políticas e práticas do Estado que protejam os interesses públicos fica explicada pelo conflito de interesses, pelas “costas quentes” de que goza o capi- tal estrangeiro – factores que tornam os governantes de baixo nível incapazes de agir por medo de ferir interesses “das elites políti-

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cas.” e verifica-se cada vez mais um descon- tentamento por parte da população que em vez de se beneficiarem com o processo de exploração dos recursos, são submetidos a viverem em condições desumanas e poucas vezes se sentem representadas pelo governo. Esta situação já foi observada em alguns Estados da África Subsahariana que com tantos recursos minerais estratégicos que podiam impulsionar o desenvolvimento eco- nómico e social, viram estes recursos a trans- formarem-se em maldição.

Considerações Finais

Os recursos naturais ganharam uma dinâmica no epicentro dos conflitos, em Áfri- ca, da década 1990 em diante, seja pela sua abundância ou escassez. Na África Sub- sahariana há vários exemplos de conflitos motivados pela questão da exploração de recursos naturais, onde Estados mais pobres e ricos em recursos naturais, encontram-se perante uma maior predisposição para a eclosão de uma guerra civil e outro tipo de violência motivada pelo acesso, controlo e comercialização deste tipo recursos. Este cenário que se vive na África levou com que algumas pessoas a descreverem a descober- ta e exploração de recursos naturais em Áfri- ca como uma praga.

A natureza dos conflitos, na África Subsa- hariana, é complexa e diversificada, visto que contém raízes históricas baseadas na exploração colonial e que se estendeu aos interesses das multinacionais e grandes potências e complexos minerais industriais, bem como na ganância das autoridades políticas africanas. Esta natureza dos confli- tos, embora complexa e particular a cada caso, segue características comuns a quase todos os países que se resumem nos seguin- tes: ausência de instituições burocráticas sóli- das, instabilidade política; má distribuição de renda; falta de assistência básica em saúde e educação; taxas de crescimento negati- vas ou baixas; dependência das exporta- ções de commodinties e apoio internacional segmentado.

Em Moçambique, há propensão para eclosão de conflitos inerentes das externali- dades da actividades, como é o caso de

reassentamento das populações. Tal como podemos verificar os exemplos mais comuns, os megaprojectos de mineração de Moma e de Moatize. Estes foram implantados com demasiados erros, que eram absolutamente evitáveis, se tivesse havido mais transparên- cia e inclusão da parte do Governo, e se tivesse enveredado por um diálogo mais pro- fundo e franco, tanto com as mineradoras como com a população directamente afec- tada.

A ausência de políticas e práticas do Estado que protejam os interesses públicos fica explicada pelo conflito de interesses, pelas “costas quentes” de que goza o capi- tal estrangeiro – factores que tornam os governantes de baixo nível incapazes de agir por medo de ferir interesses “das elites políti- cas.” Quer no caso da Kenmare quer no da Vale, tudo indica que as autoridades gover- namentais locais sentem-se impotentes de agir contra essas empresas porque sabem que as empresas estão muito ligadas a altos dirigentes do país, mostrando assim um claro conflito de interesse, no qual quem sofre é a população afectada e não só. Neste con- texto,

Outro aspecto que abre espaço para a emergência de conflitos, em Moçambique, é a maneira como tem sido conduzido as negociações entre o Governo e as minera- doras, pois contratos celebrados entre eles permanecem em segredo (não são domínio público). Não sendo do domínio público, os direitos e as obrigações, os montantes envol- vidos, impossibilita compreender até que ponto as empresas cumprem com as suas obrigações contratuais e se realmente existe alguma justeza no negócio. É fundamental- mente nos contratos que devem ou deve- riam ser acauteladas todas as questões rela- tivas a responsabilidade social, sustentabili- dade, externalidades e até a justa compen- sação.

Muitas vezes, procura-se no processo de reassentamento atribuir um valor padrão ou construir casas modelos todas iguais para pessoas que vinham de realidades e situa- ções diferentes (casa diferentes em cores, espaços, entre outros). Não se tem tido em conta que nas comunidades onde viviam estavam estratificadas economicamente e

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socialmente, havia diferentes classes sociais e relações de poder, ao colocar todos no mesmo bairro e nas casas modelo deveriam ter em conta esses aspectos. Manifestações levadas a cabo pelas populações afectadas (que exigem o comprimento das obrigações das empresas para com a população) mui- tas vezes são reprimidas pela Força de Inter- venção Rápida.