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AS COMPARAÇÕES SUCESSIVAS COMO UM SISTEMA

No documento A CIÊNCIA DO INCREMENTALISMO (páginas 31-35)

A comparação sucessiva e limitada é, assim, um método ou um sistema; não se trata de uma falha por “não seguir um método” (isto é, a abordagem racional-compreensiva), pela qual os administradores devem de desculpar. De qualquer modo, a comparação sucessiva e limitada tem seus defeitos, que não foram examinados neste trabalho. Por exemplo, o método apresentado não possui nenhuma salvaguarda que garanta a consideração de todos os valores relevantes; também pode levar o tomador de decisões a desconsiderar excelentes alternativas políticas (apenas porque não foram aventadas pela cadeia de sucessivos passos políticos que levam até o presente). Deve-se daí afirmar que, sob o método das comparações sucessivas e limitadas – assim como sob algumas das mais sofisticadas variantes do método da raiz, como é o caso da pesquisa operacional – as políticas públicas tanto podem se manter tão tolas e inadequadas, quanto podem continuar sábias e adequadas.

Por quê então nos darmos ao trabalho de descrever um tal método de forma tão detalhada ?

Porque, de fato, é um método comum de formulação de políticas públicas, e é (para problemas complexos) o principal procedimento de que

se valem os administradores, assim como outros analistas de políticas públicas15.

E porque demonstra ser um método superior em face de qualquer outro método de tomada de decisões que se ofereça para lidar com problemas complexos em muitas circunstâncias – certamente superior às fúteis tentativas de uma “compreensão super-humana” dos problemas, de suas soluções, de suas conseqüências. A reação do administrador público à exposição do método das comparações sucessivas e limitadas será, sem dúvida, menos de “descoberta de um novo método” e mais de uma maior familiarização com um método que é seu velho conhecido.

Contudo, ao se tornar mais consciente da prática desse “velho e conhecido” método, os administradores podem praticá-lo com maior habilidade e discernimento, sem a sombra de dúvida que um procedimento tão “limitado” parece lançar, podem saber quando estender ou quando limitar seu uso.

(Os administradores efetivamente lançam mão desse método, mas não se sentem à vontade para discutir o que realmente estão fazendo, nem para confrontar as avaliações extremadas que lhes são feitas, em que o método das comparações sucessivas e limitadas ora é aclamado como uma forma altamente sofisticada de solucionar problemas, ora é denunciado como uma explícita renúncia a qualquer método; eu suspeito que, se há um sistema de

15 NOTA DO AUTOR: Em um outro trabalho, eu explorei esse mesmo método de formulação de políticas públicas,

tal como praticados por analistas acadêmicos de políticas públicas (“Policy Analysis”, 48 American Economic

Review 298 [Junho de 1958]). Apesar de aqui eu fazer uma apresentação para administradores da área pública, não é

menos necessário e aplicável a analistas em outras áreas distantes das questões políticas mais imediatas – apesar de esses analistas descreverem seus próprios esforços como sendo pertinentes ao método racional-compreensivo, e de terem um pesado apelo à sua fundamentação teórica. De modo similar, esse mesmo método é inevitavelmente utilizado na solução de problemas cotidianos, para a condução dos negócios pessoais (quando meios e fins são, freqüentemente, de impossível separação, e onde as aspirações ou os objetivos das pessoas passam por constantes modificações, e onde simplificações drásticas da complexidade do mundo real é urgente, se os problemas tiverem mesmo que ser resolvidos dentro do tempo disponível, limitado, às vezes de forma urgente. Para um economista acostumado a lidar com o conceito de “margem” ou de “incremento” nos processos de funcionamento do mercado, a idéia central no método das ramificações é a de que tanto a avaliação quanto a análise empírica são incrementais.

resolver problemas que possa ser denominado “ir levando”, ou “ir de

mansinho” [muddling through] é o método a que nos referimos neste

trabalho).

Uma das mais notáveis – e incidentais – conseqüências dos estudos que levam ao esclarecimento do método das comparações sucessivas e limitadas é que se lança luz sobre essa grande sombra de dúvida (que um administrador público, encarregado de coordenar uma equipe, eventualmente mantém) sobre o desempenho de alguns de seus auxiliares ou consultores: de que eles não estariam a manifestar-se de forma realmente séria e consistente, de forma responsável, em pleno “trânsito

muddling through”. Essa dúvida persiste, mesmo que o administrador-chefe

tenha todas as evidências de que o trabalho desses assessores ou consultores é consistente e responsável. Mas ele pode não ter clareza acerca das referências que eles realmente estão a utilizar.

O problema reside no fato de que muitos de nós nos aproximamos de problemas de políticas públicas usando uma referência analítica construída a partir de nossa própria visão e experiência acerca de uma eventualmente longa cadeia de sucessivas decisões políticas (que se estende desde sua primeira informação passada, até o presente); por exemplo, aquilo que um administrador pensa acerca, digamos, do controle do tráfego urbano, é muito influenciado pelo conhecimento que ele tem dos passos que essa política pública deu (ou das mudanças que sofreu) até o presente.

Um administrador goza de um conhecimento pessoal, íntimo, entranhado, de SUA seqüência (tal como por ele testemunhada) das transformações sofridas pela política pública – algo que “pessoas de fora” [outsiders] não partilham. O conhecimento que detém e o conhecimento

detido pelo “outsider” serão inevitavelmente diferentes, mas de uma maneira que pode embaraçar a ambos. Ambos podem falar de um modo

pertinente e inteligente sobre a mesma política pública, mas os seus pontos de vista e seus argumentos podem parecer reciprocamente insatisfatórios. A relevância das “cadeias de sucessão” das mudanças incrementais passadas se torna ainda maior quando um norte-americano tenta discutir políticas, digamos, anti-trustes com um suíço, pois as “cadeias de sucessão” das políticas públicas em cada um de seus respectivos países é muito diferente – e cada um desses indivíduos organizou seu conhecimento e sua experiência de maneiras bem diferentes.

Esse é um fenômeno que ergue enormes barreiras à comunicação, e sua compreensão guarda promessas de um desejado enriquecimento da interação intelectual dos participantes do processo de formulação de políticas públicas. Uma vez que a fonte de suas diferenças for bem compreendida, tornar-se-á estimulante para que um administrador busque a opinião de um analista de políticas assemelhadas ou coincidentes, mas de um contexto totalmente diferente, e cuja experiência com essa política tenha implicado numa “cadeia de sucessão” das mudanças incrementais diferente da sua.

Isso torna a levantar uma questão, que foi discutida superficialmente acima, sobre os méritos de se ter administradores públicos que compartilham muitos pontos de vista, que têm quase um “pensamento único” quanto ao seu trabalho. Boa parte da teoria das organizações prega as virtudes do compartilhamento de valores, do consenso entre objetivos organizacionais. Mas, para problemas complexos nos quais a abordagem racional-compreensiva [root method] é inaplicável, as organizações públicas

deveriam ter quadros de pessoal com 2 tipos de diversificação: (1) administradores cujo pensamento se referencia a “cadeias de sucessão” de mudanças incrementais nas políticas públicas diferentes daquelas familiares a muitos dos membros da organização e, talvez até mesmo em maior

número, (2) administradores cujos valores profissionais ou pessoais, ou seus interesses, criam uma diversidade de pontos de vista (provavelmente devida a uma diversidade de formações profissionais, de experiências de trabalho, de origens sociais e geográficas distintas) de modo que, dentro de uma mesma organização, a tomada de decisões é mais fragmentada, e diferentes partes de uma mesma organização podem agir como “vigilantes” de outras partes.

No documento A CIÊNCIA DO INCREMENTALISMO (páginas 31-35)

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