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A CIÊNCIA DO INCREMENTALISMO

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A CIÊNCIA DO INCREMENTALISMO

Charles E. Lindblom

1

Tradução do Prof. Arq. Frederico Flósculo Pinheiro Barreto

(Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília)

S

uponha que um administrador é encarregado de formular uma linha

de ação (ou uma “política”) para os negócios pelos quais responde, com respeito à inflação. Ele pode iniciar pela listagem de todos os aspectos envolvidos, por sua ordem de relativa importância. Por exemplo, a manutenção de níveis de pleno emprego, a manutenção de uma margem de lucros adequada, a proteção das pequenas poupanças, a prevenção contra uma quebra na bolsa de valores, entre outros. A seguir, todos os possíveis resultados ou desfechos possíveis numa dada linha de ação podem ser avaliados em sua eficácia quanto a alcançar os máximos valores nesses aspectos. Isso, com certeza, exigiria uma prodigiosa investigação dos recursos em poder das pessoas envolvidas, de todos os membros da sociedade, e um igualmente prodigioso conjunto de cálculos acerca do quanto esses aspectos se relacionam entre si, o quanto são intercambiáveis e se interinfluenciam. Daí ele poderia delinear todas as possíveis alternativas para sua linha de ação, para a sua política. Num terceiro passo, ele poderia conduzir uma sistemática comparação entre esse enorme,

1 NOTA DO TRADUTOR:Publicado originalmente sob o título “

The Science of ‘Muddling Through’”, na revista Public Administration Review, volume 19, 1959. O Copyright pertence à American Society for Public Administration

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multifário conjunto de alternativas, buscando determinar qual delas levaria aos maiores benefícios, aos maiores valores2 desejados.

Ao comparar as linhas de ação alternativas, ele poderia tirar vantagem de alguma das teorias disponíveis, que o auxiliasse na generalização acerca das categorias de linhas de ação. Ao considerar a inflação, por exemplo, ele poderia comparar todas as linhas de ação à luz da teoria dos preços. Dado que nenhuma alternativa de linha de ação estaria além ou fora de sua investigação, ele poderia até mesmo considerar um controle centralizado, rigoroso, da economia, e mesmo a eliminação dos próprios preços, dos mercados, e ainda a eliminação de todas as formas de controle público que tenham como pressuposto a liberdade dos mercados – fosse isso à luz de qualquer que fosse a generalização teórica que viesse a encontrar nesses hipotéticos modelos econômicos.

Finalmente, ele poderia fazer a escolha que viesse de fato a maximizar os resultados mais desejados de sua linha de ação em meio à inflação.

Uma abordagem alternativa poderia ser o estabelecimento – como seu principal objetivo, conscientemente explicitado, ou mesmo sem que haja essa consciente explicitação de sua decisão – da relativamente simples meta de manter estável o nível geral de preços. Esse objetivo pode ser ameaçado ou complicado por um número bem menor de fatores, tal como o esforço por manter o pleno emprego. Esse objetivo poderia, na verdade, ignorar muitos outros valores sociais, que simplesmente estariam fora de seu interesse momentâneo – e sequer tentaria, no momento, categorizar e priorizar

2 NOTA DO TRADUTOR: Lindblom usa o termo

values com freqüência, para significar “objetivos”, mas também

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aqueles valores que poderiam justificadamente ser citados como relevantes. Nesse caso, se fosse argüido, o nosso administrador admitiria, imediatamente, que ele estaria a ignorar muitos aspectos associados ao problema da inflação, assim como muitas das importantes conseqüências de suas linhas de ação.

Como um segundo passo, ele delinearia essas poucas alternativas de linhas de ação que lhe ocorreram. Ele então as compararia. Ao comparar seu limitado número de alternativas, ele não encontraria uma peça teórica hábil o suficiente para conduzi-lo através de uma comparação entre suas respectivas conseqüências. Em seu lugar, ele deve se valer do acervo de sua experiência passada, definindo sua linha de ação em pequenos passos, ao mesmo tempo em que a pratica, cautelosamente predizendo as conseqüências de passos assemelhados no futuro.

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[alteradas pelo sucesso ou insucesso parcial das seqüências anteriores], e a acurácia das predições se torna, eventualmente, melhor.

PELA RAIZ OU PELOS RAMOS

Para solucionar problemas complexos, a primeira dessas abordagens é, sem sombra de dúvida, inviável. Apesar de podermos descrever minuciosamente essa abordagem aplicada a qualquer problema, realmente não é possível praticá-la – exceto em problemas relativamente simples, e mesmo assim fazendo com que esses problemas sejam modificados, simplificados. Essa abordagem pressupõe um conjunto de capacidades intelectuais e fontes de informação que as pessoas simplesmente não possuem, e se torna ainda mais absurda quando o tempo e o dinheiro que se pode dedicar a um dão problema é limitado – como sempre é o caso. De especial importância para a administração pública é o fato de que as instituições públicas são, efetivamente, instruídas para NÃO praticar o primeiro método. Ou seja, as sua funções e limitações, tal como prescritas – seja pelas possibilidades legais ou políticas envolvidas – fazem com que sua atenção seja restrita a relativamente poucos valores e a relativamente poucas linhas de ação alternativas, entre as incontáveis alternativas que podem ser imaginadas. Na verdade, o que se pratica é o segundo método.

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pode duvidar de que a literatura profissional é bastante consciente das limitações das capacidades humanas e da inevitabilidade de que as políticas públicas serão administradas em um estilo que se aproxima consideravelmente da segunda abordagem. Mas as tentativas de racionalizar a formulação de políticas públicas – ou seja, de definir explicitamente os passos de um tal processo – usualmente descrevem a primeira abordagem, e não a segunda3.

A tendência de descrever a formulação de políticas públicas, mesmo na discussão dos problemas mais complexos, como se isso realmente ocorresse – ou pudesse ocorrer – segundo a primeira abordagem, foi fortalecida pela atenção dada a (e, sem dúvida, pelo sucesso obtido por) teorias e feixes de métodos e técnicas tais como a pesquisa operacional, a teoria estatística de tomada de decisão, e pela análise de sistemas. Os mais destacados aspectos desses procedimentos, típicos da primeira abordagem, são a clareza de objetivos, a explicitação das avaliações feitas, um grau elevado de abrangência e envolvimento com o problema e suas circunstâncias e – sempre que possível – a quantificação dos valores e aspectos envolvidos, para a análise matemática. Mas esses avançados procedimentos são utilizados principalmente na solução de problemas de escala relativamente pequena, onde o número de variáveis a serem consideradas é pequeno, e os valores associados aos problemas são restritos. Charles Hitch, diretor da Divisão de Estudos Econômicos da RAND

Corporation, um dos mais importantes centros de aplicação desses

procedimentos, escreveu:

3 NOTA DO AUTOR: James G. March e Herbert A. Simon caracterizam essa literatura de um modo similar. Eles

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Quero fazer aqui uma generalização empírica da minha própria experiência na RAND Corporation e em outras organizações, de que a pesquisa operacional é a arte da sub-otimização – isto é, de resolver alguns problemas de menor complexidade -, e que as dificuldades em sua aplicação aumentam, ao passo que a nossa especial competência diminui em toda uma ordem de magnitude, por cada nível de complexidade na tomada de decisões que venhamos a pretender escalar. O tipo de modelo simples e explícito que a pesquisa operacional é tão eficiente em lidar pode até refletir muitos dos fatores mais significativos a influenciar o controle de trânsito na ponte George Washington, mas a proporção da realidade realmente relevante que nós podemos representar por um modelo desses, se estudarmos, digamos, problemas de maior

complexidade (como os que existem nas políticas internacionais, parece ser trivial.”4

Com uma visão assemelhada, eu proponho neste artigo um certo esclarecimento e formalizar a segunda abordagem, que tem sido negligenciada na literatura. Podemos denominá-la como sendo o “método de comparações limitadas e sucessivas”. Eu irei contrastá-la com a primeira abordagem, que pode ser denominada “método racional-compreensivo”5.

De uma forma mais “impressionista” e sucinta – e mais freqüentemente usada neste capítulo – essas duas abordagens também podem ser denominadas como “o método das ramificações” [branch method] e “o método da raiz” [root method] ,respectivamente. O primeiro evolve continuamente da situação atual, passo a passo, em pequenos incrementos; o último tem início em fundamentos “originais”, seja quando for seu início, usando o passado apenas como uma informação que está contida na teoria

4 NOTA DO AUTOR: “Operations Research and National Planning – A Dissent”. 5

Operations Research 718

(outubro de 1957). A discordância expressa por Hitch parte de pontos específicos no artigo, que é uma resposta a uma discussão mantida anteriormente; sua afirmação de que a Pesquisa Operacional se destina a problemas de um baixo grau de complexidade é, todavia, amplamente aceita.

Para se ter exemplos dos tipos de problemas aos quais a Pesquisa Operacional é aplicada veja as obras de C.W. Churchman, R.L. Ackoff, e E.L. Arnoff, Introduction to Operation Research (John Wiley and Sons,1957); e J.F.

McCloskey e J.M. Coppinger (editores), Operations Research for Management, vol. II (TheJohns Hopkins Press,

1956).

5 NOTA DO AUTOR: Assumo aqui que os administradores freqüentemente definem políticas e prestam assessorias

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que utiliza, está sempre preparado para começar de forma completa desde o solo, desde a tabula rasa.

Vamos colocar as características dos dois métodos lado a lado, tomando seus aspectos mais simples:

MÉTODO RACIONAL-COMPREENSIVO (MÉTODO DA RAIZ)

MÉTODO DAS COMPARAÇÕES

LIMITADAS E SUCESSIVAS (MÉTODO DAS RAMIFICAÇÕES)

1A) Explicitação de valores a serem

atingidos e de objetivos almejados de forma distinta de qualquer análise empírica de políticas alternativas, como pré-requisitos dessas políticas;

1B) A seleção de valores a serem atingidos e a análise empírica não são distintas uma da outra, mas são inter-dependentes e

coordenadas; 2A) A formulação das políticas são

alcançadas por análises do tipo “meios-fins”: primeiramente, os fins são isolados e

identificados; a seguir os meios a atingir são desenvolvidos;

2B) Dado que “fins” e “meios” não são distintos, análises do tipo “meios-fins” são inadequadas ou limitadas;

3A) O teste de uma “boa” política é que se pode demonstrar que ela efetivamente porta os meios mais adequados para o alcance dos fins;

3B) O teste de uma “boa” política é que vários analistas (inclusive os que participam da execução) se vêem concordando com os rumos que a linha de ação vai tomando (o que não quer dizer que concordem que os meios que estão a ser usados sejam os mais apropriados para o alcance de determinados fins);

4A) A análise é abrangente: todos os fatores relevantes são levados em consideração;

4B) A análise é drasticamente limitada: i) possíveis e importantes

resultados são negligenciados; ii) possíveis e importantes linhas de

ação alternativas são negligenciadas;

iii) valores possivelmente afetados também são negligenciados; 5A) Geralmente se depende (fortemente) de

teoria(s) acerca da linha de ação, ou política.

5B) A sucessão de comparações reduz ou elimina a dependência de uma teoria estruturadora de toda a ação.

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Supondo que o “método da raiz” seja familiar e compreensível para todos, vamos direto a uma explicação de sua alternativa, por contraste. Ao explicar esse segundo método nós estaremos a descrever como muitos administradores abordam, de fato, questões complexas – apesar de o “método da raiz” ser, teoricamente, excelente como modelo ou procedimento ideal, não é viável para enfrentar problemas administrativos de maior complexidade, e os administradores são forçados a usar o “método das ramificações”, ou o método das comparações limitadas e sucessivas.

ENTRELAÇANDO ANÁLISE EMPÍRICA E AVALIAÇÃO (1B)

A maneira mais rápida para compreender como os valores são operados no método das comparações sucessivas e limitadas, é observar como o método da raiz colapsa em sua própria operação de valores ou de objetivos. A idéia de que os valores devem ser exaustivamente esclarecidos, definidos e examinados, antes mesmo das definições das linhas de ação, das políticas alternativas, é, sem dúvidas, intelectualmente atraente.mas o que acontece quando nós tentamos fazer esse tipo de esclarecimento em complexos problemas sociais ?

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no estudo de Meyerson e Banfield acerca da Chicago Housing Authority6), em

que discordâncias ocorrem apesar de se ter um objetivo muito claro: prover a cidade de um número determinado de habitações populares. Objetivos similarmente conflituosos surgem na delimitação de áreas de rodovias expressas, de controle de tráfego, de definição do salário mínimo, da implantação de edificação e serviços para o conforto de turistas em parques nacionais e de preservação, ou em programas de controle de zoonoses.

Os administradores públicos não conseguem escapar desses conflitos por “votação”, apenas, ou por uma tentativa de definição da preferência da maioria das pessoas – pois as preferências das pessoas dificilmente foram estudadas em cada um dos aspectos envolvidos, em cada possível discordância, além do que, elas podem mudar no tempo. De fato, dificilmente há uma definição de “preferência”, se não houver uma discussão pública suficiente, de modo que traga um assunto para a atenção dos cidadãos, do eleitorado. Além disso, há a questão da intensidade dessa preferência, de sua prioridade, bem como do número de pessoas que escolheu outras alternativas. Dado a impossibilidade de agir à luz da opinião de todos os envolvidos em todos os assuntos pertinentes ao problema, os administradores se vêem obrigados a definir linhas de ação sem que os objetivos tenham sido totalmente esclarecidos e examinados em primeiro lugar.

Mesmo quando um administrador resolve seguir seus próprios critérios e valores na tomada de decisões, ele freqüentemente não sabe como resolver satisfatoriamente suas prioridades no caso de esses seus critérios e valores entrarem em conflito uns com os outros – como inevitavelmente ocorrerá em problemas de maior complexidade. Suponha, por exemplo, que

6 NOTA DO AUTOR: Martin Meyerson e Edward C. Banfield,

Politics, Planning and the Public Interest (The Free

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um administrador tenha que transferir moradores de edificações que devem ser demolidas. Um objetivo é proceder à desocupação dos edifícios tão prontamente quanto possível; um outro é encontrar acomodações temporárias ou definitivas, satisfatórias, para as pessoas transferidas; um outro é evitar atritos com os moradores dessas áreas em que as pessoas transferidas serão instaladas, que podem receber mal um grande influxo de desconhecidos transferidos pelo governo da cidade; um outro é negociar os termos da transferência com todos os envolvidos, através do uso de persuasão, se possível – e assim por diante.

Como alguém estabeleceria, mesmo para si, a importância relativa de cada uma desses valores, parcialmente conflituosos ? Uma simples lista de sua importância não é suficiente; deve-se ter clareza sobre o quanto um valor tem mérito, o quanto merece para que um outro seja inequivocamente sacrificado por um outro. A resposta a essa questão é que, tipicamente, o administrador faz escolhas – e deve faze-las – diretamente, entre linhas de ação em que esses valores são combinados de diferentes maneiras. Ele não conseguirá esclarecer exaustivamente seus valores para daí tomar sua decisão entre linhas de ação alternativas.

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diante de interrogações como: “dado o grau em que estamos (ou não) alcançando valores de expediência em nosso desempenho no

desenvolvimento de projeto e, simultaneamente, alcançando valores de um

bom relacionamento público, será meritório sacrificar um pouco a velocidade

no atendimento para das mais atenção à clientela, ou será melhor dar menos

atenção à clientela e tocar o trabalho do modo mais expediente possível ?” A resposta a uma questão dessas varia com as circunstâncias.

O problema da disputa entre valores concorrentes, como o exemplo mostra, é sempre um “problema de ajustamentos ao longo de uma margem de acomodação”. Mas não existe uma maneira prática e inequívoca de estabelecer “objetivos marginais” ou “valores marginais”, a não ser no caso de políticas particulares. Aquilo que é preferido em uma dada situação não significa que será também preferido em uma outra situação, sobretudo quando o sacrifício de outros valores for grande. As tentativas de estabelecer graus de importância entre valores, em termos universais, gerais, abstratos, de forma que sejam “fixados”, de que não mudem de uma decisão para outra, invariavelmente acarreta a ignorância das “preferências marginais relevantes”. A significância desse terceiro ponto (a disputa entre valores concorrentes) vai longe, muito longe. Mesmo que todo o corpo de administradores de uma organização concorde com um dado conjunto de valores, de objetivos, de restrições e condicionamentos, e ainda com uma escala de importância para esses componentes de suas políticas, seus valores marginais em situações reais de escolha seriam impossíveis de antecipar e formular.

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valores”. É um tanto paradoxal que o único caminho praticável para que se exponham os valores marginais relevantes – mesmo para o próprio administrador – é descrever essa linha de ação que o administrador escolheu para... alcançá-los.

A não ser de forma muito rude e vaga, eu não saberia de um modo de descrever – ou mesmo de compreender – o que seriam minhas avaliações sobre temas tão importantes e variados como, digamos, liberdade de ação e segurança, velocidade e acurácia nas ações governamentais, ou sobre a relação entre a redução de impostos e a melhoria dos padrões da educação; isso seria tão difícil quanto descrever minhas preferências entre escolhas relativas a políticas específicas, que poderiam ser feitas pela consideração das sub-alternativas entre cada um dos seus “pares”.

Revisando, temos que dois aspectos do processo de operação dos valores na definição de políticas, no mundo real, devem ser distinguidos. O primeiro deles é claro: a análise empírica da situação e sua avaliação estão fortemente inter-relacionadas; isso é: você escolhe entre valores e entre linhas de ação simultaneamente. Colocando essa idéia numa forma um pouco mais elaborada, temos que o administrador escolhe uma linha de ação visando atingir determinados objetivos ao mesmo tempo em que escolhe esses objetivos. O segundo ponto levantado anteriormente (o da relativa importância entre valores) está associado a essa escolha, mas apresenta uma importante distinção: o administrador concentra a sua atenção nas “margens”, nos valores marginais ou incrementais. Assim, esteja ele consciente ou não desse aspecto de sua conduta, ele simplesmente não considerará especialmente úteis as “formulações gerais de objetivos”, pois de fato ele estará a conduzir comparações marginais e específicas.

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alcance dos objetivos a, b, c, d e e, entre outros objetivos. Mas a política X promete um alcance superior (relativamente a Y) de um certo objetivo f, enquanto que a política Y promete, por sua vez, um alcance superior (relativamente a X) de um certo objetivo g. Ao escolher entre essas duas políticas, na verdade o administrador tem à sua frente a alternativa de examinar se o incremento que X oferece quanto ao objetivo f compensa o sacrifício do incremento que Y oferece quanto ao objetivo g. Os únicos valores que são relevantes para a sua escolha são, essencialmente, esses incrementos, em que as duas políticas apresentadas diferem. Quando ele finalmente escolhe entre esses dois valores marginais, efetivamente uma escolha entre as duas políticas, como um todo, foi feita7.

Se entendemos que o exaustivo esclarecimento dos objetivos das políticas públicas, feito antes da escolha entre políticas alternativas, é mais racional que a avaliação passo-a-passo de vantagens ou desvantagens marginais, e da análise empírica dos resultados parciais em pleno andamento, temos que a principal diferença entre essas duas abordagens é que, para problemas complexos, esse exaustivo esclarecimento da primeira abordagem é impossível – e irrelevante -, e que a segunda abordagem é possível e relevante. A segunda abordagem é possível porque o administrador não precisa tentar analisar o completo quadro de valores envolvidos, nem valor algum em sua inteireza, mas apenas aqueles valores que se apresentam distintos em políticas distintas, e ainda assim, somente deve se preocupar com suas diferenciações marginais. Sua necessidade de informações acerca dos valores ou dos objetivos é drasticamente reduzida, se comparada com o “método da raiz”; e sua capacidade de apreensão, de compreensão, de estabelecimento de relacionamentos entre os valores

7 NOTA DO AUTOR: Essa linha de argumentação é, claro,uma extensão da teoria da escolha em mercados,

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dificilmente será exigida além de um ponto de limite em sua capacidade de trabalho.

RELAÇÕES ENTRE MEIOS E FINS (2B)

A tomada de decisões é ordinariamente formalizada como um relacionamento entre meios e fins. Os meios são concebidos para ser avaliados e escolhidos à luz de fins, que são selecionados de forma independente e anterior à escolha dos meios. Esse é o relacionamento entre meios e fins existente no “método da raiz”. Mas deduzimos de tudo o que já foi dito que um tal relacionamento entre meios e fins somente é possível na medida em que há consenso acerca dos valores que coroam a linha de ação, na medida em que esses valores são reconciliáveis, já não apresentam contradições entre si, o que faz muito estáveis quanto às margens de suas respectivas variações. Tipicamente, portanto, um tal relacionamento entre meios e fins está ausente do “método das ramificações”, onde meios e fins são obtidos simultaneamente.

Contudo, qualquer conduta de planejamento que divirja do relacionamento entre meios e fins do método da raiz será tomada por alguns autores e leitores como inaceitável. Pois, para eles, somente à luz de um tal relacionamento será possível determinar se uma determinada linha de ação é melhor ou pior que outra. Como um administrador poderá saber se ele tomou uma decisão inteligente ou tola, se ele não possui previamente valores ou os objetivos pelos quais deverá julgar suas decisões ? A resposta a esta questão nos conduz à terceira diferença distintiva entre os métodos da raiz e das ramificações: como escolher a melhor política.

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No método da raiz, uma decisão é “correta”, “boa” ou “racional” se se pode demonstrar que ela permite o alcance de um certo objetivo – sendo que o objetivo pode ser especificado sem que se tenha que descrever essa decisão.

No caso em que os objetivos são definidos apenas através da abordagem incremental ou marginal aos valores, que descrevemos acima, é eventualmente possível testar se uma política desejada, de fato, atinge os objetivos desejados. Mas, nesse caso, a explicitação dos objetivos deve tomar a forma de uma descrição da política que foi escolhida, ou de alguma alternativa a ela. Nesse caso, para demonstrar que uma política está equivocada, o crítico não pode simplesmente oferecer um argumento abstrato e genérico, de que importantes objetivos não podem ser atingidos; deve argumentar, em vez disso, que uma outra política deve ser escolhida.

Na medida em que esse “desvio” das formas costumeiras de resolver problemas não for um obstáculo, para muitos administradores será imediata a admissão de que a mais efetiva forma de discussão da adequação de uma política se dá pela comparação com outras políticas que poderiam ser também escolhidas.

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Tem-se sugerido que o notável e continuado consenso do Congresso dos E.U.A. acerca da conveniência de se estender o limite de idade para a cobertura previdenciária8 se fundamenta no desiderato liberal de fortalecer

os programas assistenciais do governo federal, e também do desiderato conservador de reduzir as demandas dos sindicatos junto aos planos de previdência privada. Se esse é realmente o caso, trata-se de excelente demonstração do quanto é viável que pessoas com diferentes ideologias concordem com uma política concreta. As pessoas que atuam como árbitros em questões trabalhistas também observam um fenômeno assemelhado: as partes em litígio freqüentemente discordam dos critérios eventualmente propostos para a solução de sua disputa, mas freqüentemente concordam com determinadas e específicas propostas. De um modo similar, quando o objetivo – ou o “fim” - do administrador se torna o “meio” para outro administrador, pode aumentar a probabilidade de nascer uma concordância acerca da política em questão.

Concordância quanto à política pode ser tornar o único teste praticável acerca da “adequação” ou de “correção” de uma linha de ação ou política a ser administrada. Desse modo, os esforços de um administrador por tentar que outros administradores concordem consigo acerca dos valores e objetivos pode ser um exercício de controvérsia e desgaste, em nada contribuindo para o esclarecimento da linha de ação.

Se a concordância firmada sobre a política – como um “teste da melhor política” - parece ser um depauperado e precário substituto para o costumeiro “teste da política versus seus objetivos”, devemos lembrar que os objetivos, em si mesmos, não têm outra validade, em essência, do que aquele acercada qual se construiu (eventualmente) alguma concordância. Desse modo, fica claro que a concordância é o teste para o teste da melhor

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política, em ambos os métodos. Mas enquanto o método da raiz exige concordância acerca de quais elementos na decisão constituem-se em objetivos (e quais desses objetivos devem ser perseguidos), o método das ramificações se apóia na concordância “possível”, na que se tem à mão.

Num sentido de grande importância, portanto, não é irracional para um administrador defender uma certa política como “boa e adequada” sem que seja capaz de especificar para quê ela é boa.

ANÁLISE NÃO-COMPREENSIVA (4B)

Idealmente, a análise racional-compreensiva não deixa nada importante de fora. Mas é simplesmente impossível considerar tudo o que for importante – a não ser que o conceito de “importância” for definido de forma tão estrita que a análise quede acentuadamente limitada. Os limites da capacidade intelectual humana e os limites do conjunto de informações disponíveis para o enfrentamento de problemas no mundo real efetivamente circunscrevem a capacidade de as pessoas serem “compreensivas”, capazes de um entendimento muito abrangente. No mundo real, ninguém consegue aplicar o método racional-compreensivo a problemas realmente complexos, e todo administrador que se veja frente a frente com um problema suficientemente complexo deve encontrar modos de, drasticamente, simplificá-los.

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metropolitanas, ele não conseguirá antecipar, por exemplo, o impacto de diferentes taxas de produtividade agrícola sobre a valorização / desvalorização do solo urbano e do solo rural, ou, digamos, se as atividades urbanas predominarem na vida comunitária das habitantes das áreas arrendadas, dificilmente o administrador conseguirá prever as conseqüências sobre os laços familiares desses moradores, sobre sua qualidade de vida, ou sobre as eventuais demandas por ajustes na previdência social dessas comunidades, ou sobre as implicações decorrentes das novas responsabilidades dos municípios participantes do pacto metropolitano, ou sobre os serviços urbanos que são demandados, entre muitos outros aspectos.

Também não será capaz – se seguirmos uma outra linha de repercussões – de coordenar os efeitos que o programa de financiamento terá sobre os preços dos produtos agrícolas nos mercados de exportação, nas subseqüentes implicações da política internacional envolvida, inclusive aquelas implicações que surgem da tensão política entre os E.U.A. e o bloco soviético9.

No método de sucessivas comparações, alcança-se sistematicamente uma razoável simplificação dos termos em que a situação se coloca, de 2 modos:

(1) em primeiro lugar, a simplificação é atingida através da limitação das comparações [entre diferentes políticas] àquelas políticas que apresentam pequenas diferenças face às políticas em vigência na atualidade. Esse tipo de limitação reduz, imediatamente, o número de alternativas a serem investigadas, e ainda simplifica – drasticamente – o caráter da investigação de cada uma delas. Isso ocorre porque não se faz

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necessário o exaustivo questionamento de uma alternativa, e de suas conseqüências; somente é necessário o estudo daqueles aspectos nos quais a alternativa e suas conseqüências diferem do status quo. A comparação empírica das “diferenças marginais” entre políticas alternativas que diferem apenas por “margens” é, com certeza, análoga à comparação marginal ou incremental entre valores, discutida anteriormente10.

Relevância, assim como Realismo

É comumente observado que, nas democracias do Ocidente, os administradores públicos e os analistas das políticas públicas, em geral, limitam suas análises às diferenças marginais ou incrementais entre políticas que são deliberadamente escolhidas por diferirem apenas “marginalmente”. Se eles não fazem isso, no entanto, somente movidos por uma (desesperada) necessidade de simplificar os seus problemas; eles fazem isso também porque desejam expor análises relevantes,que façam sentido para as pessoas. As democracias, reparem, operam mudanças em suas políticas quase inteiramente através de ajustes incrementais. As políticas públicas não se movem em saltos e arrancadas súbitas11.

O caráter incremental das mudanças nas políticas nos E.U.A. tem sido sempre tema de observação. Os dois maiores partidos geralmente concordam acerca de princípios fundamentais; eles oferecem políticas

10 NOTADO AUTOR: Uma definição mais precisa das políticas incrementais, e uma discussão do quanto as

avaliações [que observadores distintos farão] de uma mesma mudança diferem entre si, pode ser encontrada em um artigo que escrevi: Policy Analysis, 48 American Economic Review, 298 (junho de 1958).

11 NOTA DO TRADUTOR: essa é uma transposição do aforismo Latino

Natura Non Facit Saltum, que afirma a

continuidade e consistência dos fenômenos naturais. Na natureza, as grandes mudanças ocorrem cumulativamente e somente são percebidas depois que essa acumulação se torna “macroscópica”, notável. Também é subjacente a essa concepção de que, ao não mover-se “ao saltos”, “trilha um caminho”, que há princípios subjacentes a essa

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alternativas em uma enorme diversidade de assuntos, fundamentados apenas em relativamente “pequenos” pontos de diferenças. Ambos os partidos, por exemplo, favorecem o pleno emprego, mas definem “pleno emprego” de formas ligeiramente diferentes; ambos os partidos favorecem o desenvolvimento da capacidade hidroelétrica nacional, mas em modos ligeiramente diferentes; ambos os partidos defendem alguma forma de compensação previdenciária pelo desemprego, mas divergem quanto ao nível de benefícios. De forma similar, o processo de mudanças nas definições políticas que se observa em cada um desses partidos ocorre, sobretudo, através de uma série de passos relativamente pequenos, na medida em que a própria negociação política vai mudando paulatinamente, em função dos rumos que toma a acumulação (como se pôde testemunhar na gradual aceitação da idéia de que o governo teria mesmo alguma responsabilidade pelo apoio aos desempregados, uma mudança significativa nas posições políticas de ambos os partidos majoritários, que se inicia na década de 1930 e que culmina, num certo sentido, na Lei do Emprego12, de 1946).

O comportamento dos partidos, por sua vez, se fundamenta nas atitudes do eleitorado, na opinião pública; os teóricos da Ciência Política não admitem que a sobrevivência da democracia nos E.U.A. ocorra na ausência de concordâncias fundamentais em questões de grande potencial de ruptura política nacional, o que imediatamente acarretaria a limitação dos debates políticos – que passariam a ser exercitados apenas naquelas políticas em que as diferenças entre os partidos fossem realmente marginais.

Dado que a maior parte do corpo de políticas efetivamente ignorado pelo administrador é efetivamente irrelevante e de impossível análise racional-compreensiva, a simplificação que é obtida por nos concentrarmos

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nas políticas que diferem entre si de um modo incremental não é “um capricho”, uma curiosidade. Além disso, pode-se dizer que, dados os limites dos conhecimentos que inevitavelmente circunscrevem os formuladores de políticas públicas, a simplificação que ocorre ao se limitar o foco de sua análise às relativamente pequenas variações identificadas, face à política em prática na atualidade, acarreta o maior aproveitamento do conhecimento disponível. Dado que as políticas que estão a ser consideradas são assemelhadas às políticas passadas e à política presente, o administrador conta com um conjunto de informações claramente acessível, com o qual tem familiaridade. As políticas públicas “não-incrementais” são, tipicamente, não apenas irrelevantes do ponto de vista político, mas também essencialmente imprevisíveis em suas conseqüências.

(2) em segundo lugar, outra forma de simplificação da análise é a prática ignorar tanto as possíveis (e importantes) conseqüências de “políticas possíveis”, quanto os valores associados a essas conseqüências automaticamente negligenciadas. Se esse procedimento parece expor uma falha chocante e imperdoável no método das comparações sucessivas, pode-se argumentar que – mesmo que as exclusões de conpode-seqüências e valores sejam aleatórias – ainda assim teremos polícias mais inteligentemente formuladas que aquelas tentadas no empreendimento (fútil) de alcançar uma exaustiva compreensão, que está além da capacidade humana. Na realidade, sejam como forem feitas tais exclusões, pareçam arbitrárias ou aleatórias - de um dado ponto de vista ou de outro -, não necessitam ser nem uma coisa nem a outra.

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Suponha que cada valor negligenciado por um órgão público formulador de políticas públicas fosse de maior relevância e preocupação para pelo menos um outro órgão público. Nesse caso, uma providencial divisão de trabalho poderia ser proposta e negociada, e nenhum desses órgãos precisaria se comprometer com uma tarefa superior às suas capacidades. As possíveis falhas de um tal procedimento poderia ocorrer no caso de um desses órgãos públicos eliminar o valor de interesse antes mesmo que qualquer outro órgão público fosse solicitado a salvaguardá-lo – ou mesmo a “destruição” de um tal valor para as políticas públicas pudesse ocorrer APESAR dos esforços de um outro órgão, para salvaguardá-lo. Mas a possibilidade de que importantes valores “se percam” está presente em qualquer tipo de organização – mesmo naquelas em que o esforço por sistematizar todo o conhecimento julgado necessário ao planejamento das ações seja sobre-humano.

A virtude de uma tal (hipotética) divisão de trabalho é que todo valor ou interesse de importância tem seu vigia, seu sentinela. E essas sentinelas podem proteger os interesses sob sua jurisdição de 2 maneiras diferentes: primeiramente pelo reparo dos danos provocados por outras agências, outros órgãos públicos, outros atores ou fatores presentes na cena pública; e, em segundo lugar, pela antecipação e pela interceptação de danos antes que eles ocorram.

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sentinela. Ou seja: mesmo sem declarar abertamente, ou sem tentar assegurar que isso ocorra de forma controlada e “garantida”, pode-se dizer que o sistema político e social norte-americano assegura uma maior compreensividade dos valores de toda essa enorme sociedade, de fato, que qualquer tentativa de se empreender essa compreensividade de forma intelectualmente controlada.

Nos E.U.A., por exemplo, nenhuma das agências de governo tenta superintender compreensivamente, exaustivamente, centralizadamente, a distribuição de renda entre as pessoas ou as famílias. Mas isso é feito de outras formas, ao mesmo tempo em que uma grande número de linhas de ação do governo é desenvolvida, respondendo a uma ampla variedade de interesses que se transformam. Ocorre um processo de ajuste mútuo entre, por exemplo, grupos economicamente produtivos, seus sindicatos, conselhos municipais, conselhos escolares, autoridades fiscais, agências governamentais (em campos tão diversos como os da habitação, da saúde, das estradas, dos transportes, dos parques nacionais, da defesa civil, etc.), que formam um quadro compósito e indireto da distribuição de renda, no qual problemas específicos de distribuição de renda eventualmente negligenciados em um dado ponto do processo decisório tornam-se centrais em um outro ponto.

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processo de ajuste mútuo, através dele se alcança uma adaptação das linhas de ação, das políticas públicas, a uma vasta gama interesses que dificilmente poderia ser operada por um grupo de administradores em um centro de controle.

Observe, ainda, como o padrão incremental de formulação de políticas públicas se ajusta a um padrão institucional ou social de “pressão múltipla”. Quando as decisões são “somente incrementais” (diretamente relacionadas a políticas velhas conhecidas), é muito mais fácil para um determinado grupo de interesses antecipar o tipo de decisões e ações que um outro grupo pode desempenhar, e é mais fácil ainda para esse grupo tomar as providências para a correção (ou o “socorro”) face a danos que eventualmente sejam cometidos no processo de ajuste13.

Mesmo a presença de um forte partidarismo, de uma deliberada estreiteza de interesses e de escopo de ação – para usar uma terminologia algo pejorativa – podem se tornar recursos importantes, realmente relevantes para a tomada racional de decisões, pois essas posturas reforçam, duplicam a vigilância sobre o que se passa nas políticas públicas: o que uma instância eventualmente negligenciar, uma outra não o fará; acabam por “especializar pessoal” para a manutenção e defesa, para a ação pela via de diferentes pontos de vista. É válida a afirmação de que uma “racional coordenação das políticas e linhas de ação da administração federal” (como algo presuntivamente possível), requer um conjunto de valores partilhados pelos administradores14 – na medida em que “racional”

13 NOTA DO AUTOR: A ligação entre o método de comparações sucessivas e limitadas, e o ajuste mútuo de

interesses em um processo de tomada de decisões altamente fragmentado adiciona uma nova faceta às teorias pluralistas de administração e governo.

14 NOTA DO AUTOR: Herbert Simon, Donald W. Smithburg, e Victor A.Thompson,

Public Administration(Alfred

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for aqui definido como a prática do “método da raiz” de tomada de decisões. Contudo, um elevado grau de coordenação administrativa é atingido na medida em que cada agência governamental ajusta suas políticas às ações e impactos gerados pelas outras agências, no fragmentado processo de tomada de decisões que eu venho descrevendo.

Apesar de todas as falhas aparentes da abordagem incremental ao examinar alternativas de políticas – com sua exclusão arbitrária de valores, associada a uma preocupante fragmentação de tantas coisas que deveriam ser apreciadas conjuntamente, quando comparada com o “método da raiz” – o “método das ramificações” quase sempre mostra-se muito superior. No “método da raiz”, a exclusão (inevitável) de fatores é acidental, assistemática, não tem como ser defendida por nenhum argumento que tenha sido apresentado, até hoje, na sua linha de raciocínio. De um modo ideal, é claro, não exclui nada que deva considerar, embora na prática seja obrigado a fazer isso.

Por outro lado, o método das ramificações não tem que necessariamente negligenciar considerações e objetivos, especialmente os de longo prazo. Deve ficar claro, sobretudo, que valores importantes sempre serão omitidos ao considerarmos as políticas públicas, e freqüentemente a única maneira ela qual se pode dar a devida atenção aos objetivos de longo prazo, é através da ponderada negligência de objetivos de curto prazo. Mas os valores omitidos tanto podem ser de longo quanto de curto prazos.

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O elemento que faz a última das distinções entre o método das ramificações e o método da raiz se realiza na sucessão cronológica das comparações que se faz ao longo do processo de escolha de políticas. Uma política pública nunca é feita “de uma vez”, e tampouco “de uma vez por todas”. Ela é feita e refeita interminavelmente. A formulação de políticas públicas é um processo de aproximações sucessivas rumo a alguns objetivos desejados, no qual aquilo o próprio objeto do desejo continua a transformar-se sempre que reconsiderado.

A formulação de políticas públicas é, na melhor das versões, um processo bastante tosco. Nem os cientistas sociais, nem os políticos, nem os administradores públicos, apesar de tudo o que sabem, nunca saberão o suficiente para que evitem a repetição de erros quando tentam prever as conseqüências das linhas de ação políticas. Os mais experientes e sábios formuladores e executores de políticas públicas, por conseqüência, esperam que elas atinjam apenas parte do que foi traçado – ao mesmo tempo em que sabem que elas produzirão várias conseqüências imprevistas, muitas delas que prefeririam evitar. Sabem que se procederem a uma sucessão de mudanças, ajustes e correções incrementais, eles evitarão erros que, de outra forma, lastimariam ter cometido, de maneiras variadas.

Temos que, em primeiro lugar, sua experiência passada de gestão de políticas públicas passo-a-passo lhes deu algum conhecimento acerca das prováveis conseqüências de determinados passos que se escolha dar – ou de passos assemelhados.

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e definitiva para um problema que fosse objeto de tratamento público e político. A decisão que tomam é um passo apenas. Se esse passo for bem sucedido, será seguido por outro.

Em terceiro lugar, eles efetivamente são capazes de testar aquilo que predisseram no passo anterior, na medida em que se movem de um “passo” para o “passo seguinte”.

Finalmente, eles sempre poderão corrigir um erro cometido, prontamente. Com maior prontidão do que se sua linha de ação se caracterizasse por passos menos freqüentes, mais espaçados no tempo, em impulsos mais ou menos isolados.

Confronte essa modalidade de análise comparativa presente nas decisões incrementais com a ambição de usar teorias sistemáticas, do método da raiz. As pessoas não conseguem pensar sem classificar sua experiência e seu conhecimento, sem submeter a sua experiência a uma dada categoria maior e mais abrangente de experiências. O esforço de levar essas categorizações tão longe quanto possível, e de induzir daí aquelas proposições gerais que podem ser aplicadas a casos específicos é o que chamo de “teoria”. Exatamente onde o método da raiz demanda pesadamente essa fundamentação teórica, a teoria das ramificações não o faz.

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(como a política monetária, por exemplo), mais que em outras. De um certo modo, a análise comparativa usada no método das ramificações é uma alternativa à teoria tal como demandada pelo método da raiz.

Suponha que um administrador deva escolher uma política dentre um grupo que apresenta diferenciações incrementais entre si – e da política em vigência. Ele ou ela podem pretender um completo “entendimento” de cada uma das alternativas à sua frente – especialmente: conhecer TODAS as conseqüências de CADA aspecto de cada política. Se esse é o caso, não há a menor dúvida de que o administrador precisa de uma fundamentação teórica. Mas em sua prática, no entanto, ela ou ele geralmente optam por um encaminhamento em que, “para os propósitos de seu trabalho de formulação de políticas”, é mesmo essencial entender apenas as conseqüências de cada um dos aspectos em que as políticas sob apreciação DIFEREM umas das outras. Essa é uma aspiração bem mais modesta, para a qual o administrador não demanda teoria alguma (apesar de alguma elaboração teórica ser de valia, se disponível e pertinente), e pode prosseguir, realizando a identificação de suas prováveis diferenças, isolando-as, examinando-as, comparando-as através das distinções de suas conseqüências conhecidas – um procedimento possível, pois ela ou ela pode se valer das observações que reuniram de uma longa seqüência de mudanças incrementais.

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desencorajar a delinqüência. E uma tal teoria é inegavelmente necessária para que sua abrangente, compreensiva visão do problema sob exame, siga o modelo prescrito pela abordagem racional-compreensiva.

Se, no entanto, o administrador somente pretende mobilizar o conhecimento suficiente para auxiliá-lo no trabalho de escolha entre um pequeno grupo de políticas assemelhadas – como, por exemplo, “políticas alternativas para a conduta das cortes judiciais juvenis” – as pessoas somente podem faze-lo pela análise comparativa entre políticas tentadas no passado.

TEÓRICOS E PRATICANTES

Essa diferença explica – pelo menos em alguns casos – por quê os administradores freqüentemente observam que especialistas, experts, estudiosos acadêmicos, teóricos na soluções de problemas específicos, podem realmente não ajudá-los em suas tarefas. Ao perceberem esses lapsos, sua reação é demandar ainda mais teoria, ainda mais explicações.

Isso também explicaria porque os administradores freqüentemente se sentem mais confiantes quando assumem o comando e tomam as decisões baseados em suas intuições, conhecimentos, experiências, do que quando se sentem guiados de forma mais ou menos estrita pelo aconselhamento de especialistas.

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se seguirem o (mais modesto) método das comparações sucessivas. Os teóricos podem não compreender que os administradores podem estar a praticar um método que também é sistemático. De qualquer modo, essa é uma linha de raciocínio que não vale a pena levar adiante: muitos tomadores de decisões sequer seguem uma abordagem consistentemente teórica, ou consistentemente orientada por sucessivas comparações, nem outras abordagens em que se possa reconhecer alguma sistematicidade.

Vale a pena enfatizar que a teoria pode ser de utilidade extremamente limitada no processo de formulação de políticas públicas por, pelo menos, duas razões: (1) ela é ávida por fatos, dados, informações, detalhes, etc.: ela somente pode ser construída com a ajuda de um grande número de observações (fatos, dados, informações, detalhes, etc.). (2) Ela não é (tipicamente) precisa o suficiente para que fundamente um processo de administração de políticas públicas que se mova através de pequenas mudanças e ajustes. Em contraste, o método comparativo tanto economiza essa busca incessante por todos os dados que possam desempenhar algum papel na análise, e direciona a atenção do analista somente para os fatos que realmente interessam, que são relevantes para as delicadas decisões que demandam os formuladores de políticas públicas.

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os administradores precisam de muita ajuda. Apenas em áreas e problemas relativamente restritos é que a teoria econômica alcança uma precisão suficiente para ir longe na solução de questões das políticas públicas. Sua aplicação no processo de formulação e de tomada de decisões em meio à políticas públicas é sempre tão limitado que requer inevitavelmente a suplementação representada pela análise comparativa.

AS COMPARAÇÕES SUCESSIVAS COMO UM SISTEMA

A comparação sucessiva e limitada é, assim, um método ou um sistema; não se trata de uma falha por “não seguir um método” (isto é, a abordagem racional-compreensiva), pela qual os administradores devem de desculpar. De qualquer modo, a comparação sucessiva e limitada tem seus defeitos, que não foram examinados neste trabalho. Por exemplo, o método apresentado não possui nenhuma salvaguarda que garanta a consideração de todos os valores relevantes; também pode levar o tomador de decisões a desconsiderar excelentes alternativas políticas (apenas porque não foram aventadas pela cadeia de sucessivos passos políticos que levam até o presente). Deve-se daí afirmar que, sob o método das comparações sucessivas e limitadas – assim como sob algumas das mais sofisticadas variantes do método da raiz, como é o caso da pesquisa operacional – as políticas públicas tanto podem se manter tão tolas e inadequadas, quanto podem continuar sábias e adequadas.

Por quê então nos darmos ao trabalho de descrever um tal método de forma tão detalhada ?

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se valem os administradores, assim como outros analistas de políticas públicas15.

E porque demonstra ser um método superior em face de qualquer outro método de tomada de decisões que se ofereça para lidar com problemas complexos em muitas circunstâncias – certamente superior às fúteis tentativas de uma “compreensão super-humana” dos problemas, de suas soluções, de suas conseqüências. A reação do administrador público à exposição do método das comparações sucessivas e limitadas será, sem dúvida, menos de “descoberta de um novo método” e mais de uma maior familiarização com um método que é seu velho conhecido.

Contudo, ao se tornar mais consciente da prática desse “velho e conhecido” método, os administradores podem praticá-lo com maior habilidade e discernimento, sem a sombra de dúvida que um procedimento tão “limitado” parece lançar, podem saber quando estender ou quando limitar seu uso.

(Os administradores efetivamente lançam mão desse método, mas não se sentem à vontade para discutir o que realmente estão fazendo, nem para confrontar as avaliações extremadas que lhes são feitas, em que o método das comparações sucessivas e limitadas ora é aclamado como uma forma altamente sofisticada de solucionar problemas, ora é denunciado como uma explícita renúncia a qualquer método; eu suspeito que, se há um sistema de

15 NOTA DO AUTOR: Em um outro trabalho, eu explorei esse mesmo método de formulação de políticas públicas,

tal como praticados por analistas acadêmicos de políticas públicas (“Policy Analysis”, 48 American Economic Review 298 [Junho de 1958]). Apesar de aqui eu fazer uma apresentação para administradores da área pública, não é

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resolver problemas que possa ser denominado “ir levando”, ou “ir de mansinho” [muddling through] é o método a que nos referimos neste trabalho).

Uma das mais notáveis – e incidentais – conseqüências dos estudos que levam ao esclarecimento do método das comparações sucessivas e limitadas é que se lança luz sobre essa grande sombra de dúvida (que um administrador público, encarregado de coordenar uma equipe, eventualmente mantém) sobre o desempenho de alguns de seus auxiliares ou consultores: de que eles não estariam a manifestar-se de forma realmente séria e consistente, de forma responsável, em pleno “trânsito

muddling through”. Essa dúvida persiste, mesmo que o administrador-chefe

tenha todas as evidências de que o trabalho desses assessores ou consultores é consistente e responsável. Mas ele pode não ter clareza acerca das referências que eles realmente estão a utilizar.

O problema reside no fato de que muitos de nós nos aproximamos de problemas de políticas públicas usando uma referência analítica construída a partir de nossa própria visão e experiência acerca de uma eventualmente longa cadeia de sucessivas decisões políticas (que se estende desde sua primeira informação passada, até o presente); por exemplo, aquilo que um administrador pensa acerca, digamos, do controle do tráfego urbano, é muito influenciado pelo conhecimento que ele tem dos passos que essa política pública deu (ou das mudanças que sofreu) até o presente.

Um administrador goza de um conhecimento pessoal, íntimo, entranhado, de SUA seqüência (tal como por ele testemunhada) das transformações sofridas pela política pública – algo que “pessoas de fora”

[outsiders] não partilham. O conhecimento que detém e o conhecimento

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pertinente e inteligente sobre a mesma política pública, mas os seus pontos de vista e seus argumentos podem parecer reciprocamente insatisfatórios. A relevância das “cadeias de sucessão” das mudanças incrementais passadas se torna ainda maior quando um norte-americano tenta discutir políticas, digamos, anti-trustes com um suíço, pois as “cadeias de sucessão” das políticas públicas em cada um de seus respectivos países é muito diferente – e cada um desses indivíduos organizou seu conhecimento e sua experiência de maneiras bem diferentes.

Esse é um fenômeno que ergue enormes barreiras à comunicação, e sua compreensão guarda promessas de um desejado enriquecimento da interação intelectual dos participantes do processo de formulação de políticas públicas. Uma vez que a fonte de suas diferenças for bem compreendida, tornar-se-á estimulante para que um administrador busque a opinião de um analista de políticas assemelhadas ou coincidentes, mas de um contexto totalmente diferente, e cuja experiência com essa política tenha implicado numa “cadeia de sucessão” das mudanças incrementais diferente da sua.

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Tabela 1 – Comparação das abordagens “compreensiva” e “incremental”

Referências

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