• Nenhum resultado encontrado

As compartimentações do espaço: o papel do planejamento territorial

Quanto aos processos de compartimentação do território do município de São Paulo, existem inúmeros modelos de divisões territoriais, propostas e efetivadas sejam por órgãos planejadores estatais ou empresas privadas prestadoras de serviços públicos. A incompatibilidade entre essas divisões “torna muito difícil a compreensão dos

Orgs. André Luís André e Silvia Lilian Ferro

[88]

propósitos, critérios e significados de cada uma das compartimentações” (HIDALGO, 2013, p.100). Neste sentido, é flagrante a necessidade e a importância de uma classificação das divisões territoriais que dê conta de abordar o difuso e complexo quadro que se apresenta no espaço urbano paulistano.

Essa atual divisão que se apresenta no Município de São Paulo, em Distritos, “configura-se como uma regionalização municipal, elaborada para a criação de uma base territorial para gestão e para coleta de dados estatísticos” (HIDALGO, 2013, p.95). A partir daí é possível considerar que muitas dessas divisões territoriais de São Paulo são regionalizações, pois se tratam justamente “de recortes espaciais que visam fins específicos de controle e gestão territoriais e são obtidos segundo os critérios e necessidades dos órgãos que os elaboram” (HIDALGO, 2013, p.46). Aqui apresentamos a ideia de regionalização como um tipo de divisão territorial com finalidade específica, mais prática – segundo classificação de Lysia Bernardes (1970) –, servindo para controle e gestão do território por determinados órgãos, governamentais ou não, visando o auxílio ao planejamento territorial, principalmente no que diz respeito ao levantamento e à organização de dados estatísticos.

Assim, a “regionalização, enquanto divisão territorial efetuada pelo Estado para controle do território, é aplicável ao contexto de um município, pois não há escala específica para esse processo” (HIDALGO, 2013, p.45). Sem a pretensão de neste artigo nos

Globalização, Regionalização e as Novas Ruralidades!

[89]

aprofundar na ampla e complexa discussão que envolve o conceito de região, consideramos importante ao menos partir de algumas questões, levantadas por Haesbaert (2010), referentes à relação entre a região e as dinâmicas de globalização e fragmentação, e o que se denomina de regionalidade. Parte-se então da ideia de região como uma construção realizada por diferentes sujeitos sociais e como “produto-produtora das dinâmicas concomitantes de globalização e fragmentação” e dos processos de diferenciação socioespacial (HAESBAERT, 2010, p.7); e de regionalidade como:

[...] a criação concomitante da ‘realidade’ e das representações regionais, sem que elas possam ser dissociadas ou que uma se coloque, a priori, sob o comando da outra – o imaginário e a construção simbólica moldando o vivido regional e a vivência e produção concretas da região, por sua vez, alimentando suas configurações simbólicas. (HAESBAERT, 2010, p.8) A partir dessa ideia de regionalidade entende-se melhor a problemática – que também é tratada, de certa maneira, por Hidalgo (2013) – da regionalização no que diz respeito à dificuldade de delimitação de distritos ou áreas de atuação dentro do território do município de São Paulo, adversidade essa que se agrava sem a garantia de participação popular. Essa atuação, se garantida e efetivada, facilitaria talvez os processos de regionalização mais ligados com as “regionalidades” dessas áreas, ou seja, provavelmente se levaria mais em conta aspectos que Haesbaert (2010, p.17) afirma serem necessários na análise regional:

Orgs. André Luís André e Silvia Lilian Ferro

[90]

[...] qualquer análise regional que se pretenda consistente [...] deve levar em conta tanto o campo da produção material quanto o das representações e símbolos, ideais, tanto a dimensão da funcionalidade (político-econômica, desdobrada por sua vez sobre uma base material - “natural”) quanto do vivido (simbólico-cultural, mais subjetivo) – em outras palavras, tanto a coesão ou lógica funcional quanto a coesão simbólica, em suas múltiplas formas de construção e des-articulação.

Ao pensarmos o caso do município de São Paulo, nos deparamos com um cenário no qual o processo de regionalização segue claramente uma lógica de “des-articulação”, pois se observa facilmente a ocorrência desses processos segundo interesses de determinados grupos, que não necessariamente, e dificilmente, representam a maioria da população. Nesse sentido, “sem dúvida, o que representa articulação para uns pode representar desarticulação para outros” (HAESBAERT, 2010, p.21). Os planejamentos vêm sendo elaborados e executados segundo interesses específicos, atuando de modo setorial, ignorando a totalidade do território e suas categorias de análise – forma, função, estrutura e processo (SANTOS, 2004) – o que acaba contribuindo, em muitos casos, na (re) produção de desigualdades socioespaciais.

Um planejamento territorial mais progressista demandaria uma política de Estado realmente preocupada com a sociedade, diferente da que se vê atualmente no Brasil, como ressalta Milton Santos (1997), onde a política está mais preocupada com os interesses privados de determinados grupos sociais, com a reprodução do capital, não se

Globalização, Regionalização e as Novas Ruralidades!

[91]

importando com as condições de vida da maioria da população, e enxergando o território através de uma ótica setorial e utilitária.

Um primeiro passo, modesto, mas talvez significativo, que redirecionou um pouco a maneira de se planejar o território do município se deu durante o mandato de Fernando Haddad, com a aprovação de um Plano Diretor Estratégico (PDE) que ficou marcado pela maior participação popular e por manifestações e forte pressão de movimentos sociais, entre eles o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que reivindicavam o direito à moradia. Ainda assim, a influência de alguns setores empresariais privados, como por exemplo, o mercado imobiliário, foi, como era de se esperar, bastante expressiva no processo de aprovação do PDE (ISAÍAS; COELHO, 2015).

A dificuldade de se trabalhar então a partir da classificação das compartimentações do município de São Paulo se torna evidente, devido principalmente a essa heterogeneidade do território e à dinâmica imbricação dos processos políticos, econômicos, sociais e culturais que ali se dão. Com isso, pensar o território além de suas práticas concretas é imprescindível, contudo, admitindo sempre sua importância, pois “é tão perigoso reduzir regionalizações a meras construções intelectuais quanto a práticas concretas” (HAESBAERT, 2010, p.17), ou seja, é necessário certo equilíbrio nesse sentido, o que pode ser garantido com análises que considerem e reconheçam a complexidade que envolve as relações dialéticas socioespaciais.

Orgs. André Luís André e Silvia Lilian Ferro

[92]

Referências Bibliográficas

BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. Regionalização. Fundação IBGE/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica, 1970. p.121- 131.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GUÉHENNO, Jean-Marie. O futuro da liberdade: a democracia no mundo globalizado. Bertrand Brasil, 2003.

HAESBAERT, Rogério. Região, Regionalização e Regionalidade: questões contemporâneas. ANTARES, n.3, jan/jun 2010. p.2-24.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de janeiro: DP&A, 2000.

HARDOON, Deborah. Wealth: Having it all and wanting more. 2015.

Disponível em:

<https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments /ib-wealth-having-all-wanting-more-190115-en.pdf>. Acesso em 17 nov 2016.

ISAÍAS, Thaís Lopes S.; COELHO, Helena Carvalho. O Processo de Aprovação do Plano Diretor de São Paulo: o papel dos movimentos sociais. In XXIV Congresso Nacional do Conpedi. Belo Horizonte, 2015. p.541-557.

MOREIRA, Ruy. Da região à rede e ao lugar: a nova realidade e o novo olhar geográfico sobre o mundo. Ciência Geográfica, n. 6, p. 1-11,

Globalização, Regionalização e as Novas Ruralidades!

[93] 1997.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. Edusp, 2005.

_______________. Da Política dos Estados à Política das Empresas. Cad. Esc. Legisl. Belo Horizonte, 3(6): 3-191, jul/dez, 1997, p.9-24. _______________. Por uma Geografia Nova: da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. 6. ed. São Paulo: Edusp, 2004.

_______________. Por uma outra globalização. Rio de janeiro: Record, v. 174, p. 25, 2000.

Orgs. André Luís André e Silvia Lilian Ferro

[94]

CEAGESP – Companhia de Entrepostos e