2. MÉTODO
3.3 ABORDAGEM PSICANALÍTICA DA ANOREXIA: UM TRATAMENTO
3.3.2 A abordagem psicanalítica da anorexia
3.3.2.1 As condições para que o trabalho se faça possível
De acordo com Cobelo, Gonzaga e Weinberg (2010) a proposta de
tratamento psicanalítico dos Transtornos Alimentares é complexa e exige do analista
modificações no enquadre e conhecimento específico das peculiaridades das
patologias. No entanto, a formação clássica do psicanalista não pode ser
dispensada. De acordo com as autoras:
[...] a psicanálise, em seus moldes tradicionais, requer adaptações ao ser eleita como terapêutica no tratamento dos transtornos alimentares. Sem dispensar a formação clássica do psicanalista no manejo dos recursos técnicos e metodológicos (transferência, abstinência, atenção flutuante e análise da contratransferência, resistências, etc.) esses quadros exigem certa adequação da técnica e do enquadre. (COBELO, GONZAGA; WEINBERG, 2012, p. 272)
As sugestões de mudanças no enquadre tradicional por nós encontradas
foram:
3.3.2.1.1. O contrato
Um analista de formação clássica estabelece condições especiais de contrato
através das quais analista e paciente prometem comprometer-se a certas condutas
e cumprir seu compromisso. Segundo Deutsch (2008, p. 20), o contrato trata de “[...]
um ato de vinculação que deve ser sustentado como condição de base para que a
vida da paciente, seu desejo de cura e o trabalho associativo, interpretativo e de
elaboração que constituem o processo psicanalítico, possam ter lugar”.
No que se refere ao contrato, ao ato de vinculação a ser estabelecido com
pacientes anoréxicas, Jeammet (2008) aponta que colocar um certo número de
exigências e inscrever um certo número de limites implica uma diferenciação entre
elas e os outros (o que é indispensável à sua evolução) e sugere um contrato de
peso:
Nossa experiência é que impor-lhes um certo número de medidas terapêuticas, como por exemplo um contrato de peso, e se ele não puder ser respeitado, a hospitalização com a separação do meio familiar tem um efeito mobilizador importante. É o sentido que damos ao estabelecimento do contrato com estas pacientes, encarado como um estímulo destinado a fazê-las movimentarem-se e saírem da rigidez de sua recusa e negação. O contrato, pelas exigências que introduz, desempenha o papel de uma suplência de uma função terceira e de um papel paterno, com frequência bastante apagado em um processo de distanciamento e autonomização em relação à figura materna. (JEAMMET, 2008, p. 46)
Um contrato de peso seria, para Jeammet, um contrato um tanto rígido que,
caso não seja respeitado, acarreta em hospitalização e separação da família. O
objetivo desse contrato de peso é fazê-las movimentarem-se e saírem da rigidez
com a qual se apresentam, pois, tendo a função de mediar a relação entre elas e o
analista, as exigências do contrato desempenham a função de suplência da função
paterna, a qual, como vimos nessa pesquisa, é frequentemente bastante apagado
nos casos de anorexia.
3.3.2.1.2 O divã
Para Cobelo, Gonzaga e Weinberg (2010), o uso do divã não é recomendado
para pacientes com essa problemática. As autoras defendem a posição face a face:
[...] esses pacientes não se beneficiam do uso do divã, sendo a posição face a face a mais recomendada, uma vez que precisam ser vistos pelo analista e usá-lo em sua função de espelho pelo menos até que sua
capacidade simbólica seja restaurada. (COBELO, GONZAGA &
WEINBERG, 2010, p. 272)
De acordo com as autoras, a posição face a face possibilita que o analista
seja usado como função de espelho, que o olhar deste (um olhar delicado, que não
seja inquisidor, abusivo, intrusivo e incestuoso como o olhar materno) devolva às
pacientes sua imagem, possibilitando a apropriação desta até que tenham maior
condição de apropriarem-se de suas falas, bem como de suas histórias.
3.3.2.1.3 A interpretação
Bruch (1973) aponta que uma interpretação do discurso das pacientes
anoréxicas, isto é, revelar à paciente aquilo que ela desconhece de si, pode
reproduzir o lugar que ela ocupa frente aos pais e ter efeitos persecutórios:
Isso acaba representando, na transferência, a repetição da relação de dependência do paciente com seus pais, como se ele constatasse algo como: “minha mãe/analista sempre sabe como me sinto”. Uma interpretação sobre as dificuldades do paciente, no sentido de denunciá-las para ele, compreendendo como se sente, muitas vezes tem efeitos persecutórios, vindo a confirmar e reforçar o seu senso de inadequação e ineficácia. (BRUCH, 1973, p. 336)
Para o autor, esses efeitos persecutórios reforçariam o senso de inadequação
das pacientes. Brusset (2008) concorda que a interpretação pode ser insuportável
para essas pacientes, acarretando defesas que podem, inclusive, levar à interrupção
do tratamento:
Com frequência, a interpretação, sentida como uma ação insuportável do outro sobre si e em si, não suscita recusa alguma nem revolta, mas acarreta, se não a fuga e a interrupção da terapia, o reforço das defesas pelo vazio, pelo nada, pelo nada a dizer, pelo empobrecimento não apenas do material em sessão, mas da vida psíquica, relacional e social da paciente: a morosidade mais do que a depressão, a retirada dos investimentos mais do que a angústia. (BRUSSET, 2008, p.143)
Assim, o que se sugere é que o analista não interprete, mas que tenha uma
postura mais ativa, sem ser antecipatória e intrusiva, resguardando a neutralidade
inerente à sua função. Recomenda-se também que o silêncio não seja excessivo
para que uma sensação de inquisição e de desamparo não as leve a se defenderem
ainda mais. Brusset (2008) recomenda, ainda, que, para manter a atividade de
pensar e falar, o material das sessões anteriores seja rememorado:
Ao evitar o duplo risco do excessivo e da rejeição, falando em excesso ou muito pouco, é, com frequência, necessário fornecer um tipo de apoio, lembrando o material das sessões anteriores e mantendo a atividade de pensar e falar. O enquadre tornado metáfora concreta das atitudes e da fala do analista pode ser investido como um envelope protetor, de forma que as
intervenções deste não mais sejam percebidas como intrusivas e perigosas, mas como um continente psíquico. (BRUSSET, 2008, p. 144)