2. MÉTODO
3.1 A ORALIDADE: A ORIGEM DO SUJEITO SOCIAL
3.1.3 Do masoquismo erógeno à fusão entre pulsões de vida e pulsões
Em decorrência da observação da tendência de seus pacientes repetirem
conteúdos que lhes causavam sofrimento, Freud (1920) introduz, em “Além do
princípio do prazer”, seu segundo dualismo pulsional: pulsões de vida x pulsões de
morte. A pulsão de morte passa a ser concebida como relativa ao princípio de
Nirvana, tendendo à redução completa das tensões por intermédio da compulsão à
repetição.
A partir de então, subvertendo a lógica do prazer, Freud passa a tentar
explicar a possibilidade de a dor e o desprazer poderem ser buscados e vividos
como satisfação, pois percebe que o que é repetido são conteúdos traumáticos.
Quatro anos mais tarde, com o texto “O problema econômico do
masoquismo”, Freud (1924) apresenta a noção de masoquismo erógeno. Nesse
texto, Freud (1924) aponta que a abordagem do masoquismo exige que a relação
entre o princípio do prazer e as pulsões de vida e de morte seja reexaminada, pois
esse princípio era inicialmente relacionado com as pulsões de morte na medida em
que era concebido como a redução das tensões, bem como o princípio de Nirvana.
Isso colocaria o princípio do prazer a serviço das pulsões de morte.
No entanto, constatando que nem todo aumento de tensão é desprazeroso
(pois a tensão sexual é vivida como prazerosa), Freud (1924) conclui que um fator
qualitativo deve ser levado em conta na definição do princípio do prazer:
Seja como for, temos de perceber que o princípio de Nirvana, pertencendo, como pertence, ao instinto de morte, experimentou nos organismos vivos uma modificação através da qual se tornou princípio de prazer, e doravante evitaremos encarar os dois princípios como um só. (FREUD, 1924, p. 200-201)
Freud passa a diferenciar o princípio do prazer do princípio de Nirvana e
acrescenta: “O princípio de Nirvana expressa a tendência do instinto de morte; e o
princípio de prazer representa as exigências da libido [...]” ((FREUD, 1924, p. 201).
Buscando compreender o que distingue um princípio do outro, Freud se questiona
que força é essa responsável pela transformação do princípio de Nirvana em
princípio de prazer e responde: “Ela só pode ser o instinto de vida, a libido, que
assim, lado a lado com o instinto de morte, apoderou-se de uma cota na regulação
dos processos da vida” (FREUD, 1924, p. 201). O princípio do prazer resulta da
modificação que a libido introduz no funcionamento das pulsões de morte. Assim, é
a ligação entre as pulsões de morte com as pulsões de vida (a libido), ou seja, essa
fusão pulsional, que é responsável pela regulação do aparelho psíquico.
A questão que nos fica a partir disso é: como se dá essa fusão, essa
amalgamação das duas classes de pulsões tão fundamental para o equilíbrio da vida
mental?
Para respondermos a essa questão, voltemos primeiramente a Freud (1924,
p, 205) quando ele aponta que a intrincação, a fusão pulsional, é contemporânea ao
masoquismo erógeno: “Esse masoquismo [erógeno primário] seria assim prova e
remanescente da fase de desenvolvimento em que a coalescência (tão importante
para a vida) entre o instinto de morte e Eros se efetuou”. Em seguida, partamos para
Rosenberg (2003, p. 80), que aponta que: “[...] a intrincação pulsional depende,
como sabemos, do objeto: ela se elabora, portanto, de modo primário no contexto da
díade mãe-filho, e depende é claro das condições particulares desse binômio”.
No início da vida do bebê, porque não há percepção do que não é eu (ou do
que é ruim), pulsões de vida e de morte são fusionadas, não há diferenciação. É
com a inserção da percepção do ruim (e consequentemente do afeto de ódio) que
há desintrincação. Após isso, nova intrincação deve ser realizada para a percepção
de objeto. É a essa (re)intrincação, ou (re)fusão, a que nos referimos quando
mencionamos a intrincação, ou fusão, entre pulsões de vida e de morte. É aí que
entra o masoquismo erógeno primário auxiliando o ego a suportar o que o objeto
tem de mau. Assim, é a relação com o objeto primário que possibilita que as pulsões
de vida e de morte se (re)intrinquem, ou se (re)fusionem.
Rosenberg (2003, p. 90) acrescenta ainda que “É o masoquismo erógeno
primário que mostra a possibilidade de erotizar a dor e o desprazer em geral [...]”. (p.
90) Em seguida, acrescenta: “[...] é o masoquismo primário erógeno que torna
possível ao pequeno ser humano suportar o desamparo primário [...]”.
É a partir da possibilidade de erogeneizar a dor, isto é, de investir
libidinalmente a ausência do objeto, que a (re)intrincação entre pulsões de vida e de
morte ocorrerá e possibilitará que o bebê suporte o desamparo que sente frente à
ausência do objeto primário. Para Rosenberg (2003), o masoquismo erógeno, por
possibilitar a intrincação pulsional, é o masoquismo guardião da vida.
Voltemos, assim, para o conteúdo apresentado anteriormente no qual
trabalhamos a importância da introjeção da função de para excitação materna para a
inscrição do autoerotismo e façamos um paralelo com o masoquismo erógeno:
podemos pensar que é a introjeção da função de para excitação materna, a qual
possibilita ao bebê reproduzir no próprio corpo o que foi inscrito por outrem e, dessa
forma, recorrer ao autoerotismo, que possibilita também, a partir do segundo
dualismo pulsional apresentado por Freud, a fusão pulsional responsável pelo
equilíbrio da vida psíquica.
Referindo-se à diferenciação entre eu-outro, que é possibilitada por essa
amalgamação, ou ao que Freud chamou de “polarização” antes da construção da
segunda teoria das pulsões, Rosenberg (2003, p. 174) escreve:
[...] o objeto, ao provocar desprazer e ódio, é carregado-investido da pulsão de destruição projetada nele pelo eu que se livra dela, dessa forma, no interior de si mesmo. A polarização descrita por Freud torna-se, portanto, na realidade, a polarização entre o que foi projetado da pulsão de morte para o exterior e a libido narcisista que habita, investe, o eu; e é essa polarização que, no interior do autoerotismo, compreendendo, certamente, o objeto
primário (ou, o que é equivalente, no interior da díade mãe-criança) opera essa clivagem primária entre sujeito e objeto, entre interior e exterior, entre dentro e fora.