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As conquistas no combate à violência contra a mulher

2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A MULHER NO BRASIL: EMANCIPAÇÃO,

2.3 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER AS CONQUISTAS NO SEU COMBATE

2.3.1. As conquistas no combate à violência contra a mulher

Uma das ações voltadas para o combate à violência contra a mulher destacadas na bibliografia especializada em estudos de gênero é a criação dos Juizados Especializados (JECRIMs), na década de 1990, através da Lei 9.099/95, resultado de pressões do movimento feminista por mais agilidade no acesso à Justiça. Conforme destacam Guita Debert e Maria Filomena Gregori (2008), uma das críticas às DEAMs naquela época se relacionava com o número elevado de boletins de ocorrências que não se transformavam em denúncias para o

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Ministério Público, ou seja, o acesso à Justiça não era garantido. Com a criação das JECRIMs, houve uma simplificação dos processos – as ocorrências de baixo poder ofensivo podiam ser encaminhadas com rapidez para os Juizados, onde ocorreria uma audiência com as partes envolvidas e poderiam ser aplicadas penas alternativas como o pagamento de cestas básicas e prestação de serviços à comunidade. Se, por um lado, os JECRIMs possibilitaram maior agilidade no encaminhamento dos processos, por outro, a sua criação foi acompanhada do processo de informalização que implicou na invisibilidade dos delitos cometidos (OLIVEIRA, 2006, apud DEBERT & GREGORI, 2008).

Após uma década de críticas ao funcionamento dos Juizados Especializados pelo movimento feminista, foi sancionada a Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Maria da Penha. O combate à violência contra a mulher esteve entre as pautas do movimento feminista desde a década de 1980. Com a nova legislação, o Código Penal foi alterado, extinguindo-se as sentenças alternativas e permitindo prisões preventivas. É importante destacar que, em décadas anteriores, as penas podiam ser atenuadas nos casos relacionados à defesa da “honra masculina”25

. Antes da Lei Maria da Penha, os agressores poderiam cumprir sentenças alternativas como a distribuição de cestas básicas e permaneciam em liberdade, implicando na recorrência do crime e ameaça à vítima.

Apesar de representar um passo importante para o combate à violência contra a mulher, ainda existem desafios até a sua efetivação. As pesquisadoras Márcia Tavares, Márcia Gomes e Cecília Sadenberg, que integram o Observatório Lei Maria da Penha (OBSERVE), publicaram os resultados de pesquisa qualitativa26 realizada em nove capitais de Estados brasileiros. O objetivo era identificar a percepção das mulheres vítimas de violência sobre o atendimento realizado pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, bem como sobre a Lei Maria da Penha. Os resultados demonstram as dificuldades de se efetivar a política de combate e prevenção da violência contra as mulheres e de garantir o acesso à Justiça. Um primeiro aspecto diz respeito à sistematização dos dados colhidos durante o atendimento das mulheres que procuram assistência nas DEAMs. Segundo a pesquisa do OBSERVE, são poucas as delegacias que mantêm um banco de dados atualizado com informações sobre as vítimas e os agressores. Segundo as autoras, as delegacias ocupam uma posição marginal nas políticas de segurança, apresentando estrutura insuficiente para um atendimento adequado, bem como recursos materiais insuficientes.

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Ver o artigo da Revista Época de agosto de 2011 que discute a Lei Maria da Penha. Ver mais em: <http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2011/08/09/5-anos-da-lei-maria-da-penha/>.

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As equipes que compõem as DEAMs também não são preparadas para o atendimento. Em muitos casos, constatou-se o desconhecimento acerca da existência de serviços especializados, para os quais as mulheres poderiam ser encaminhadas nos municípios. Mesmo quando isso ocorre, os encaminhamentos são realizados informalmente, sem protocolo de referência e contra-referência, o que inviabiliza a identificação dos serviços parceiros e o acompanhamento da rota crítica que as mulheres percorrem (TAVARES; GOMES; SADENBERG, 2011, p. 5).

Além disso, as pesquisadoras apontam um resultado ainda mais grave, que entra em conflito com a própria legislação – “algumas mulheres têm sido dissuadidas por funcionários da delegacia a prestar a queixa [...]. Também contrariando a LMP, continuam sendo feitas tentativas de conciliação” (TAVARES; GOMES; SADENBERG, 2011, p. 12). Foi identificado um aumento no número de atendimentos nas delegacias e através da Central 180,27que indica uma busca das mulheres por seus direitos. Por outro lado, a mesma pesquisa percebeu que há um desconhecimento das usuárias das DEAMs em relação à Lei Maria da Penha que “as impede de reagir contra a morosidade, o descaso e exigirem que suas demandas sejam atendidas e seus direitos respeitados” (TAVARES; GOMES; SADENBERG, 2011, p. 13).

Outro avanço importante, relacionado ao combate à violência contra a mulher, foi a aprovação do Projeto de Lei 19.137/2011 – conhecido como Lei “Antibaixaria”-, sancionada pelo Governo do Estado em 27 de março de 2012, na Bahia. A Lei Antibaixaria dispõe sobre a proibição de contratação, pelo Estado, de artistas cujos trabalhos desvalorizem, estimulem qualquer forma de discriminação, incentivem a violência ou exponham à situação de constrangimento as mulheres - trata-se, sobretudo, do combate à violência simbólica, prevista na Lei Maria da Penha. A Prefeitura de Salvador sancionou a Lei n° 8.286/2012 que também trata do combate à violência simbólica na música, agora, no âmbito municipal. Projeto de lei semelhante foi aprovado pela Câmara Municipal de Fortaleza (CE).28 O projeto de lei gerou polêmica, acusado de censurar bandas, sobretudo, de pagode baiano29.

O movimento de mulheres ainda possui muitas lutas a travar ao longo deste século XXI. A equiparação salarial para mulheres e homens é uma dos pontos que ainda precisa

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A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 - é um serviço ofertado pela Secretaria de Política para as Mulheres que recebe denúncias ou relatos de violência.

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Matéria sobre a aprovação da Lei Antibaixaria em Fortaleza disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2012/12/lei-antibaixaria-e-aprovada-na-camara-de-fortaleza.html>. Acesso em 01 de Nov de 2012.

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avançar. Segundo pesquisa30 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brasileiras continuam ganhando menos que os homens, e essa diferença salarial persistiu entre os anos de 2009 e 2012. Os dados da pesquisa apontam que as mulheres receberam, em média, 72,3% do salário dos homens, em 2011 - proporção inalterada desde 2009. Um projeto de lei que garantiria a equiparação salarial foi aprovado pelo Senado, em 2012, entretanto, após pressões, o governo recuou e desistiu de sancionar a lei, que deve voltar para discussão no legislativo.

A questão do aborto é outro ponto que enfrenta resistências31 na sociedade. Os abortos de risco são a causa da morte de 200 mil mulheres a cada ano – tema que levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a pressionar o governo brasileiro, em 2012, para superar “suas diferenças políticas e de opinião para salvar essas vítimas” (CHADE, 2012).

Na próxima seção, voltaremos nossa atenção para a questão da violência contra a mulher nos meios de comunicação. Analisar os discursos midiáticos nos permite entender uma das dimensões da violência de gênero – sua dimensão simbólica. Considerados como um espaço de disputa discursiva e de construção simbólica dos papéis sociais, os meios de comunicação – através de diferentes produtos e suportes - acabam por reforçar a lógica da violência de gênero. Autores como Iván Sambade (2008) acreditam que, hegemonicamente, os meios de comunicação constroem representações das mulheres que reforçam a desigualdade e a violência. Entretanto, na atualidade, já identificamos movimentos opostos de desconstrução desses discursos. Exemplo desta tentativa de mudança são as ações de organizações da sociedade civil que têm conseguido incidir no campo da comunicação – seja através de ações civis públicas que resultaram na conquista de espaço na grade de programação32, ou através do debate público, travado em espaços como as redes sociais. Como resultado, em alguns casos, as empresas de comunicação são coagidas a se retratar ou a

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Matéria sobre o projeto de lei que garantiria a equiparação salarial entre homens e mulheres disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/equiparacao-salarial-para-mulheres-sera-rediscutido/>. Acesso em 01 de Nov de 2012.

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Em estudo anterior, analisamos, a partir das noções de agendamento e enquadramento, a cobertura da descriminalização do aborto pelo jornal Folha de São Paulo, durante as eleições 2010 – fenômeno que poderia ser facilmente identificado nos demais veículos de comunicação do país. A pesquisa demonstrou que houve um agendamento do tema no veículo, a partir de um viés específico – o religioso - relacionado à “defesa da vida”, focando na contraditória mudança de posicionamento da então candidata Dilma Rousseff. Naquele período, foi divulgado levantamento realizado pelo Instituto DataFolha, que apontou que 71% dos eleitores afirmam que a legislação deveria ficar como está e 7% se posicionaram favoráveis à descriminalização (MOURA, 2012).

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Em 2005, uma ação civil pública no Ministério Público Federal resultou na retirada do ar do programa de João Kleber, então apresentador da Rede TV!. A emissora foi obrigada a veicular no mesmo horário 30 programas produzidos por diferentes organizações do país. O resultado pode ser acessado em: <http://www.intervozes.org.br/publicacoes/livros/a-sociedade-ocupa-a-tv-2022-o-caso-direitos-de-resposta-e- o-controle-publico-da-midia/asociedadeocupaatv2.pdf>.

recuar no discurso, mesmo que momentaneamente, em função de uma repercussão eventualmente negativa ou que ameace o seu contrato33com o público.