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Parte I – Considerações sobre o modo de produção mercantil-capitalista, a cidade e a urbanização

Capítulo 2 A industrialização-urbanização brasileira – uma jornada de continuidades

2.4 As contrapartidas no planejamento urbano

Tentaremos aqui, a partir principalmente do conteúdo trabalhado por Villaça (1999), apontar os nexos existentes entre os desenvolvimentos de ordem econômica por que passamos com suas contrapartidas nas transformações no planejamento urbano no país. Acreditamos que para cada grande período há diferenças relevantes que são incorporadas no planejamento das cidades. Os desenvolvimentos técnico-produtivos, mas principalmente ideológicos, que embasam as transformações econômicas, claramente se estendem para a gestão urbana.

Afirmamos ao longo desse capítulo haver uma linha de continuidade no descaso com que as autoridades tratavam os principais problemas urbanos e esperamos agora conseguir trazer elementos mais detalhados sobre isso. Villaça parte da noção de que o planejamento urbano se delimita a partir da ação do Estado sobre o espaço intraurbano. Ele aponta que há uma dificuldade inerente no estudo proposto. Essa dificuldade advém da comum e confusa mistura de ação e discurso das autoridades sobre o espaço urbano. É comum confundir uma “fala” ou uma “intenção” com uma ação.

Para poder fazer a análise, o arquiteto propõe um movimento “do presente para o passado”. A investigação histórica que se propõe busca os elementos constitutivos e característicos ao longo do tempo daquilo que se encontra na forma básica (e ideológica) de planejamento atual, marcado pelos Planos Diretores. Não quer dizer que não haja ações de diferentes esferas de governo com impacto sobre o território da cidade. Como exemplo, cita a ação no governo ditatorial no campo da habitação ou do transporte, como já tratamos nos tópicos que se antecederam a este. Mas afirma que isso não se encaixa no conceito de planejamento urbano utilizado, embora seja inegável o efeito dessas ações. Nesse trajeto em busca dos elementos constitutivos do Plano Diretor, deu-se ênfase para o que era Plano ou Planejamento enquanto conjunto de ações ou discursos e também a aquilo que se pretendeu como “geral” ou “integrado” ou “de conjunto”.

A proposição central do autor é que o entendimento enquanto ideologia dos conjuntos de discursos e ações propostos pelo Estado é o fio condutor da narrativa do planejamento urbano no Brasil. Isso permite ver, através do tempo, as mudanças de conteúdo, nome e procedimentos associados ao planejamento urbano, hoje, sintetizado no Plano Diretor. Villaça deixa muito claro que essas transformações serviram como estratagemas levados pelas classes dominantes para renovar sua ideologia e fazer valer um projeto de hegemonia e dominação do qual colhem privilégios, ao mesmo tempo em que relegam para o restante da sociedade, de forma subordinada, situações relativamente piores ou de ajuste aos seus anseios e ditames (da elite).

Ele estabelece os três grandes períodos em que divide a análise. Até 1930; 1930-1990; a partir de 1990. O primeiro é marcado belo urbanismo de melhoramentos e embelezamento, que carrega características da urbanização de contraposição à cidade medieval, com grandes obras e exaltação da burguesia e da lógica racional e monumentos nacionais. Suas referências são Versalhes, Washington, obras de Haussmann e de Pereira Passos. O segundo é marcado

pela ascensão do conhecimento técnico-científico e da racionalidade técnica como solução e norteadora da cidade. O terceiro é apontado como período de reação ao segundo.

A partir da década de 1930, a crescente substituição dos planos de embelezamento por aqueles de inspiração “geral” e técnica coincide com o aperfeiçoamento das estratégias e possibilidades de atuação dos agentes econômicos na sua apropriação urbana. O embelezamento de obras e monumentos dá lugar a obras de infraestrutura, transporte, saneamento, iluminação, há uma preocupação com a eficiência da cidade “como um todo”. O que não muda é o privilégio dado às áreas de interesse das elites e o escamoteamento dos problemas urbanos das classes de baixa renda. A mudança da lógica não contemplou também uma mudança no tratamento dos problemas urbanos arraigados na desigualdade social e econômica. Pelo contrário, as características do período 1940-1990, segundo Villaça, adotando um afastamento cada vez maior entre os planos e as demandas populares, com planos de prateleira, acabam consagrando um modelo de plano urbano que lembra muito a oposição comentada por Lefebvre, da necessidade de negar o conflito e a exclusão. O plano não pode dizer o que fará, mas também não pode deixar de dizer algo, então busca vender-se enquanto solução, sem nunca de fato encaminhá-la. Por muitas vezes, não consegue sequer tecer um diagnóstico razoável para os problemas que a cidade experimenta.

Villaça coloca no campo da ideologia o ponto central da questão do planejamento urbano. A partir de 1930, com problemas cada vez mais agudos, ganha espaço a ideia de que o cenário caótico e turbulento dos grandes centros urbanos se deve a uma suposta falta de planejamento e visão integrada. Desse modo, a aplicação de técnicas e métodos embasados e adequados seria capaz de prevenir e sanar os problemas urbanos. Ele coloca que há tempos as elites criam arcabouços técnicos e teóricos para enquadrar os problemas urbanos, conseguindo, no lugar, apenas ocultar as verdadeiras origens dessas questões e reforçando sua visão de cidade, sem nunca conseguir superá-los (os problemas).

Os Planos de Melhoramentos e embelezamento urbanos possuem origem renascentista, com apologia ao Estado burguês e sua classe dirigente. Atingiram grande penetração no mundo, em especial Madri, Barcelona, Paris, Budapeste, São Petersburgo, Buenos Aires, Chicago, Washington. No Brasil, vieram por influência de diferentes metrópoles mundiais, mas principalmente da França.

Aqui, este tipo de planejamento urbano foi o mais comum na intervenção pública sobre o espaço urbano até a década de 1940. Villaça cita presença desse tipo de abordagem

antes mesmo do início do século XX, em São Paulo ou Rio de Janeiro. A capital paulista teria recebido, na década de 1870, quase metade das receitas provinciais com gastos em embelezamento. É, inclusive, nessa década, que o autor aponta o aparecimento registrado da noção de planejamento urbano com que trabalha. O primeiro relatório da comissão de melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro, de 1875. Nele é possível ver menções a uma ideia de “plano” com aspectos “gerais” ou “de conjunto” para intervenção na cidade. O autor aponta muito bem que, evidentemente, o que se chamaria de “geral”, à época, teria outro significado em 1950, assim como em 1990.

O urbanista apresenta relato sobre o planejamento urbano na cidade do Rio de Janeiro, em especial com a participação de Pereira Passos, que viria depois, prefeito, a aplicar uma reforma urbanística na cidade. As reformas tinham inspirações parisienses e não eram de forma alguma imunes aos interesses da especulação imobiliária. Villaça destaca que nunca mais, depois de 1906, um plano seria tão fielmente aplicado por uma gestão. Sevcenko (1992) evidencia também a influência estrangeira nessa mesma característica de intervenção urbana. Sobre a inclusão de São Paulo no roteiro internacional de espetáculos e sobre as aspirações das elites em relação aos padrões de Europa e EUA, escreve:

A artificialidade repentina e sem raízes da riqueza cafeeira, gerando uma metrópole complexa da noite pro dia, lançou as imaginações num vazio, em cujo âmago aspectos fragmentados das organizações metropolitanas europeias e americanas atuavam como catalisadores de uma vontade de ser, diante da qual as condições seriam sentidas antes como embaraço e do que como a base o fim de um empreendimento coletivo. (SEVCENKO, 1992, p. 113)

Entre as influências que participaram da remodelagem sincrética da paisagem tropical favorecendo estilos europeus, o historiador destaca a inglesa (através da City of São Paulo Improvements and Freehold Land Co.), francesa, alemã, estadunidense (obrigatoriedade de se construir de três pavimentos pra cima no centro) e italiana. Eram comuns, desse modo, relatos de estrangeiros se sentindo “em casa” no cenário de grande metrópole de São Paulo. A orientação da intervenção urbana aliava-se aos interesses de se promover a apreciação imobiliária e, de forma conexa, a especulação.

Em termos de periodização, Villaça coloca que entre 1875 e 1906 deu-se a ascensão dos planos de melhoramentos e embelezamento e que entre 1906 e 1930 entrariam em declínio (mesmo sendo possível observar seus traços até mais tarde). Durante esse período, os planos refletiriam fielmente a capacidade de imposição dos anseios da elite da época, que abertamente colocava seus intentos e motivações, despreocupados com possíveis oposições

populares79. A partir do plano de Pereira Passos, começa uma alteração nesse quadro, como consequência da própria importância que passam a ganhar as duas principais cidades do Brasil, com crescimento acelerado e a necessidade de se contemplar interesses cada vez mais diversificados com a instalação de indústrias e proliferação do comércio como elites que se somavam aos aristocratas rurais. Nesse sentido, o autor afirma que os planos passariam então a tentar justificar os fracassos das elites na superação dos principais problemas urbanos vivenciados à época.

Villaça cita relatório do prefeito paulistano Raymundo Duprat sobre o biênio 1912- 191380, apontando a impossibilidade de se efetuar em sua integridade o Plano Bouvard para a cidade, indicando a necessidade de se atentar aos seus projetos no futuro. Mas mais importante, chama a atenção Villaça, é que ali ele, talvez em registro inédito, passa a priorizar a noção de “eficiência” e as obras de infraestrutura na cidade em oposição ao embelezamento. O então prefeito afirma que “(...) mais importante que a existência de monumentos e praças, deve-se dar à cidade uma disposição harmônica” (Cogep 1979, pg. 43 apud Villaça 1999 pg. 198).

Nas palavras de Villaça:

Esse relatório marca o início de um novo discurso, que durante a segunda metade do século será pronunciado por lideranças políticas e sociais, usado não mais para justificar obras que eram executadas, mas para tentar ocultá-las, pelo menos evitando seu anúncio antecipado, e para tentar justificar a falta de propostas para a solução dos problemas que se agravavam em nossas cidades. (VILLAÇA, 1999, p. 198)

A industrialização e a ascensão de camadas sociais proprietárias ligadas a ela, o comércio e a urbanização estão no centro da alteração de paradigma do planejamento para embelezamento para outro, ligado à eficiência e obras de infraestrutura. Villaça coloca que as grandes obras de consumo conspícuo passariam a perder sua importância relativa nos gastos dos governos locais em favor da construção das condições gerais de produção e reprodução de capital. Condições para a produção industrial, sua circulação e consumo, ligados a infraestrutura urbana ganhariam, então, maior expressão no orçamento e no ideário associado às transformações urbanas. Um dos marcos da transição para esse tipo de visão e que serviu de inspiração em diversas partes do globo data de 1927. Nesse ano, o Regional Survey of New

79 Recomenda-se fortemente a leitura do excelente “A Revolta da Vacina” de Nicolau Sevcenko para uma ideia

pormenorizada do cenário urbano do Rio de Janeiro à época das reformas e como a população reagiu e foi brutalmente reprimida no processo.

York and its Environs contou com o parecer de um economista contratado por comissão

composta de alguns membros notórios do empresariado local. Robert Murray Haig colocou, assim, a economia no centro dos assuntos urbanos, buscando dar cientificidade e recurso técnico para uma interpretação do que ocorria na cidade. As mudanças na concepção e interpretação da cidade ficam atestadas nas palavras do próprio economista: “Where the early

plan was once content to be a noble design, the modern plan aspires to qualify also as a

productive piece of economic machinery”81

. Em outro trecho, ele afirma ser necessário mudar o caráter econômico no planejamento urbano, de uma posição de bem de consumo para bem de produção.

Para Villaça, a organização do operariado no Brasil pode ser atribuída também à necessidade de se transformar as práticas urbanas. O crescimento das cidades e da indústria, a revolução de 1917 na Rússia, os moldes da organização europeia (grande parte era europeu), o descaso, abandono e desprezo das autoridades, tudo isso contribuiu para o fortalecimento de suas atividades. A organização operária foi importante porque fez nascer uma força que estaria no cenário político urbano do século XX, em especial a partir das grandes greves em 1917 e 1919. A década de 1930, como vimos, apresenta um cenário de transição com ascensão da organização popular e operária e, ao mesmo tempo, uma hegemonia em disputa entre aristocracia rural e seus apêndices urbanos e o empresariado urbano. Esses últimos cristalizam sua hegemonia na política urbana com o passar do tempo. Villaça afirma que mesmo com a ascensão da burguesia industrial como principal expoente hegemônico das elites, as disputas obrigariam a essa classe o uso todos os instrumentos à disposição para manutenção da sua posição de domínio. No cenário urbano, isso se consolidaria nos planejamentos urbanos.

Em alinhamento com aquilo que apresentamos no tópico 2.1, Villaça afirma que embora a burguesia urbano-industrial tomasse a posição de destaque e as rédeas do planejamento urbano e seus usos, o tratamento dispensado em relação às classes mais pobres não seria muito distinto daquele oferecido pela elite aristocrática de antes. Como evidência, cita Agache, em 1930, em conferência no Rio de Janeiro: “A favela é também uma espécie de cidade satélite de formação espontânea, que escolheu, de preferência, o alto dos morros, composta porém de uma população meio nômada, avessa a toda e qualquer regra de hygiene” (AGACHE, 1930. p. 19 apud VILLAÇA, Ibidem p. 203).

No mesmo sentido, em 1937, escrevia o então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio de Vargas, Salgado Filho:

Mas será obra social atender-se a esses habitantes das ‘favelas’ do Distrito Federal, que não são, a rigor, operários? (...) Todos os indivíduos que ocupam essas ‘favelas’, essas casas, já denominadas de cachorro, não são trabalhadores que vivem de um trabalho honesto (...) Pergunto à Câmara: será obra social fazer-se uma edificação para esses vadios? (BMTIC, 1937a, p. 229-230, apud BONDUKI, 1994, p. 180)

Com esse perfil de posicionamento, Villaça afirma ser claro que os planos urbanos não possuíam o interesse de efetivamente resolver as principais mazelas urbanas. Os discursos aqui apresentados colocam as populações marginalizadas como “não pertencentes” como o “outro”, algo distante. Não se poderia mais afirmar abertamente que os planos urbanos nada fariam para sanar essas questões. Seriam, destarte, apropriadas ou esquecidas, conforme fosse mais conveniente. Conforme se avolumam as massas urbanas e se organizam, fica cada vez mais difícil manter o proceder de antes, com anúncio anterior de obras através dos planos, atuando especialmente no campo imobiliário e dos transportes. Villaça coloca da seguinte maneira:

Cada vez mais os planos passam a ser discurso apenas, pois a classe dominante não tem propostas para resolver os problemas que se agravam. Os dilemas e os interesses a serem ocultados pelos novos planos estão claros. Não há como anunciar obras de interesse popular, pois estas não serão feitas, e não há como anunciar as obras que serão feitas, porque estas não são de interesse popular. (VILLAÇA, Ibidem, p. 204)

Desse modo, a partir de 1930, em especial com os planos de Agache para o Rio de Janeiro e o de Prestes Maia para São Paulo, seguem em declínio os planos de embelezamento e melhoramentos e em seu lugar ganham espaço propostas que se advogam gerais e em favor da cidade como um todo; planos multidisciplinares e o surgimento do plano diretor. Villaça classifica então o período entre 1930-1990 como aquele em que basicamente imperam os planos técnicos e intelectuais. Embora embasados com estudos técnicos e extensa dissertação sobre os problemas urbanos e suas causas, ganhariam caráter de planos-discurso. Pouco se questionava sua viabilidade, procurando firmar-se pelo mérito do conteúdo elaborado. Esse grande período é subdividido pelo autor em três: i- Urbanismo e Plano Diretor (1930-1965); ii- Superplanos (1965-1971); iii- “Plano sem Mapa” (1971-1992).

O urbanista afirma que no período transitório que marca o fim dos planos de embelezamento e a ascensão do urbanismo e planos diretores, caracterizado por uma transição

de hegemonia nos ditames políticos e econômicos do país, advindos da industrialização e consagração da burguesia nacional como classe dirigente conviveram, com pouca sistematização, muitas preocupações, inquietudes e pretensas soluções diferentes para os problemas urbanos então experimentados. Ele retrata isso com a grande diversidade de temas isolados que figuraram no I Congresso Brasileiro de Urbanismo no Rio de Janeiro, em 1941. Esse período, ainda segundo ele, traz pequenos ensaios de como as elites escamoteariam as soluções e encaminhamentos para as questões urbanas que rapidamente se tornavam mais agudas nos grandes centros urbanos do país. Já surgiam algumas referências ao “caos urbano” e ao “crescimento descontrolado” que se tornariam comuns na segunda metade do século. Essa condição construída do espaço urbano brasileiro, altamente excludente e insensível às condições das camadas sociais de poder aquisitivo mais baixo passaria, cada vez mais, a ser naturalizada como uma característica imutável e menos como algo a ser superado, ao menos de fato, pois em discurso seria algo sempre presente.

Em São Paulo, o período trouxe grande foco na infraestrutura, em especial nas vias de transporte, mas com indicações para saneamento, energia e os rios. Mas o foco era na remodelação de avenidas que traria consigo o interesse imobiliário das camadas de mais alta renda que passaria a deslocar-se no sentido sudoeste na cidade, de forma contígua ao centro82. O plano seria executado em maior medida, nesse sentido, que atenderia de forma mais aberta os interesses das elites.

Entre 1930 e 1965, a produção técnica de planos passou a superar a execução de seus conteúdos, naquilo que Villaça afirma ser a transformação dos Planos no sentido de se tornarem puro discurso. Planos cada vez mais técnicos são também uma ação no sentido de afastamento de sua elaboração em relação aos técnicos e membros das prefeituras. Planos são encomendados, possuem uma lógica interna forte, com interdisciplinaridade, diferentes técnicas, cálculos e assunções. Integram preocupações ligadas à indústria e ao funcionamento da cidade como sua base de operações, até mesmo como sua extensão. As partes precisam ser interligadas e seu funcionamento fluído, permitindo o transporte de mercadorias e pessoas (ou pessoas-mercadoria). O caráter geral e interdisciplinar, ademais, se confronta com a crescente setorização e especialização da máquina pública responsável pela implementação. Com isso, muitos gargalos surgem. Outra questão pertinente apontada por Villaça é que entre a aprovação e a execução dos planos passaram a figurar diversas dificuldades, à medida que os planos perdiam o caráter mais ligado a um simples plano de obras e passavam a contar com

recomendações competentes não apenas ao executivo ou obras, mas a regulamentações e práticas distribuídas pelos diversos órgãos das prefeituras, contando, inclusive, com necessidade de financiamento de diferentes esferas de governo. Por fim, justamente por apresentarem essas características em um grande compêndio de cada vez mais páginas, os planos foram se tornando cada vez mais facultativos – seria muito difícil cumpri-los à risca e muitas vezes inviável, o que contribuiu para difundir a ideia de “planos de prateleira”.

Para Villaça, quanto mais complexos e profundos eram os planos, na sua tentativa científica de contemplar a vasta gama de problemas urbanos que experimentavam nossas cidades, maior era sua distância em relação aos principais interesses citadinos das elites dirigentes. Nesse sentido, cita o caso da habitação popular que em 1930 já integrava preocupações do Plano Agache, mas que só veria ação concreta do Estado na década seguinte. Inaugurando a fase dos superplanos, o urbanista lembra do Plano Doxiadis – que tem seu auge no período de funcionamento do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), criado pela ditadura juntamente com o BNH – o plano foi entregue em inglês (contratado junto ao escritório homônimo, estrangeiro), apenas ao final do mandato do governador contratante. O mesmo ocorreu com o Plano Urbanístico Básico de São Paulo, sendo entregue ao final do mandato do prefeito Faria Lima. O PUB-SP, indica Villaça, faz uso de uma troca de nomenclaturas como forma de dissociar-se do Plano Diretor, que então era sinônimo de fracasso e de atraso. O autor acusa-o de falso plano, que parte de um nome falso. Ele diz não se tratar de um Plano Urbanístico, porque versava sobre muitos outros temas, entre eles a educação, saúde, cultura, energia elétrica, cemitérios, segurança, finanças, entre outros. Tampouco era “básico”, pois contava com 3.400 páginas distribuídas em 6 volumes. O PUB-