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AS CONTRIBUIÇÕES DA MICROSSOCIOLOGIA DE ERVING GOFFMAN

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2.5 AS CONTRIBUIÇÕES DA MICROSSOCIOLOGIA DE ERVING GOFFMAN

O problema da interação entre os atores sociais ganhou espaço na sociologia a partir das análises de Goffman, para esse autor canadense as pessoas quando em presença de outras buscam causar impressões que influenciarão no progresso das relações.

Goffman fazia parte de um grupo de sociólogos que contestava as explicações funcionalistas da sociologia parsoniana, para a qual a ação social não passava de um produto de pressões de fatores externos a exemplo de normas, valores e sistema cultural. Para a sociologia “interacionista” a ação social se constrói nas interações estabelecidas entre os atores sociais. Para esse autor, “quando um individuo se apresenta diante de outros, terá motivos para procurar controlar a impressão que estes recebem da situação” (GOFFMAN, 1988, p.23), nesse sentido a interação se define como “a influencia recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata” a qual pode ocorrer em

qualquer ocasião em que as pessoas se encontram face-a-face, em presença imediata de outros.

No processo de interação, de acordo ao pensamento Goffmaniano as pessoas atuariam numa espécie de dramaturgia, representando papéis em busca de causar impressões naqueles que lhe observam, nesse sentido torna-se necessário que as pessoas ao interagirem se impressionem mutuamente, o que segundo Velho (2008) a interação requer um compartilhamento ou cumplicidade entre ao atores. Este autor, destaca ainda que, existe na interação a possibilidade constante de conflito expressando-se cada vez que houver antogonismo de interesses dos atores sociais envolvidos, provocando desentendimentos, mal entendidos o que caracteriza um desencontro afetivo-cognitivo.

Um dos conceitos trabalhados por Goffman é o de “definição da situação”, conceito este utilizado pela maioria dos teóricos da escola sociológica de Chicago. Entende-se por “definição da situação” o “ processo a partir do qual se atribui um sentido ao contexto vivido, da resposta que cada pessoa dá à seguinte pergunta: o que está acontecendo aqui, agora?”(GASTALDO, 2008, p.150) Para Gastaldo (2008) essa definição é vital para se compreender como as pessoas organizam suas ações na vida cotidiana.

Outro aspecto a considerar nos processos de interação é a tendência dos atores sociais de oferecer aos seus observadores uma impressão idealizada, nesse sentido os indivíduos moldam e alteram suas praticas para se ajustar à compreensão e atender ao que a sociedade espera no contexto em que tais práticas são apresentadas. “Assim , quando um individuo se apresenta diante de outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar valores oficialmente reconhecidos pela sociedade e até realmente mais do que o comportamento do individuo como todo.” O pensamento de Goffmamn se articula com o de Moscovici, quando se considera que as pessoas atuam a partir de guias de comportamento considerados ideais para cada contexto social, ou seja os atores se comportam guiados por representações sociais, crenças e imagens que dão sentido ao seu mundo objetivo a partir da premissa de que há um idealização previa sobre comportamento a ser adotado em cada situação. Na medida em que interagem face-a- face os atores sociais colocam suas crenças em prática.

Segundo Goffmam as pessoas quando em presença de outras utilizam-se de seus corpos para emitir sinais que transmitam informações sobre si mesmas, e na maioria das vezes elas o fazem de modo inconsciente e em outras situações adotam certos comportamentos somente por que tem a consciência de que estão sendo observados, neste

sentido o corpo funciona como uma espécie de idioma e sua linguagem consiste num “discurso convencionalizado” e muitas vezes também normativo (GOFFMAN, 2010, p.45).

Em outras palavras, através do corpo a pessoa assumiria uma forma obrigatória em transmitir certas informações na presença de outros, omitir outras informações bem como, esperar que as demais pessoas também adotem certas formas de apresentar-se publicamente. E desse modo, se organizam e interagem criando expectativas de como comportar-se em determinados momentos e contextos sociais.

Outro aspecto importante ressaltado por Goffman é a idéia de que o individuo sempre informa algo sobre si, através do corpo, defende o autor que não é preciso falar para se comunicar, mesmo em silencio as pessoas sempre comunicam algo de si mediante a linguagem corporal.

Partindo dessa idéia de comunicação, os corpos das pessoas enfermas, ou com agravos de saúde com alterações corporais, comunicam mesmo sem dizer uma só palavra e uma vez que estes apresentem-se com sinais visíveis podem ser classificados e hierarquizados, podendo traduzir-se em experiências estigmatizantes ou de desvio, ao possuir um modo de expressão corporal dita “diferente” do da maioria. A pessoa que possui uma marca corporal pode representar uma ameaça à norma. A sociologia de Goffman mostra-se extremamente útil para a compreensão das relações que se estabelecem entre as pessoas cronicamente feridas, não somente por que suas proposições teóricas permitem a compreensão sobre as interações face-a-face na vida cotidiana, como mostra-se fundamental, também, para entender como tais interações ocorrem entre grupos sociais desvalorizados socialmente a partir de suas considerações acerca da experiência do estigma.

Ao se referir às pessoas estigmatizadas Goffman afirma que trata-se de estar diante de indivíduos que se encontram desabilitados de serem aceitos plenamente pela sociedade, e o estigma diz respeito a “ um atributo profundamente depreciativo” que pode ser uma sinal ou uma marca corporal. Segundo ao autor, o termo estigma é originado na Grécia antiga para referir-se a sinais corporais mediante os quais se buscava salientar aspectos extraordinários ou que servisse de desqualificação moral daqueles que os apresentava.

Posteriormente outros sentidos foram sendo agregados ao termo um de cunho religioso às marcas corporais e outro de cunho médico a essas mesmas marcas. Ou seja: para a religião os sinais corporais representavam “ uma graça divina” apresentadas em formas de erupções cutâneas ( as lesões de pele) ; e para a medicina essas mesmas manifestações foram interpretadas como sinais de distúrbios físicos.

Para Goffman (1985) o termo estigma na atualidade relaciona-se muito mais às repercussões negativas sobre a vida das pessoas marcadas, o que ele denominou de “desgraça”, do que uma referencia à marca corporal em si.

Buscando ampliar a compreensão sobre as idéias de Goffman sobre tal experiência Melo (2000, p.1 ) afirma que

A sociedade estabelece um modelo de categorias e tenta catalogar as pessoas conforme os atributos considerados comuns e naturais pelos membros dessa categoria. Estabelece também as categorias a que as pessoas devem pertencer, bem como os seus atributos, o que significa que a sociedade determina um padrão externo ao indivíduo que permite prever a categoria e os atributos, a identidade social e as relações com o meio.

Ao serem catalogadas as pessoas adquirem rótulos e assim passam a serem representadas e, a elas a sociedade dirigirá um olhar diferente do que dirige aos seus demais membros, difundido idéias em torno dessas pessoas, idéias essas que quando compartilhadas por grupos se configuram em Representações sociais negativas, que fundamentarão as práticas e os modos de interagir dessas, e para com essas pessoas.

Segundo Goffman (1988), quando o “estranho” se nos apresenta é interpretado como alguém que possui um atributo que o leva a ingressar numa categoria que o desconsidera como “sujeito normal”, deixando de considerá-lo como pessoa comum e total ela é reduzida à “pessoa estragada e diminuída”(GOFFMAN, 1988, p.12) e com isso “um individuo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus”(GOFFMAN, 1988, p.14).

Vale destacar que, a percepção da diferença e as representações sociais negativas que a marca da diferença traz a uma pessoa, também, são assimiladas por ela própria. Isso ocorre quando o indivíduo estigmatizado assume que a sua característica depreciativa é conhecida ou prontamente identificável aos olhos dos outros.

As pessoas que ingressam em experiências estigmatizantes podem elaborar comportamentos comuns, tais como: buscar correção do seu “defeito ou marca”, essa busca incessante pode torná-lo susceptível à vitimização de grupos de charlatães que prometem a cura para o problema; eles também podem buscar tal correção se dedicando a prática de comportamentos que impliquem em demasiado esforço para a sua condição, tentando mostrar ao mundo dos “normais” o quanto são capazes apesar de suas limitações; poderão ainda, usar seu estigma para obter “ganhos secundários” ou representar que seu problema e as provações

que este produz são como“bênçãos”, pensamento este ancorado na crença de que o sofrimento é edificador e ensina muito sobre o viver humano (GOFFMAN, 1988).

Como no cotidiano existe a necessidade de interação constante entre pessoas “ditas normais” e estigmatizadas essas ultimas elaboram diversas estratégias para o enfrentamento das situações em que necessitam interagir com as outras pessoas consideradas “normais” dentre elas o silenciamento, a elaboração de histórias para disfarçar problemas e o auto- isolamento.

Nas interações cotidianas podem ocorrer que indivíduos percam o controle das impressões que desejam causar ao grupo que constitui uma audiência, assim existe uma “relação entre ordem da interação e o sentimento de embaraço” (MARTINS, 2008, p. 137 ), já que no momento em que o domínio sobre as impressões que se pretende causar são perdidos a interação sofre um desequilíbrio e dela pode advir o sentimento de embaraço para os envolvidos.

Mesmo em ausência de outros os indivíduos podem manter determinados comportamentos mesmo na “ausência de uma situação real” buscando evitar situações de embaraço (GOFFMAN, 2010, p.51). Esse tipo de autocontrole da imagem e da ação pode estar influenciada por representações que os indivíduos crêem que os demais nutrem em sua direção, isso explica por que pessoas feridas podem tentar omitir seu ferimento mesmo estando em presença daqueles que já conhecem seu problema na unidades de saúde.

Em sua obra “Comportamento em lugares públicos” Goffman (2010) traz uma historia bastante representativa do que se passa com as pessoas enfermas mediadas pelas representações que essas elaboram em torno de si julgando operar a partir das representações alheias. O autor descreve uma situação em que uma paciente “revela que é capaz de se concentrar em outros quando ela mesma não esta envolvida e sente que não é observada no processo. Em situações em que isso ocorre e ela descobre que esta sendo observada, rapidamente volta sua atenção para dentro”. Nesta experiência é possível ressaltar que a pessoa enferma tende a desenvolver, ao longo do processo de enfermar-se, um modo retraimento o que lhe ocasionará menor disposição para a interação.

Nesse sentido a articulação entre as Representações sociais de Serge Moscovici e a microssociologia de Erving Goffman, neste estudo, torna possível a compreensão da vivencia de mulheres e homens cronicamente feridos, uma vez que o modo como esses se representam tende a definir a ação social entre os mesmos, principalmente no que se refere ao manejo das informações sobre sua imagem.

3 METODOLOGIA