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CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTALIZAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA

1.5 ANÁLISE DO DISCURSO

1.5.1 As contribuições teóricas de Basil Bernstein

A partir do conceito de recontextualização do discurso de Basil Bernstein que vem sendo associado à abordagem do ciclo de políticas constituindo fonte de metodologia para as pesquisas de análises das políticas, pois é a partir das reinterpretações dos textos das políticas, produzidos nos contextos macros, que podemos identificar como se estabelecem as relações entre processos de reprodução, resistência e mudança nos contextos micro.

Outro fator, o princípio de recontextualização, as contribuições e conceitos de Bernstein, auxiliam na análise das políticas educacionais como, por exemplo: o Discurso Pedagógico com suas regras distributivas, recontextualizadoras e avaliativas; as regras de reconhecimento e realização, nos campos recontextualizadores oficial e pedagógico (BERNSTEIN, 1996).

Bernstein, preocupa-se com as questões macro da educação, as relações que se estabelecem com os sistemas político, econômico e cultural; e de outro lado, com as questões micro, as relações que se estabelecem no âmbito das escolas, das salas de aula, mais ainda com aspectos intrínsecos ao processo de transmissão do que é transportado do exterior para o interior da escola (códigos), a partir de dados posicionamentos, numa relação determinada entre os sujeitos, como uma criação de regulações específicas no interior dos contextos (BERNSTEIN, 1996).

Segundo Lopes (2003, p. 23), para Bernstein, a escola deve garantir três direitos nos níveis individual, social e político:

O primeiro deles se refere ao desenvolvimento pessoal, à formação dos sujeitos e opera no nível individual. O segundo, que opera no nível social, diz respeito ao direito de ser incluído, que é diferente de ser absorvido, pois inclui autonomia. O terceiro, que opera no nível político, é o direito à participação, que inclui a possibilidade de participar na construção, manutenção ou mudança de ordem social.

Tratar da inclusão social como efeito de segunda ordem na análise de uma política requer que nos apropriemos de conceitos tais como igualdade e diferença, compreendendo as articulações existentes entre eles, principalmente no que se refere à exigência de reconhecimento da diferença e de uma redistribuição que permita a realização da igualdade (BERNSTEIN, 1996; SANTOS, B.; NUNES, 2003).

Essa discussão remete à ultrapassagem da compreensão do multiculturalismo que apenas “aceita, tolera ou reconhece a existência de outras culturas no espaço cultural onde domina” para o conceito de interculturalidade, que “pressupõe a existência, o reconhecimento recíproco e a disponibilidade para o enriquecimento mútuo entre várias culturas que partilham um dado espaço cultural” (SANTOS; MENEZES, 2009, p. 09).

Segundo Apple (1999), as reflexões de Bernstein se iniciaram através da relação entre cultura e poder, ou para melhor dizer, das ligações entre escola, economia, cultura de classe e suas práticas significativas. Para Bernstein, é através das relações de classe que o poder se reproduz. Assim, sua “[...] categoria central de análise é o poder, e o assunto preponderante é como as relações sociais constituem relações de poder [...]” (APPLE, 1999, p. 167).

Segundo Cohen & Franco (1999, p.104) a eficiência é: “...a relação existente entre os produtos e os custos dos insumos, portanto, o resultado será sempre o custo de uma unidade de produto final por um beneficiário em uma certa unidade de tempo”.

Figueiredo & Figueiredo (1986) também apontam para a definição do critério de eficiência. Para esses autores, existem dois tipos de eficiência que podem ser distribuídos a uma

política ou programa de cunho social: a eficiência instrumental e a eficiência política.

Em relação ao primeiro tipo de eficiência, os autores afirmam que “esta é definida pela relação estrita entre os custos econômicos e os benefícios que são, em geral, tangíveis e divisíveis”. Já em relação à eficiência política, “esta é definida pela relação entre os custos, sociais ou políticos, e os benefícios derivados” (FIGUEIREDO &FIGUEIREDO, 1986, p.114).

Para Tenório (2000, p.76) a eficiência é a definida como o “cumprimento de normas e redução de custos”. Portanto, avaliar a eficiência de um projeto é averiguar a relação entre custo e resultado obtido. Para tanto, é necessário analisar o custo-resultado e o insumo/produto do projeto. Um projeto é considerado eficiente quando seus resultados são alcançados dentro do menor custo possível. Neste ato, pontua a necessidade contextualiza o currículo dentro da política PROEJA, verificando sua aplicabilidade no contexto escolar integrando e articulando dentro do universo ensino aprendizagem.

Lopes, 2005, corrobora que a compreensão das reinterpretações que sofrem os textos que circulam no meio educacional, desde o contexto de influência até o contexto da prática nesse âmbito, há espaço para se pensar o entendimento dos processos de aquisição/comunicação/troca simbólica (códigos elaborados/restritos), pelas interações entre classe social e cultura, pelos processos de recontextualização de conhecimentos e práticas, mediados pelos processos pedagógicos e interculturais, em que se articulam processos instrucionais (competências especializadas) e educativos de humanização. Ou seja, a partir do contexto influência a prática, há discricionariedade na interpretação dos textos educativos, em foco. Este entendimento é disposto por Lopes, 2005:

[...] São orientações de agências multilaterais que se modificam ao serem inseridas nos contextos de Estados-nação; são orientações curriculares nacionais que são modificadas pela mediação de esferas governamentais intermediárias e das escolas; são políticas dirigidas pelo poder central de um país que influenciam políticas de outros países; são ainda os múltiplos textos de apoio ao trabalho de ensino que se modificam nos disciplinares (LOPES, 2005, p.53).

Assim, o PROEJA, destinado a um grupo específico (jovens e adultos marcados historicamente pela exclusão educacional e social) com fins de concretização de um direito que já lhes fora negado em idade própria, sofre aquelas influências e passa por transformações desde a sua definição e durante o desenvolvimento contínuo, entre a prática da política governamental e a prática institucional educativa, na concretização dos seus efeitos, quer político-sociais, quer pedagógicos. Dessa maneira, Bernstein nos auxiliou tanto em relação à compreensão do discurso pedagógico que se produz nessa relação política/prática como também na análise dos efeitos da política do PROEJA.

De influência durkheimiana e marxista, a teoria de Bernstein representa o mundo simbólico e do significado por um lado, e, por outro, o mundo do poder diferencial das classes. Então não vislumbra somente as questões econômicas, mas também as questões culturais.

[ ... ] Bernstein permite-nos ver a classe como uma categoria cultural e como uma categoria econômica. Neste processo, apresenta-nos uma imagem das fracções de classe agindo não só no seio da economia como também no centro das instituições políticas e culturais. Estas acções não se podem reduzir facilmente de acordo com as necessidades e os interesses do capital nem são mecanicamente determinadas pela economia. [ ... ]

[ ... ] Nunca nos devemos esquecer que o seu destaque principal é consistentemente a (re)produção cultural. [ ... ] (APPLE, 1999, p. 166-167)

O conhecimento educacional e, com ele, as relações de dominação, para Bernstein,

realizam-se. através de três sistemas de mensagem: o currículo, a pedagogia e a avaliação. Apesar dos seus escritos iniciais terem se concentrado no currículo (o que conta como conhecimento válido), posteriormente passou a dar mais atenção às relações estruturais entre os conhecimentos e suas relações com os princípios de poder e controle - relações de dominação. Depois se preocupou mais com a pedagogia (o que conta como transmissão válida do conhecimento) e com a avaliação (o que conta como realização válida desse conhecimento) (SILVA, 2009a).

Dessa forma, Bernstein passa a dar centralidade ao processo de comunicação pedagógica para, através das práticas discursivas, entender como a aprendizagem se desenvolve de forma seletiva e, em consequência disso, como as desigualdades educacionais são produzidas e justificadas. Pretende, assim, em sua teoria, compreender como a estrutura e a lógica do discurso fornecem os meios que transportam as relações externas de poder.

Com isso, o referido autor introduz o dispositivo pedagógico destacando que não basta compreender as mensagens pedagógicas do ponto de vista institucional e ideológico,

mas, sobretudo, do ponto de vista da gramática social subjacente à pedagogização do conhecimento; e entre o conhecimento e formas de consciência (BERNSTEIN, 1996, p.225).

Assim, o dispositivo pedagógico, para Bernstein, constitui-se de três tipos de regras: distributiva29, recontextualizadora30e avaliativa31.

29 As regras distributivas regulam, controlam, ou, melhor dizendo, nos termos de Bernstein, marcam e especializam o que pode ser pensável ou impensável. Ou seja, essas regras regulam a especialização diferenciada

da consciência para os diferentes grupos.

30 As regras recontextualizadoras - o discurso pedagógico - consistem nas regras de comunicação especializada através das quais os sujeitos pedagógicos são seletivamente criados. "O discurso pedagógico é a comunicação especializada pela qual a transmissão/aquisição diferencial é efetuada." É “[...] a regra que embute um discurso de competência (destrezas de vários tipos) num discurso de ordem social, de uma forma tal que o último sempre

[...] As regras distributivas regulam a relação fundamental entre poder, grupos sociais, formas de consciência e prática e suas reproduções e produções. As regras recontextualizadoras regulam a constituição do

discurso pedagógico específico. As regras de avaliação são constituídas na

prática pedagógica. [...] (BERNSTEIN, 1996, p. 254).

Sendo que o princípio que rege o discurso pedagógico é o princípio recontextualizadora que,

Seletivamente, apropria, reloca, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua própria ordem e seus próprios ordenamentos. Neste sentido, o discurso pedagógico não pode ser identificado com quaisquer dos discursos que ele recontextualiza. Ele não tem qualquer discurso próprio que não seja um discurso recontextualizadora (BERNSTEIN, 1996, p. 259).

Bernstein define os campos recontextualizadores como sendo o campo e o subconjunto estruturados. Afirma que as principais atividades dos campos recontextualizadores são criar, manter, mudar e legitimar: o discurso, a transmissão e as práticas organizacionais que regulam os ordenamentos internos do discurso pedagógico. O Campo Recontextualizador Oficial (CRO) é aquele dominado pelo Estado e seus agentes, política e administrativamente; e o Campo Recontextualizador Pedagógico (CRP) é constituído pelos educadores, departamentos de educação nas universidades, pelos periódicos especializados e fundações de pesquisa (MAINARDES, 2007; SANTOS, L., 2003).

Na mesma lógica, Bernstein (1996, p. 272) divide o discurso pedagógico em: Discurso Pedagógico Oficial (DPO) - "as regras oficiais que regulam a produção, a distribuição, a reprodução, a inter-relação e a mudança dos textos pedagógicos legítimos (discurso), suas relações sociais de transmissão e aquisição (prática) e a organização de seus contextos (organização)"; e Discurso Pedagógico Local (DPL) - "regula o processo de reprodução cultural ao nível da contextualização inicial da cultura, essencialmente na família e nas relações entre grupos de colegas".

As regras de avaliação estão relacionadas à prática pedagógica. Bernstein considera que a prática pedagógica não reproduz necessariamente o discurso pedagógico; aquilo que é adquirido não é necessariamente aquilo que é transmitido. Elas avaliam "os discursos gerados pelas práticas manuais juntamente com os executores dessas práticas e os grupos sociais que elas pressupõem." (BERNSTEIN, 1996, p. 284).

Diante do exposto, é importante atentarmos para as formas distintivas de

31 As regras avaliativas – avaliação relação com termo eficiência fazendo uma distinção entre dois termos eficácia e efetividade (SIEMPRO, 1999, p.104). a avaliação da eficiência “mide los resultados alcanzados em relación com los custos y tempos previstos”. Estas estão relacionadas com a prática pedagógica (BERNSTEIN, 1996, p. 284).

comunicação, as quais são reguladas pela prática pedagógica, pois

As relações sociais regulam a forma de prática pedagógica e, assim, a categoria mensagem específica. A mensagem fundamental de uma prática pedagógica é a

regra para a comunicação legítima. Assim, as relações sociais no interior da

reprodução controlam os princípios de comunicação e, ao fazê-lo, regulam aquilo que chamaremos de contexto comunicativo (BERNSTEIN, 1996, p. 55-56).

Em virtude da consistência da teoria de Bernstein, o pesquisador de políticas educacionais e curriculares poderia expandir o seu espectro de análise quando conhece os diversos aspectos dos trabalhos de Bernstein e o sentido da teoria (ou teorias) por ele formulada. O trabalho de Bernstein sobre o discurso pedagógico busca compreender a produção, distribuição e reprodução do conhecimento oficial e como este conhecimento articula-se com as relações de estruturalmente determinadas. Um aspecto essencial da teoria de Bernstein é que ele estava preocupado não apenas em descrever os processos de transmissão e aquisição de conhecimentos, mas também e com as suas consequências para diferentes grupos sociais (SADOVNIK, 2006).

Singh (2002) relata que nos trabalhos de Bernstein percebe-se a preocupação com a classe operária e com os direitos dos estudantes que se encontravam em desvantagens sociais e educacionais.

1.5.2 A Noção de Recontextualização e a Análise de Políticas Educacionais e

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