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CAPÍTULO 1 DO URBANISMO MODERNO AO NEW AMERICAN

2.4 AS CRÍTICAS SOBRE O MOVIMENTO: UM DESTAQUE PARA AS

A difusão das idéias de Duany, Zyberk, Calthorpe e, posteriormente, do CNU, se, de um lado tem conseguido atrair mais adeptos e alcançar outros territórios, de outro tem sofrido incisivas críticas no campo acadêmico. Apesar de todo discurso de reação contra o modelo de crescimento suburbano, de construção de comunidades tradicionais, sustentáveis, diversificadas e acessíveis, podemos considerar que nem tudo são flores, e que alguns princípios implicam, ou em verdadeiras lacunas, ou em discursos altamente vagos e insuficientes.

Já foi especificado que algumas das obras de maior destaque do New Urbanism, como Seaside e Kentlands, constituíram-se como cidades efetivamente

caras e de forte apego as questões estéticas. Outras cidades demonstram um conservadorismo estilístico exacerbado, paisagens homogêneas, e processos de gentrificação, o que vai de encontro aos pressupostos de diversidade social e arquitetônica. Fernando Lara (2001) atesta que, já no primeiro CNU, Michael Sorkin apresentou 10 advertências relativas aos projetos. Em suma, Sorkin reitera que o New Urbanism necessitaria debater mais seriamente a questão da diversidade e procurar ampliar suas propostas para um número cada vez maior da população, atentando-se também ao forte apego estético inserido nos projetos, preocupação primária ante os princípios tão propalados de diversidade e mobilidade. O que Sorkin conclamou durante o CNU buscava chamar a atenção para alguns cuidados fundamentais na elaboração de novos projetos, virtualmente associados a inversões de prioridades.

Ainda sim, Sorkin realizou advertências voltadas para as perspectivas futuras do movimento. Críticas mais contundentes são encontradas em outros autores, como Alex Krieger (1998), David Harvey (1997), Peter Marcuse (2000) e Philip Gunn (2005).

Alex Krieger, em seu artigo “Whose Urbanism” (Urbanismo de quem?), questiona veementemente o discurso que tem acompanhado o New Urbanism. Os argumentos de Kriger apontam para um amplo descompasso existente entre as repercussões e as realizações efetivas do modelo nos Estados Unidos, enfatizando o quanto o mesmo tem se difundido com base num discurso retórico do “bom urbanismo”. Krieger enquadra Duany na categoria de visionários das idéias sobre projetos urbanos, assim como Haussmann, Le Corbusier, Raymond Unwin, e outros, reforçando que suas idéias estão encobertas de particularismos. As evidencias levantadas por Krieger78 e traduzidas por Macedo79 ressaltam que os trabalhos

realizados pelo New Urbanism:

• Favorecem mais o gerenciamento privado de comunidades, que propostas para novas formas de administração pública local;

78 Krieger, 1998, p.02 79 Macedo, 2007, p.19

• Prevêem densidades demográficas muito baixas para suportar usos mistos, e mais ainda para o uso de transporte público;

• Estão criando enclaves demográficos relativamente homogêneos, sem muita diversificação sócio-econômica;

• Geram uma onda determinista que leva a crer que o sentido de comunidade pode ser alcançado apenas pelo projeto;

• Promovem a perpetuação do mito de ser possível criar e manter núcleos urbanos com o caráter de localidades campestres;

Krieger procura demonstrar que os princípios da New Urbanism Chart expressam um conteúdo baseado em discursos essencialmente vagos, com inclinação muito mais para um marketing urbano do que para a requalificação de subúrbios.

Em consonância aos ceticismos ligados às comunidades tradicionais, David Harvey em seu artigo intitulado “The New Urbanism and the Communitarian Trap”( O Novo Urbanismo e a Armadilha Comunitária), complementa que as ruas e os lugares públicos são significativamente importantes enquanto arenas de socialização, porém, enfatiza que o New Urbanism pouco tem propiciado para a formação destas comunidades. A crítica de Harvey enfoca que estas comunidades tão propaladas pelos urbanistas do modelo, se assentam na crença de que princípios de reconfiguração espacial podem fundar uma nova ordem moral e cívica, ou de que qualidades arquitetônicas e urbanísticas podem de fato incrementar a vida social, política e econômica das cidades norte-americanas (HARVEY, 1997). O autor reitera que, assim como a matriz modernista, alvo de críticas contundentes do próprio New Urbanism, existe um hábito persistente em privilegiar as formas espaciais sobre os processos sociais. De fato as intervenções trouxeram mudanças radicais no ordenamento do espaço urbano, tanto pelos padrões de zoneamento, quanto pelo sistema viário e de transporte, todavia o que não se modificaram foram as pretensões de achar que o planejamento puramente físico-territorial é o responsável pelo controle dos processos sócio-espaciais. Harvey80 completa que “a conexão entre as formas espaciais e os processos sociais são realizadas aqui através da

relação entre o design arquitetônico e uma certa ideologia de comunidade 81. Harvey

reforça que esta ideologia do comunitarianismo não somente se processaria pelo fundamento urbanístico, como também abriga um discurso altamente excludente, visto que comunidades bem definidas freqüentemente definem-se contra as outras. O desejo em si de comunidade fomentaria em partes o racismo e outras formas de discriminação, do tipo “nós somos este grupo e o resto são os outros”. Em consequência, estas comunidades funcionariam como barreiras para uma mudança social, em vez de serem facilitadoras (HARVEY, 1997).

Paralelamente, Peter Marcuse acrescenta que, antes de trazer um ambiente de heterogeneidade e diversidade, o New Urbanism expressa outro de relativa homogeneidade, em que a imagem idealizada de uma cidade passada guarda essencialmente um conteúdo anti-democrático e anti-urbano. Acompanhando a crítica de Harvey, cujo enfoque procura desmistificar o senso de comunidade, Marcuse sublinha a debilidade dos empreendimentos do New Urbanism em alcançar uma cidade efetivamente diversa. Esta homogeneidade se manifesta nas raças, nos níveis de renda e na composição das famílias, e, especialmente no primeiro caso, Marcuse82 aponta para um aprofundamento de processos autosegregatórios

atrelados ao New Urbanism, ao mencionar que:

O desenvolvimento das construções Newurbanistas nos Estados Unidos revela uma predominância de populações brancas. Os negros pobres não encontram acessos e nem seriam bem vindos. De fato, uma das principais razões pelos quais as pessoas se mudam para estes subúrbios é precisamente escapar de uma proximidade com populações negras. Nos Estados unidos, a raça é o fator determinante no padrão locacional das residências, em todos os lugares83.

Portanto, como visto em Krieger, Harvey e Marcuse, é sobre questões sociais que as críticas do New Urbanism são mais direcionadas. A despeito da eficácia dos

81 The connection between spatial form and social process is here made through a relation between

architectural design and a certain ideology of community.

82 Marcuse, 2000, p.5, tradução nossa

83 Those New Urbanist developments built in the United States are overwhelmingly white; poor blacks

certainly do not find their way in, nor would they be welcome. In fact, one of the main reasons people move to such suburbs is precisely to escape from the proximity of poor blacks. In the United States, race is a major determinant of residential location, everywhere.

27 princípios da Carta no que diz respeito a um planejamento urbano, alguns temas são ainda tratados com clara vaguidão e distanciamento, principalmente àqueles que tratam da integração social e da edificação de comunidades tradicionais. Os aspectos relativos às questões da sociedade capitalista, em que pesem suas diferenças e contradições, já vinham sendo alertados por Sorkin nos CNUs como temas centrais para a continuidade do movimento. Philip Gunn84 afirma que:

[...] apesar do uso retórico de palavras referentes a diversidade e mistura, o tema da segregação e da exclusão social é banido da pauta. A atitude escapista diante deste tema não deixa de denunciar uma adesão pouco crítica a uma lógica de mercado e a um modelo de exclusão, oculta na reciclagem de aspectos parciais de fórmulas urbanísticas consagradas.

Este é um panorama geral das críticas que cercam o ideário do New Urbanism ao longo dos anos. Embora se admita uma falta de maturidade deste movimento, especialmente para com as questões sociais, seria incorreto e insuficiente colocá-lo de lado ou até ignorá-lo, uma vez que suas idéias vêm ganhando grandes projeções pelo mundo, influindo diretamente no planejamento urbano e regional. Cabe assim, recebê-las, discuti-las, e adequá-las para cada realidade. Os problemas encontrados nos subúrbios norte-americanos são ainda muito presentes, inclusive em outros países.

Neste sentido, nos voltamos para o Brasil, onde o New Urbanism é utilizado na Cidade Universitária Pedra Branca em Palhoça, Santa Catarina. A seguir enfocaremos este caso, com o objetivo de entender o modo que este movimento vem sendo apropriado pelos empreendedores locais.

84 GUNN, Philip. O New Urbanism e o revival escapista de mercado. Revista de Pesquisa em