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2 ESTADO E EDUCAÇÃO: DAS CRISES DO CAPITALISMO À

2.1 AS CRISES DO CAPITAL E A DECADÊNCIA DO ESTADO DE BEM-ESTAR

Ao referir-se ao capitalismo como modo de produção voltado para a acumulação e expansão do capital, Marx (1978), particularmente na obra “O capital”, nos mostra que se trata de um modo social de organização cujo tecido estrutural no conjunto de suas relações sociais tem como objetivo central a maximização da acumulação de capital. Em sua gênese, o capitalismo deu-se historicamente a partir de vários movimentos que, por sua vez, determinaram e determinam a vida material dos homens. Tais movimentos se iniciaram com o fim do sistema feudal, se apresentando em diversas fases, tempos e espaços, a saber: comercial (XVI-XVIII), em que o acúmulo de riqueza vinha do comércio manufatureiro de matérias- primas não existentes na Europa, período correspondente à consolidação do modo de produção capitalista e aumento das desigualdades sociais; industrial e/ou concorrencial, (XVIII-XIX), período denominado de “Primeira Revolução Industrial”, que se concentrou no acúmulo de riqueza proveniente da industrialização europeia e da crescente exploração de mão-de-obra operária; monopolista e/ou financeira (XX aos dias atuais), caracterizado pelo crescimento acelerado do capital e pela concentração da riqueza (SILVA, 2007).

A análise da origem e do desenvolvimento histórico do capitalismo dá conta que, de tempos em tempos, o sistema, de forma planetária, enfrenta crises violentas advindas justamente do caráter contraditório do processo capitalista de produção. Para Mészáros (2011), o capital é anterior e, também, sucessor do capitalismo, pois este sistema é apenas uma das formas de realização daquele. Nessa dinâmica estrutural, o objetivo principal é garantir a expansão e acumulação, o que perpassa instabilidades e crises profundas ao longo do tempo.

As crises do início do século XX, como as de 1914 e 1929, e a mais recente crise dos anos de 1970/1990, que se apresentam de forma mais brutal, são exemplos de processos abruptos, violentos que se configuram em crises cíclicas. Nessa via, Frigotto (2010, p. 70) esclarece que:

Trata-se, pois, de crises que tem uma mesma gênese estrutural, mas que cada vez traz uma materialidade específica. Na busca de suplantar a crise o capitalismo vai estabelecendo uma sociedade onde cada novo elemento que entra para enfrentá-la constitui, no momento seguinte, um novo, complicador. A entrada do Estado como imposição necessária no enfrentamento da crise de 1929 foi, ao mesmo tempo, um

mecanismo de superação da virulência da crise e um agravador da mesma nas décadas subsequentes.

As formas mediante as quais o capitalismo enfrenta suas crises cíclicas são diversas e variam conforme as necessidades do capital, visto que as contradições são inerentes da sociedade capitalista exteriorizada pelas crises, possibilitando ao capital abrir um novo ciclo de reorganizações. Neste sentido, afirma-se que o capital, para viver, precisa se destruir um pouco, ou seja, destruir o que ele mesmo criou (SILVA, 2007). Assim, é que na atual fase do capitalismo, o capital, para reproduzir-se, necessita de formas de produção impostas pelo próprio capital como a função do Estado, do fundo público, da riqueza social, evidenciando que a entrada do Estado na economia não representou uma escolha, mas, ao contrário, uma imposição.

Harvey (2011) se reporta as ideias dos economistas10, de que o crescimento econômico

é equilibrado, porém instável, visto que este sempre esteve em uma “corda bamba”, o que contribuiria facilmente com o seu desequilíbrio e a sua consequente inserção em crises de grandes proporções, mostrando que:

As crises são, de fato, não apenas inevitáveis, mas também necessárias, pois são a única maneira em que o equilíbrio pode ser restaurado e as contradições internas da acumulação do capital, pelo menos temporariamente, resolvidas. As crises são, por assim dizer, os racionalizadores irracionais de um capitalismo sempre instável (HARVEY, 2011, p. 65).

Ao assimilar o sistema capitalista como instável, Harvey (2011) evidencia, baseado nas teorias marxistas, que para a manutenção e/ou crise do sistema em discussão, crises são inerentes ao sistema e têm uma estreita ligação com a superacumulação, podendo ser de caráter local e curto, ou mundial, profundo e duradouro. De maneira geral, crises resultam do excesso ou superacumulação de capital em relação às suas possibilidades de uso de forma lucrativa.

Nesse âmbito, é importante ressaltar que, mediante as crises dos últimos 200 anos, o capitalismo tem se reerguido de maneira criativo-destrutiva, pois, de acordo com Harvey (2011), para a recuperação do ritmo de acumulação e expansão, o referido sistema desconstrói- se para reconstruir-se, sem, contudo, considerar as causas e os efeitos desse processo, que podem ser nefastos, implicando redução de direitos sociais e exploração da classe trabalhadora.

Nesse viés, Frigotto (2010, p. 63-64) pontua que, na verdade, se trata de uma crise mais geral, enraizada no “processo civilizatório, materializada de um lado pelo colapso do

socialismo real, e, de outro, pelo esgotamento do mais longo e bem-sucedido período de acumulação capitalista”. Cumpre realçar que essa problemática reflete-se em mudanças nos processos produtivos, tendo como base as relações de exclusão social, desemprego e subemprego e na queda brutal das taxas de acumulação resultantes da crise dos anos de 1930. Em vista disso, surgiram novas formas de organização do Estado, de cunho político-econômico e social nas quais o Estado assume a função de provedor das políticas sociais, bem como de regulador do mercado econômico, servindo como processo de enfrentamento às crises cíclicas do capitalismo.

É, pois, no contexto do pós-Segunda Guerra, com a consolidação do capitalismo monopolista, em fase de expansão, que se desenvolveu um novo regime de acumulação que Harvey (2011) denomina de fordista/keynesiano, pensamento que serviu como base teórica para a implantação do Estado de bem-estar, cujo pressuposto básico estava centrado na intervenção do Estado no processo econômico-social. Trata-se de um sistema de proteção social que atribuiu ao Estado uma função interventiva e regulatória na área de Bem-Estar Social. Assim é que, segundo Frigotto (2010, p. 75), o Estado de Bem-Estar Social “desenvolve políticas sociais que visam à estabilidade no emprego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de previdência social, incluindo seguro-desemprego, bem como direito à educação, subsídio no transporte”.

O Welfare State11 ou Estado de Bem-Estar Social é um processo histórico que se

desenvolveu nas últimas décadas do século XIX e início do século XX na Europa ocidental e se estendeu para outras regiões e países, com funções ampliadas, que visa tanto ao desenvolvimento do sistema capitalista conforme as condições da segunda revolução tecnológica quanto à redução e controle dos conflitos sociais, no sentido de atender a demandas populares, bem como a reversão dos efeitos negativos das crises econômicas (MONTAÑO, 2008). O debate em torno da emergência e consolidação do Estado de Bem-Estar é orientado tanto por determinações de ordem econômica como políticas, tendo em vista que ambas estão

11 “Modelo que generalizou-se pela Europa, como no caso do assistencialismo inglês, mas que acabou tendo também, enorme influência na construção conservadora dos sistemas de assistência e proteção social que se multiplicaram na periferia latino-americana durante o século 20, mas sobretudo depois de 1930” (FIORI, 1997, p.3). Para Fiori (1997), se a investigação mais recente permitiu esclarecer melhor a complexa rede de determinações econômicas, ideológicas e políticas que definem e diferenciam o Estado de Bem-Estar Social contemporâneo dos sistemas anteriores de organização das políticas sociais governamentais, essa mesma investigação explicitou melhor as diferenças que separam as várias experiências nacionais do mesmo welfare state. Assim sendo, rechaça qualquer dúvida de que o modelo norte-americano tem muito pouco a ver com o modelo nórdico, e este com a Europa continental, e de todos eles com o Japão. Para não falar de sua diferença com o welfare que foi sendo construído em algumas periferias capitalistas, em particular no caso latino- americano.

articuladas. Corroborando esse pensamento, Nogueira (2001) ressalta que os programas sociais inclusivos, de cunho universalizante, só se efetivaram devido ao excedente econômico e ao grau de desenvolvimento tecnológico obtidos por meio da industrialização. Arretche (1995), por sua vez, esclarece que o crescimento econômico e demográfico explica a emergência generalizada do Estado de Bem-Estar Social e justifica ao constatar que os padrões mínimos de proteção social sob a fiança do Estado, como nutrição, saúde, habitação e educação, assegurados como direito político e não como caridade para todos os habitantes do país, têm relação com os efeitos do processo de industrialização.

Com relação às determinações de ordem política, a construção da cidadania social seria um dos fundamentos nucleares do Estado de Bem-Estar Social. Conforme Theodor Marshal (1967, apud NOGUEIRA, 2001, p. 93), consistiu em “participação na riqueza socialmente produzida, aliada ao reconhecimento de uma igualdade intrínseca entre as pessoas – razão ético- política do Estado-nação moderno, seriam as bases fundantes dos atuais Estados de Bem-Estar Social”. Para a referida autora, outra referência para o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, de ordem política, é a que aponta como seu fundamento, a ideia de solidariedade social – de um solidarismo protetor que transfere parte da responsabilidade individual para a esfera social. Sendo assim, o direito social e a solidariedade seriam os princípios reguladores da vida social. Contudo, Nogueira (2001) esclarece que a gênese do Estado – providência não se explica por movimentos políticos conscientes, mas que se trata de um movimento lógico da ampliação da democracia.

O Estado de Bem-Estar Social se consolidou com o aprofundamento da crise econômica que se instalou nos países desenvolvidos da Europa e serviu como estratégia de enfrentamento às crises cíclicas provocadas pela expansão do capitalismo no mundo, constituindo-se em uma estratégia paradoxal, pois se, por um lado, foi fundamental para dar as condições ao mercado e ao desenvolvimento econômico, por outro, objetivou promover o bem- estar.

Contudo, Fiori (1997) destaca que o Estado de Bem-Estar Social apresenta uma variedade muito grande de trajetórias e formas no seu processo de construção e expansão, nos seus graus de profundidade e universalidade, bem como na sua maneira de enfrentar a crise, sobretudo dos anos 1980 e 1990, dificultando, assim, a periodização e padronização das “formas inferiores” ou menos desenvolvidas de proteção social, do ponto de vista teleológico. Isso porque, segundo Nogueira (2001, p.90), deve-se levar “em conta que as diferenças culturais, históricas, políticas e econômicas imprimem distintos padrões aos mecanismos de atenção social em cada país”.

Porém, no limite dessa pesquisa, visto não ser nosso objeto de estudo investigar os padrões das crises do Estado de Bem-Estar Social, focalizaremos a análise na relação entre as políticas de bem-estar social implementadas em contextos de crise e a relação destas com o capitalismo. Este modelo de Estado entrou em crise nos países industrializados ocidentais, a crise do Estado de bem-estar foi provocada pela crise fiscal e pela dificuldade em conciliar os gastos públicos com o desenvolvimento da economia capitalista.

Nesse contexto, o Estado de Bem-Estar Social começa a dar sinais de esgotamento, debate que se iniciou antes dos anos 1960 e 1970 sobre a crise de governabilidade dos Estados, que fora provocada por um excesso de demandas democráticas e por um Estado de Bem-Estar Social cada vez mais extenso, pesado, oneroso, portanto, o principal responsável pela crise econômica que se estendeu pelo mundo no início da década de 1970 (FIORI, 1997).

Sobre essa questão, Harvey (2011) pontua que a capacidade de se reestruturar mediante as situações de crise representou, durante muito tempo, uma possibilidade inesgotável para o capitalismo. Todavia, demarca-se a segunda década do século XX para o desenvolvimento de um processo de crise estrutural e/ou sistêmica que despontou nos anos 1970, o qual se constituiu em mecanismo de solução da crise dos anos de 1930.

A despeito da crise de 1970, dada a sua complexidade e o seu caráter duradouro e profundo, esta é engendrada a partir do desequilíbrio econômico mundial, denominada crise fiscal, atribuída pelo ideário neoliberal à interferência do Estado na economia durante o período de predomínio do Estado de Bem-Estar Social.

Assim, o pensamento neoliberal passa a servir de modelo econômico dominante de desenvolvimento capitalista (Neoliberalismo), marcado por muita retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal e as virtudes da privatização, livre-mercado e livre-comércio, o qual legitimou políticas rigorosas, destinadas a restaurar e consolidar o poder da classe capitalista. Para o Neoliberalismo, não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado. A estratégia, portanto, seria reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a crise (HARVEY, 2011).

2.2 A REESTRUTURAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO: DO NEOLIBERALISMO AO