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As Culturas e suas Teias na Sociedade Líquida do Século XXI

No documento João Pessoa/PB 2020 (páginas 122-126)

Balandier (1955) já nos lembrava de que, por ser a cultura uma construção social inscrita na história, especificamente na história das relações entre os grupos sociais, para analisar um sistema cultural faz-se necessário analisar a situação sócio histórica que o produz como ele é.

Assim, podemos apresentar a situação cultural na ultramodernidade, mas não oferecer sua forma, pois para Bauman (2007) passamos da fase sólida da modernidade para sua fase líquida, para uma condição onde as organizações sociais não podem mais manter sua forma por muito tempo, pois a velocidade com a qual se decompõem e se dissolvem é mais rápida do que o tempo necessário para tomar forma e se estabelecerem.

Assim, a contemporânea situação da sociedade e das organizações sociais ultramodernas é constituída por relações, ou melhor, por conexões mutáveis, ágeis, fluidas e liquidas. O espaço já não é mais definidor de fronteiras, como analisamos anteriormente. Hoje muito mais importa aos sujeitos o tempo e sua velocidade. Se acaso o tempo fosse comercializado, equivaleria aos itens mais onerosos e disputados nas prateleiras dos supermercados. Poderíamos passar muitas horas em busca de mais tempo para poder realizar todas as múltiplas tarefas que as conexões da ultramodernidade nos dispuseram e potencializaram.

Entretanto, Bauman (2001) nos faz pensar que a liquefação das relações sociais não é um movimento ou transformação inventada na ultramodernidade, mas

sim um processo que vem deixando de ser sólido há anos. Para o autor os acontecimentos os quais se desenrolam evidenciam que os tempos modernos encontram os sólidos pré-modernos em estado avançado de desintegração, mesmo com a intenção dos pré-modernos de construir uma solidez ainda mais duradora e eterna, sua busca foi incansável e incessante, acabando por derreter lealdades tradicionais, pois “a rigidez da ordem é o artefato e o sedimento da liberdade dos agentes humanos” (BAUMAN, 2001, p. 12).

A imprevisibilidade dos atos dos sujeitos nos levou a um momento sócio histórico que, além da liberdade dos agentes humanos, dos grilhões dos sólidos sociais e institucionais, estamos lidando com a individualização dessa liberdade, mesmo que em ações de cunho coletivo. Ou seja, estamos vivenciando o desligamento de ações individuais das ações coletivas, das políticas individuais (no sentido mais amplo do termo) das políticas coletivas.

Esse movimento de individualização não é emergente, mas não deixa de ser imperativo quando conjugado a ultramodernidade digital. Autores como Marx, Simmel, Durkheim, Weber e Beck já apontavam reflexões sobre a individualização quando em estudos sobre a modernidade, onde os conceitos são interacionados. Para alguns autores, como Ulrich Beck (2010, p.209), a individualização se constitui de “um processo no qual cada um mesmo se torna a unidade de reprodução vital do Social”. Isso nos aponta que os indivíduos enquanto agentes passam a estabelecer suas formas de vida individuais e coletivas expressando sua escolha, como por exemplo, no significado de família, para o autor basta perguntar a um sujeito o que é realmente uma família e seu significado. Não no sentido de crianças e filhos, mas no sentido de paternidade e maternidade, avós e avôs. Esses últimos são incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos e filhas. Do ponto de vista dos netos, o significado das avós e dos avôs já é determinado por decisões e escolhas puramente individuais (BECK, 2010).

Corroborando a esse pensamento, Bauman (2001) afirma que chegamos a um resultado na modernidade que se traduz como uma versão individualizada e privatizada da modernidade, dando vez à liquefação dos padrões de dependência e interação, onde nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro, dessa vez, líquido e maleável.

Se pensarmos nessas mudanças veremos que apesar da emancipação dos padrões sólidos impostos e procurados por tantos anos, “desfrutamos” de uma

liberdade individualizada, mesmo na era das conexões em malhas. Isso, de uma forma geral, mas também especifica, altera o tempo e o espaço social, bem como as formas de trabalho que moldam a sociedade e constroem as comunidades. Mas também influenciam em todos os campos que o sujeito interage e molda sua vida, que não “podem” parar, pois não querem parar.

O primeiro ambiente que impõe importância ao sujeito como ser individual é a questão do tempo e espaço que ao serem diluídos são constituídos e reformulados pela cognição e capacidades humanas, as quais são colocadas em potência quando articuladas na cibercultura, em uma malha de possibilidades universais sem totalidade. São tempos de instantaneidades, de relações, de poder, de prazer e de vida. As teias culturais que construíram o elo social contemporâneo até o limiar do século XXI encontram-se flutuante, bem como suas significações atribuições socioculturais.

Em uma relação entre pensamentos, Bauman (2001) nos traz o Panóptico de Foucault (1987), uma figura arquitetural idealizada por Jeremy Bentham, um dispositivo que funcionava pela relação entre ver e ser visto. Nessa forma de poder, o sujeito é sempre visto, mas não pode ver quem o vigia da torre central. Cada sujeito é colocado em uma célula, uma divisória, e permanece isolado de outros estímulos. O poder está na mão do vigilante que deve estar lá presente. E essa é justamente a mudança, segundo Bauman (2001) na modernidade “pós-Panóptica”, pois agora as relações de poder tornam-se instantâneas e as pessoas as quais controlam inacessíveis, deixando os sujeitos ainda mais isolados. Assim, o sujeito moderno não se esconde (nem pode), pelo contrário, se torna constantemente visível, e por consequência, completamente individualizado. Houve a quebra do poder e da política (BAUMAN, 2007). Nesse sentido, para o autor, o pós-Panóptico é o arauto do fim da era do engajamento mútuo e do questionamento pessoal, da crítica sem ação, do pensamento social como valor. Segundo Touraine (2002, p. 177) estamos “no fim da definição do ser humano como um ser social, definido por seu lugar na sociedade, que determina seu comportamento e ações”. Sociedade essa que para Bauman (2007) dispõe-se mais como uma rede ao invés de uma estrutura. Ela é uma matriz de conexões e desconexões aleatórias, com infinitas permutações possíveis.

Estaríamos assim a mercê de nós mesmos para definir nossas especificidades culturais e psicológicas, não mais necessitando de normas,

princípios ou instituições sociais? Não constituímos mais uma comunidade dentro de uma sociedade que se constituem como forças determinantes culturais e definidoras de nossas identidades enquanto sujeitos coletivos? Estamos realmente satisfeitos em seguir a trajetória, sem questionamentos, da individualização do sujeito e de suas relações estabelecidas por conexões? E, acima de tudo, até onde vão os benefícios dessa nova liberdade adquirida que nos traz em seu tornozelo a individualidade e a fluidez das relações sociais?

Esses questionamentos pairam sobre a sociedade ultramoderna que de alguma forma opõe liberdade e sociedade. Contudo, entendemos que não há liberdade sem vida e significação cultural em sociedade. Concebendo a sociedade como um artefato efêmero, não encontramos raízes identitátias, pois não há reflexo nem união, há apenas identidades projetadas e idealizadas, mas jamais alcançadas, apenas individualizada internamente em desejo.

A individualidade não é uma escolha, mas uma fatalidade. Fatalidade que acarreta em graves riscos a sociedade, tornando o individuo o pior inimigo do cidadão, fazendo o público ser colonizado pelo privado, fazendo do interesse público apenas a curiosidade sobre a vida privada de figuras públicas, figuras essas que tornam sua vida uma exposição pública de sentimentos íntimos e privados (BAUMAN, 2001).

Pensemos um pouco nas figuras públicas acima citadas. Na era da cibercultura elas são o que Bauman (2001) chama de autoridades, mas dessa vez, na nuance do ciberespaço possuem um poder ainda mais influenciador. Afirmamos isso por meio do seu pensamento sobre a autoridade pessoal dos sujeitos como as celebridades ou escritores de best-sellers. Para o autor o sujeito possuidor de autoridade amplia o número de seguidores, mas na modernidade liquida de fins incertos, é o número de seguidores que faz a autoridade.

Encontramos assim na cibercultura a concretização ampliada dos pensamentos de Bauman sobre as figuras públicas com poder de autoridade, segundo o número de seguidores e o aumento da individualização do sujeito por meio da transformação de sua vida em um espetáculo privado de longo alcance que ao mesmo tempo em que torna sua vida pública e notória, o faz mais individual, dividido e desorientado.

No documento João Pessoa/PB 2020 (páginas 122-126)