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2.1 A Organização das Nações Unidas

2.1.2 As declarações da ONU sobre a promoção e defesa dos direitos das mulheres

Para tratar da temática mulher no contexto da ONU, precisamos fazer uma retrospectiva de como esse assunto surgiu na agenda da Organização. A fim de compreender a situação da mulher no mundo e trabalhar pela promoção dos direitos das mulheres, criou-se a Comissão sobre o Status da Mulher (CSW – Commission on the Status of Women), em 1946, junto à Comissão dos Direitos Humanos, com o objetivo de preparar recomendações e relatórios sobre o status da mulher no mundo, reportando todos os resultados ao Conselho Social e Econômico. Além disso, pretendia-se, com a criação da CSW, promover a mulher nas esferas política, econômica, civil, social e educacional, além de estudar e relatar os problemas relativos aos direitos humanos das mulheres. Embora essa comissão tenha sido criada em 1946, o primeiro debate sobre os direitos das mulheres ocorreu somente na conferência de 1948, quando se estabeleceram os direitos universais do ser humano pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Inicialmente, a CSW preocupava-se mais em conquistar a igualdade entre homens e mulheres, buscando-a no meio político, como o direito ao voto, o acesso à educação, ao treino vocacional e aos direitos trabalhistas das mulheres – vide as declarações de 1948, Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), de 1952, Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres (ONU, 1952) e de 1967, Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (ONU, 1967). Trabalhando incessantemente na luta pelos direitos das mulheres, os relatórios desenvolvidos pela Comissão foram transformados em quatro grandes: a Primeira conferência mundial sobre a Mulher (ONU, 1975), realizada no México, a Segunda conferência mundial sobre a Mulher (ONU, 1980), em Copenhagen, a Terceira conferência mundial sobre a Mulher (ONU, 1985), em Nairóbi, e a Quarta conferência mundial sobre a Mulher (ONU, 1995), em Pequim.

A Primeira conferência, em 1975, deu abertura a uma das décadas mais esperadas pela Comissão sobre o Status da Mulher: a Década Internacional da Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz (1975 – 1985). Essa conferência foi composta por muitas delegações, na sua maioria constituída por mulheres, que conseguiram levar à

ONU o olhar das ativistas feministas sobre os problemas relativos às mulheres. Como resultado dessa conferência, a Declaração do México: a Igualdade da Mulher e suas Contribuições para o Desenvolvimento da Paz (ONU, 1975) descreveu os problemas enfrentados pela mulher na década de 1975 e as transformações necessárias:

Consciente de que os problemas das mulheres, que constituem metade da população mundial, são problemas da sociedade como um todo, e essas mudanças na economia, política e situação social das mulheres devem começar a fazer parte integral dos esforços para transformar as estruturas e atitudes que impedem a satisfação genuína de suas necessidades. (ONU, 1975, p. 2).

O século XX já estava quase findando na década de 1970 e os diretos das mulheres, metade da população mundial, ainda não eram respeitados, ou sequer reconhecidos. Ao longo do documento, muitos problemas enfrentados pelas mulheres são citados, como a falta de liberdade, os problemas com a cultura dominante, a discriminação, a violência e a falta de igualdade. A declaração concluí que, para manter a paz mundial, era preciso melhorar esses pontos.

Na Segunda conferência mundial sobre a Mulher, realizada em 1980, em Copenhagen, discutiu-se sobre as divisões políticas da ONU e como preparar o mundo para discutir sobre a gama de necessidades das mulheres. No documento resultante da conferência de Copenhagen, a Organização trouxe um retrospecto da Primeira conferência (México, 1975) e alguns avanços das mulheres. Além disso, o documento apresentou um histórico sobre a desigualdade entre homens e mulheres e os problemas de desenvolvimento nessa luta. Por fim, o relatório projetou algumas lições para o futuro e um plano de ações e estratégias que ajudam e avançar mais nesse território.

A Terceira conferência mundial sobre a Mulher, realizada em Nairóbi, em 1985, inaugurou o movimento internacional das mulheres. As líderes feministas tomadas pelo otimismo e pela valorização da mulher criaram o movimento internacional das mulheres, pois queriam refletir e discutir sobre a situação da mulher no mundo, apresentando as questões femininas, a fim de promover e legitimar o movimento (GUARNIERI, 2010). De acordo com dados da ONU (1985), a conferência foi uma das mais importantes realizadas até então, pois mais de 157 Estados estiveram presentes, 160 outras entidades (incluindo a Comunidade Européia), com cobertura de mais de 1400 jornalistas e um grande número de organizações não-governamentais. O chamado da ONU para a Terceira conferência, que marcou o encerramento da Década da Mulher, tinha o propósito de estabelecer medidas concretas para superar obstáculos

enfrentados por países em desenvolvimento para o avanço da mulher. Com o agravamento da crise econômica nos países em desenvolvimento, as ações e estratégias que permitiriam o aumento da participação das mulheres nas sociedades foram reavaliadas. Desse modo, a Terceira conferência mundial sobre a Mulher adotou um plano de medidas e ações para a manutenção de programas de apoio às mulheres já em curso e novas metas para a promoção da mulher. Além disso, essa conferência também buscou estabelecer estratégias para alcançar na igualdade de gênero a nível nacional e na plena participação das mulheres no desenvolvimento e crescimento dos países.

Por fim, a quarta conferência, considerada a maior conferência da ONU, foi realizada em Pequim, em 1995. Nessa ocasião, a Organização mostrou um grande interesse em apresentar e debater a situação da mulher no mundo, além de expor a crescente força política dos oponentes aos direitos das mulheres. A Declaração de Pequim (ONU, 1995), documento resultante da conferência, apresenta uma discussão de 12 pontos sobre a mulher: a mulher e a pobreza, a educação e o treinamento das mulheres, a mulher e a saúde, a violência contra a mulher, a mulher e o conflito armado, a mulher e a economia, a mulher no poder de decisão, os mecanismos institucionais para o avanço da mulher, os direitos humanos das mulheres, a mulher e a mídia, a mulher e o meio ambiente e a mulher e a criança. Em duas semanas, temas de fundamental importância para a promoção e defesa dos direitos das mulheres foram tratados por membros de diferentes países. Além disso, a Conferência englobou mais de 189 governos e mais de 30 mil pessoas, incluindo organizações não governamentais.

Ainda sobre a Quarta conferência, alguns pontos merecem destaque, pois são únicos nessa declaração. Assim, destaca-se a integração da perspectiva baseada no conceito do gênero para tratar dos direitos das mulheres, sendo ele considerado nas áreas da saúde, do desenvolvimento, da paz, da segurança e dos direitos humanos (BUNCH, 2007). A primeira vez que a noção de gênero foi mencionada pela ONU foi em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento (ECO RIO-92), no Rio de Janeiro, quando diversos grupos feministas pressionaram a ONU para a inclusão de ações que empoderassem as mulheres.

Após essa retrospectiva, percebemos que muitas ações já foram tomadas com relação aos direitos das mulheres, mas há uma resistência por parte da população em reconhecer que a mulher está em situação de vulnerabilidade. Teoricamente, as mulheres têm os mesmos direitos dos homens, e muitas acreditam nessa premissa. No entanto, o que impede o avanço das mulheres não é a falta de garantia de seus direitos,

mas a ideia de que mulheres foram feitas para cuidar da casa e dos filhos, e que o trabalho fora de casa é uma agressão a elas. Desse modo, nota-se que o avanço das mulheres é mais uma questão de mentalidade do que de leis, e a ONU tenta, por meio de conferências e relatórios, mudar essa concepção. Como a Organização não exige dos países membros a aceitação das medidas e dos planos de ação acordados nas conferências, de acordo com Bunch (2007), muitos governos são contra os direitos sexuais das mulheres e os limites reprodutivos, atitude essa conhecida por backlash9.

Atualmente, a entidade encarregada de promover os direitos das mulheres, fortalecer a autonomia feminina e buscar a igualdade de gênero é a ONU Mulheres (ONU para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres), que trabalha de forma conjunta com outras quatro agências: o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNIFEM), a Divisão para o Avanço das Mulheres (DAW), o Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero e o Instituto Internacional de Treinamento e Pesquisa para a Promoção da Mulher (INSTRAW)10. Sendo o principal promotor dos direitos e do avanço das mulheres, a ONU Mulheres desenvolve diversas conferências anuais para debater as necessidades das mulheres e levar os dados ao Conselho Social e Econômico da ONU. No Brasil, durante os anos de 2015 e 2016, muitos congressos e reuniões foram realizados para debater a situação da mulher tanto no mundo como no país, tais como o Encontro das empresas signatárias dos Princípios de Empoderamento das Mulheres: Compartilhamento de experiências, desafios e oportunidades para o alcance da equidade de gênero, em março de 2015, o Painel Pequim +20: Mais Mulheres na Política, em abril de 2015 e o 1º Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres, em maio de 201511.

Considerando a importância da adoção da noção de gênero para a promoção dos direitos das mulheres na Declaração de Pequim e o fato de esse documento ser o cerne deste trabalho, na próxima subseção, nos aprofundaremos no estudo sobre a declaração e o impacto do documento na busca pela igualdade de gênero.

9 Reações contrárias ao avanço das mulheres na busca pela igualdade de gênero.

10 Informações coletadas do site oficial das Nações Unidas

(>>https://nacoesunidas.org/acao/mulheres/<<)

11 Informações coletadas do site oficial da ONU Mulher

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