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As deficiências da rede de proteção de depósitos

CAPÍTULO 3: A CRISE JAPONESA DOS ANOS 1990 À LUZ DA HIPÓTESE DA

3.4. A crise dos anos 1990

3.4.2. A crise bancária de 1997 e a ação do emprestador em última instância

3.4.2.1. O emprestador em última instância

3.4.2.1.1. As deficiências da rede de proteção de depósitos

A partir do período de recuperação da economia japonesa nos anos 1960, MILHAUPT (1999) separa três fases, de acordo com a rede de proteção financeira em vigor: na primeira, nos anos 1970, esta rede foi formalmente definida, mas na prática vigoravam práticas regulatórias informais que buscavam manter a estabilidade no setor bancário; na segunda, entre o estouro da bolha a partir de 1989 e a crise bancária de 1997, os limites da legislação em vigor foram sendo progressivamente expandidos, embora não consolidados em um novo marco legal, variando conforme a necessidade das autoridades; e finalmente uma terceira, no final dos anos 1990, na qual regras explícitas foram definidas a partir dos acontecimentos do período de crise.

No início da década de 1970, o governo japonês estabeleceu a Corporação de Segurança dos Depósitos (DIC), principal responsável por manter a estabilidade do setor bancário, estando no centro do novo sistema criado para proteger os detentores de depósitos, no qual cooperavam o Ministério das Finanças, o Banco do Japão e as instituições privadas, que eram obrigadas a participar. A DIC, porém, não tinha poderes regulatórios, limitando-se apenas a recolher os pagamentos dos bancos e agir em caso de crise. Ao Banco do Japão cabia disponibilizar recursos para as instituições com problemas de liquidez, atuando como emprestador em última instância (MILHAUPT, 1999).

Apesar de ter sido estruturado formalmente, o sistema desempenhou papel muito restrito no desenvolvimento posterior do sistema bancário japonês, em parte porque a DIC possuía poucos funcionários e montante limitado de recursos disponíveis (em 1996, mais de vinte anos depois, contava com apenas dezesseis funcionários, e 390 bilhões de ienes em fundos, insuficientes para lidar com uma falência de grandes proporções) (NAKASO, 2001). O que se verificou na prática foi um sistema no qual a base era a confiança na atuação do Ministério das Finanças e do Banco do Japão, que forneciam garantias implícitas de que mesmo as instituições menores não quebrariam, definindo as taxas de juros e os demais instrumentos de forma a garantir “a sobrevivência dos mais fracos” (MILHAUPT, 1999: p.13), iniciativa possível devido ao forte controle do governo japonês sobre os mercados de capitais. Quando uma instituição menor estava em dificuldades, as autoridades intervinham para garantir que algum outro banco mais forte a comprasse, assumindo seus compromissos e, assim, não ameaçando a integridade do sistema, muitas vezes com ajuda de empréstimos do Banco do Japão (MILHAUPT, 1999).

A estratégia, porém, escondia os problemas existentes no setor, em especial aqueles relacionados com créditos inadimplentes, que eram mantidos em sigilo, com os agentes efetuando liquidações de outros ativos para mostrar resultados positivos (MILHAUPT, 1999). Até os anos 1970, quando os bancos funcionavam como intermediários da política de crédito do Banco do Japão, possuindo restrições na manutenção de ativos de maior risco, essas iniciativas não eram relevantes na maior parte dos casos. Porém, quando a bolha especulativa estourou, revelaram-se custosas.

A rede de proteção existente cumpriu seu papel até os anos 1990, quando as autoridades viram-se incapazes de lidar com as sucessivas falências apenas com apoio dos demais participantes do mercado. Conforme novos casos foram surgindo, a credibilidade do Banco do

Japão e do Ministério das Finanças foi questionada, tornando-se claro que era necessária uma nova estrutura, desta vez explícita. Durante a crise bancária de 1997 e 1998, a legislação foi continuamente alterada, de modo a oferecer suporte às ações que precisavam ser tomadas, muitas delas em caráter de urgência (MILHAUPT, 1999).

Uma das mudanças mais significativas dizia respeito ao alcance do auxílio da DIC. Segundo a definição original, os recursos eram utilizados apenas para garantir os depósitos, não sendo estendidos às demais obrigações da instituição falida. Após o estouro da bolha, porém, os empréstimos destinados às operações de salvamento não apenas foram ampliados, sendo utilizados inclusive por instituições que não coletavam depósitos junto ao público (como as

junsens), mas também cobriam dívidas de outra natureza que precisavam ser honradas, de modo a

não prejudicar o andamento do sistema (como, por exemplo, na paralisação do mercado interbancário após a quebra da Sanyo Securities) (MILHAUPT, 1999). Em diversos momentos, o Banco do Japão também teve que contribuir, inclusive fornecendo capital em troca de ações. Até mesmo o Ministério das Finanças participou, através da utilização de recursos públicos. Esta iniciativa, em particular, foi de grande importância, pois quando utilizada no caso das junsens foi alvo de severas críticas pela população e pela mídia, em parte pelo desconhecimento da magnitude dos problemas (NAKASO, 2001).

Após o primeiro momento da crise bancária, tendo as autoridades administrado as falências por meio da extensão da legislação vigente de forma pontual, percebeu-se que uma rede de proteção explícita se fazia necessária. Para que o Banco do Japão pudesse estender sua função de emprestador em última instância para todos os casos necessários, tomando-se por base as falências que já haviam ocorrido, era preciso ampliar a rede de proteção de depósitos, fortalecendo-a e colocando definitivamente em prática os mecanismos previstos em sua construção, mas que eram substituídos pela credibilidade das autoridades e pela relação de camaradagem existente entre os bancos (MILHAUPT, 1999).

Quando as instituições de maior porte começaram a enfrentar problemas na segunda metade dos anos 1990, os legisladores alteraram o marco legal, com o objetivo de fornecer instrumentos para que o governo pudesse impor condições para fornecer recursos para os bancos ameaçados de falir, como a necessidade de levantamento de capital complementar e a venda de ativos. Essa cobrança tornou-se possível pelas novas práticas de supervisão, em particular uma auditoria externa focada principalmente na proporção de capital de cada instituição. Foi aberta

ainda a possibilidade de estatização temporária dessas instituições, até que outra assumisse suas operações, que a situação se normalizasse ou que fosse aberta falência gradual. (MILHAUPT, 1999). O governo também fortaleceu a DIC: em 1999 possuía mais de 2000 empregados e 60 trilhões de ienes em fundos disponíveis (NAKASO, 2001).