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CAPÍTULO 2: O MODELO DE DESENVOLVIMENTO JAPONÊS NO PERÍODO DE

2.2. O modelo de crescimento japonês entre 1955 e 1973

2.2.1. O sistema financeiro

A Segunda Guerra Mundial trouxe profundas transformações ao sistema financeiro japonês. Para fortalecer o esforço de guerra, o Estado direcionou o crédito bancário para a produção de armamentos, autorizando apenas os grandes bancos pertencentes aos zaibatsus, grandes conglomerados empresariais, e o Industrial Bank of Japan a realizarem essas operações. Reduzidas a receptores de depósitos, as demais instituições bancárias foram estimuladas a realizar fusões, de modo a reduzir seus custos. Esse movimento reduziu o número de bancos comerciais de 286 em 1940 para 61 cinco anos depois (TERANISHI, 1993).

O mercado de ações e títulos, por sua vez, também foi severamente afetado. A economia japonesa perdeu em torno de um quarto de seus ativos durante o conflito, e os grandes detentores de ações foram duramente taxados pelo governo de ocupação, que confiscou os papéis das mãos das famílias que dominavam o país e os lançou no mercado, pulverizando o controle. A bolsa de valores também foi fechada durante o conflito. Após a guerra, os detentores de riqueza sofreram grandes perdas em função das reformas postas em prática pelo governo e da hiperinflação, que somente foi controlada com o Plano Dodge no final da década de 1940 (AOKI, 1998; OKAZAKI, 1995).

Assim como o setor industrial, o sistema financeiro japonês também precisava ser reconstruído. Durante o governo de ocupação, os bancos tiveram alguns privilégios, como a manutenção dos créditos para com as empresas e o bloqueio da livre retirada de recursos por parte dos depositantes. Esse movimento já antecipava o papel preponderante que o governo japonês destinaria a essas instituições no período de ocupação e no período de elevado crescimento, colocando no crédito bancário o principal mecanismo de financiamento dos grandes projetos de investimentos que serviriam para recuperar a economia do país (MIYAZAKI, 1967).

O governo japonês impôs fortes regulações sobre o mercado de capitais, e, através dos empréstimos bancários e das operações de redesconto, direcionou recursos para os setores considerados prioritários, por meio de taxas de juros diferenciadas para cada operação. O Banco do Japão negociava com os grandes bancos, que se comprometiam a repassar o montante

recebido para as empresas selecionadas pelo Estado, com o objetivo de financiar o investimento e, por meio dele, o crescimento da economia (LEVI, 1998)15.

O mercado bancário japonês foi segmentado, com os bancos comerciais ficando responsáveis pelo provimento de crédito de curto prazo. Essas instituições eram divididas em dois grupos: de um lado, os treze maiores bancos, conhecidos como City Banks, com sede em grandes regiões metropolitanas e uma vasta rede de agências; no outro extremo, os bancos regionais possuíam menor porte, sendo instalados em cidades grandes ou médias, com área de atuação restrita ao local de sua sede. Os bancos comerciais se diferenciavam dos demais por captarem depósitos junto ao público e, assim, emitiam moeda-crédito. Ademais, atuavam como intermediários entre as famílias, que possuíam saldo positivo, e as empresas, que apresentavam resultado global negativo (por conta do investimento) (ver Tabela 1) (OKAZAKI, 1995).

Tabela 1

Resultado por setor – poupança/investimento – setores selecionados (em % do PNB)

Período Empresas Famílias Governo

1955-59 -8,9 7,7 0,5

1960-64 -10,9 8,2 1,4

1965-69 -7,7 6,8 0,7

1970-74 -10,9 10,1 0,6

Fonte: OKAZAKI (1995)

Enquanto os City Banks se especializaram na provisão de recursos de curto prazo, outras instituições foram criadas para atender a demanda por empréstimos de prazos mais longos. No início dos anos 1950, foram fundados o Japan Development Bank (JDB) e o Long-Term Credit Bank of Japan, enquanto o Industrial Bank of Japan foi reestruturado, com objetivo de fornecer crédito para os setores considerados prioritários para o governo. Além desses três agentes principais, trust banks e seguradoras também atuavam no mercado de longo prazo (OKAZAKI, 1995).

Os três grandes bancos de longo prazo se financiavam por meio da emissão de debêntures, que eram aceitas pelo Banco do Japão nas operações de redesconto, e por esse motivo eram

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Esta operação, de fundamental importância para a recuperação da economia japonesa, será tratada com mais detalhes no item 2.2.3

adquiridas quase em sua totalidade pelos City Banks. Assim, os bancos de longo prazo serviam aos bancos comerciais de dois modos: forneciam empréstimos com prazos mais dilatados para seus clientes e elevavam a liquidez de sua carteira de ativos (OKAZAKI, 1995). Os bancos públicos contavam ainda com recursos da poupança postal, que ganhou importância no período, direcionada para famílias de baixa renda, que possuíam isenção de impostos sobre a rentabilidade, implicando ganhos maiores que os oferecidos pelos bancos, que pouco remuneravam os pequenos depósitos (IMF, 1993).

A relação entre as empresas e os bancos de longo prazo não era tão relevante quanto possuíam com os City Banks (com exceção das empresas que tinham o Industrial Bank of Japan como main bank), mas o fornecimento desses recursos também foi fundamental para que as empresas pudessem levar adiante sua estratégia de investimentos, complementando a ação dos City Banks (OKAZAKI, 1995).

O sistema bancário japonês contava ainda com instituições públicas e privadas especializadas em fornecer crédito para outros segmentos: os Sogo Banks e Shinkin Banks, no setor privado, e o People's Finance Corporation e o Small Business Finance Corporation, no setor público, eram direcionados para pequenas e médias empresas; o Export-Import Bank, controlado pelo Estado, atuava no comércio exterior; e o Norinchukin Bank liderava a cadeia de credito agrícola. Essa segmentação facilitava a distribuição de recursos planejada pelo governo: enquanto o sistema financeiro privado financiava os setores mais dinâmicos, como maquinaria pesada e química, o setor público era responsável pelo crédito para infraestrutura e setores decadentes, cujos investimentos caracterizavam-se por maior prazo de maturação, maior risco e/ou menor retorno (TERANISHI, 1993).

Outra alternativa de financiamento de longo prazo era a emissão de títulos, apenas com autorização do governo, que também controlava os prazos e a taxa de juros. Em contrapartida, o setor público estimulava os City Banks a adquirir esses papéis, que podiam ser usados como colateral para empréstimos do Banco do Japão, mecanismo que permitia a compensação das taxas mais elevadas dos títulos com os juros subsidiados dos empréstimos. Além disso, quando o banco adquiria títulos privados, a autoridade monetária recomprava o mesmo valor em títulos públicos.(OKAZAKI, 1995).

A estrutura do sistema financeiro deixava explícita a estratégia de desenvolvimento do governo japonês, que privilegiava os bancos como canais de fornecimento de recursos para as

empresas, movimento que pode ser comprovado na tabela 2, que mostra as aplicações de recursos pelo setor financeiro e a elevada participação dos empréstimos no total.

Tabela 2

Aplicação de recursos pelo setor financeiro - em % do total

Tipo 1955-59 1960-64 1965-69 1970-74 Moeda e depósitos 2,0 1,7 1,2 2,4 Investment trusts 6,4 6,8 2,5 3,8 Títulos* 10,8 8,7 14,5 9,9 Empréstimos 77,5 77,6 79,0 78,5 Outros 3,3 5,2 2,8 5,3

*incluindo títulos de empresas públicas e privadas, debêntures de bancos e ações

Fonte: AOKI et al. (2009)

No próximo tópico, descreve-se a atuação do governo japonês no período de alto crescimento da economia, com destaque para as medidas destinadas ao setor industrial.