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“Pessoas às voltas com a vida

Basta de poemas para depois... Ó vida, e se nós dois Vivêssemos juntos?”

Mário Quintana (1986, p. 111).

As pessoas da pesquisa: homens e mulheres que ingressam no IFSul Campus Passo Fundo, com o intuito de exercer a docência e nela se constituir profissionalmente. Portanto, nos limites deste trabalho, reconheço-os, em primeiro lugar, como personagens centrais, pessoas de minha investigação, como pessoas que estão “às voltas com a vida”, procurando uma forma de viver em tempos e espaços que lhes são “próprios” e que se configuram de diferentes formas – nos sentimentos, no trabalho, na família, no IFSul e na cidade de Passo Fundo.

Nesse sentido, compreendo-os como sujeitos sociais, inseridos em teias configuracionais da sociedade, que fazem parte de um processo histórico, logo, produtores de culturas. Neste trabalho, por conseguinte, assumo uma posição em torno da definição de sujeito social, apontada por Charlot (2000), que o considera como um ser ativo, que age no e sobre o mundo e que, nessa ação, se produz e, ao mesmo tempo, é produzido no conjunto das relações sociais no qual se insere.

O sujeito que é um ser humano aberto a um mundo que possui uma historicidade, portador de desejos e movido por esses desejos, em relação com outros seres humanos, eles também sujeitos. Ao mesmo tempo, o sujeito é também um ser social, com uma determinada origem familiar, que ocupa um determinado lugar social e se encontra inserido em relações sociais. Finalmente, o sujeito é um ser singular, que tem uma história, interpreta o mundo, dá-lhe sentido, bem como à posição que ocupa nele, às suas relações com os outros, à sua própria história e à sua singularidade (CHARLOT, 2000, p. 33).

Ainda nos aponta o autor que a noção de sujeito é detentora de características que definem a própria condição antropológica que constitui o ser humano, ou seja, o ser que é igual a todos como espécie, igual a alguns, como parte de um determinado grupo social, e diferente de todos, como um ser singular. Nessa perspectiva, o ser humano não é um dado, mas, uma construção. A condição

humana é vista como um processo, um constante tornar-se por si mesmo, no qual se constitui como sujeito, à medida que se constitui como humano, com o desenvolvimento das potencialidades que o caracterizam como espécie, passando a desenvolver a outra face da condição humana, que é a sua natureza social.

Considerando-os, consequentemente, na dependência de processos relacionais nos quais, em uma rede de relações, estabelecem diferentes papéis, caracterizo-os como sujeitos múltiplos e dialógicos, como afirmam Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2004):

A dependência de processos relacionais com o outro, desde o início da vida [...], coloca a pessoa em jogos interativos, os quais, em uma rede de relações, impregnada e atravessada pela linguagem, vão abrindo e/ou interditando papéis e lugares possíveis de serem ocupados. Essa característica marca o caráter fundante da dialogia na constituição do ser humano e, por consequência, a sua multiplicidade. A pessoa é múltipla porque são múltiplos e heterogêneos os vários outros com quem interage. A pessoa é múltipla, porque são múltiplas as vozes que compõem o mundo social e os espaços e as posições que vai ocupando nas práticas discursivas. Essa multiplicidade de vozes e posições que dialogam entre si submetem a pessoa, mas ao mesmo tempo, preservam a abertura para a inovação e a construção de novos posicionamentos e processos de significação acerca do mundo, do outro e de si mesma [grifo das autoras] (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2004, p. 25).

Na perspectiva de tecer a “rede”, no que as diferentes vozes se cruzam, para dizer quem são esses professores e como se constituem no IFSul – Campus Passo Fundo, tomo como primeiros fios os dados empíricos, coletados na análise documental.15

Diante dos esclarecimentos conceituais anteriormente feitos, tento responder a seguinte questão: “Quem são os professores do IFSul – Campus Passo Fundo?” e, assim, apresentar algumas das vozes que compõem o perfil configuracional do grupo que constitui as pessoas da pesquisa. Nesse sentido, tenho a mesma intenção de Lahire (2004, p. 72), qual seja de, ao “centralizar o olhar sobre objetos mais precisos, tentar contextualizar o efeito de propriedades ou de traços pertinentes de análises absolutamente gerais, exatamente os que encontramos nas pesquisas estatísticas”.

O perfil, aqui traçado, busca visualizar alguns dos “nós” que se entrelaçam e constituem as redes de relações que formam a realidade social pela impossibilidade de ver a sua totalidade. Logo, concordo com o argumento de Bernard Lahire (2004, p. 40), de que “[...] um pesquisador não pode reconstruir nunca tudo, ela apenas evoca de forma geral o que será descrito em detalhes por outros”. Mesmo assim, procuro estar atenta às relações de interdependência que dão vida e sentido ao objeto pesquisado, concordando com o autor anteriormente citado:

Se tivéssemos abordado separadamente traços, teríamos perdido de vista o que nos parece o mais importante a destacar, ou seja, que esses traços (características, temas) se combinam entre si e só tem sentido sociológico, para o nosso objeto, se inseridos na rede de seus entrelaçamentos concretos (LAHIRE, 2004, p. 72).

O referido “perfil” é fruto do contato inicial com 45 pessoas – professores do IFSul – Campus Passo Fundo. Nelas foi possível levantar dados, como idade, local de nascimento, sexo, formação acadêmica, tempo na docência e situação familiar.

Essa etapa apresentou a possibilidade de olhar, ainda que de forma superficial, as singularidades e as pluralidades do grupo de professores do IFSul – Campus Passo Fundo, evitando as generalizações, mas buscando conhecer elementos que constituem o sistema de relações processuais, entendendo que este é constituído por e constituinte de identidades singulares.

Nesse sentido, é importante destacar que a categoria “professores”, especialmente quando associada à Educação Profissional e Tecnológica, remete a um grupo de sujeitos que compartilham um certo lugar social, caracterizado pela formação acadêmica, pela forma de ingresso e por serem membros de determinados grupos culturais.

No que diz respeito aos grupos culturais a que pertencem essas pessoas, têm sido descritos como bastante homogêneos, compostos, na sua grande maioria, pelo sexo masculino, pessoas, com grande conhecimento técnico na sua área de atuação, geralmente profissionais liberais, funcionários de empresas privadas ou públicas, que procuram exercer a docência na Educação Profissional e Tecnológica na rede federal, como forma de conquistar a estabilidade profissional ou como complementação da renda. Esses profissionais, portanto, não têm formação acadêmica

compatível com os processos formativos para o exercício da docência. Dessa forma, utilizam como estratégia para o processo de ensino os saberes construídos nas experiências, enquanto alunos ao longo da vida. Segundo Benedito (1995):

Isso se explica, sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autodidata do professorado. Mas ela é insuficiente (BENEDITO, 1995, p. 131).

Entretanto, os dados, obtidos na fase preliminar da investigação em pauta, apontam elementos que configuram diferenças daquelas que tipicamente descrevem esses profissionais. Sendo assim, a primeira diferença que procuro apresentar é que são generificados, ou seja, são sujeitos que se identificam social e historicamente como masculinos e femininos, formas de identificação que imprimem características diferentes, como grupos culturais. Então, opto por apresentar os dados que permitem traçar um perfil das pessoas da pesquisa em percentuais, separados por gênero,16 na perspectiva de visualizar características particulares dos processos constitutivos da docência na Educação Profissional e Tecnológica, contexto predominantemente masculino, fator que se diferencia da docência em outras modalidades de ensino, conforme Gráfico 1.

16 Segundo Moraes (2005), gênero pode ser compreendido, enquanto categoria introduzida ao vocabulário,

na década de oitenta, pelas feministas que avançaram na discussão até então realizada desde a perspectiva biológica do sexo – feminino e masculino – para a perspectiva da construção das especificidades sociais e culturais em relação ao homem e à mulher. Seguindo o mesmo raciocínio, para Salva (2006), a identidade de gênero pode se considerada uma construção sociocultural que vem sendo amplamente pensada nas últimas décadas. Ela contém algumas características específicas que a definem: em primeiro lugar, é um fenômeno histórico, implica relações de poder e por isso é hierárquico; é construído no cotidiano por meio das relações familiares, institucionais, de amizade, de trabalho; varia de acordo com o meio cultural, etário, de etnia, religião, grupo social; é relacional percebido através das relações construídas entre homens e mulheres; é processual e pode modificar-se.

Gráfico 1 - Gênero17

Fonte: Elaborado pela autora, 2012.

Essa característica é fruto dos processos de exclusão da mulher de algumas áreas formativas, entre elas, as que se relacionam com as ciências exatas. Dessa forma, é possível, através dos dados, visualizar as marcas históricas de uma sociedade patriarcal que colocou as mulheres à margem dos processos de profissionalização. Conforme Moraes (2002), “a mulher foi impedida durante vários anos de ter a própria vida profissional, estudar significava não ser boa mãe”, como se pode observar em um dito popular brasileiro do final do século XIX: “Menina que sabe muito; É menina atrapalhada; Para ser mãe de família; Saiba pouco ou saiba nada” (MORAES, 2002, p. 35).

Nessa perspectiva, Scott (1990) sugere que “o conceito de gênero foi criado para opor-se a um determinismo biológico nas relações entre os sexos, dando-lhe um caráter fundamentalmente social”, exercendo esta ideia grande relevância reflexiva nesse contexto.

Essas marcas que configuram a docência na Educação Profissional e Tecnológica no IFSul – Campus Passo Fundo assumem outros entrelaçamentos constitutivos, entre eles, os apresentados nos Gráficos 2, e 3.

17 Em números absolutos: Uma totalidade de 45 pessoas, destas 33 homens e 12 mulheres.

0% 20% 40% 60% 80% GÊNERO Masculino Feminino

Gráfico 2 - Área de formação acadêmica geral18

Fonte: Elaborado pela autora, 2012.

Gráfico 3 - Formação acadêmica por gênero19

Fonte: Elaborado pela autora, 2012.

Cabe também salientar que muitos dos docentes que ingressaram no IFSul foram alunos de cursos técnicos do Cefet-RS, hoje IFSul – Campus Pelotas. Quanto à experiência profissional, percebe-se que muitos docentes iniciaram as suas trajetórias como docentes no IFSul, outros já haviam trabalhado como docentes substitutos na Educação Profissional e Tecnológica em outros campi, os têm experiências na docência em instituições privadas de Ensino Superior anterior ao ingresso no IFSul e os que têm experiências na educação pública estadual. Neste aspecto, cabe salientar que as mulheres apresentam um percentual mais alto em relação ao tempo no exercício da docência. Esse aspecto é de grande relevância, pois confirma um dado: de que a docência, em outras modalidades educativas, é exercida predominantemente por mulheres.

18 Números Absolutos: 17 professores da área da Engenharia Mecânica; 13 professores da área da

informática; 5 professores da Engenharia Civil e 10 professores Licenciados em diversas áreas.

19 Números Absolutos: 17 professores da área da Engenharia Mecânica todos do sexo masculino; 13

professores da área da informática: 2 pessoas do sexo feminino e 11 do sexo masculino; 5 professores da Engenharia Civil: 2 do sexo feminino e 3 do sexo masculino; 10 professores Licenciados em diversas áreas:8 do sexo feminino e 2 do sexo masculino.

Os demais “fios”, constitutivos da “teia humana” que vai constituindo o grupo de trabalho do IFSul, apresentam, sob o aspecto familiar. Das doze pessoas do sexo feminino: sete são casadas com filhos três casadas sem filhos e duas solteiras. Já as dentre as trinta e três pessoas do sexo masculino: dezesseis são casadas com filhos; nove são casadas sem filhos e oito são solteiras. Sob o aspecto faixa etária: Da totalidade de doze pessoas do sexo feminino, sete se encontram com idade entre vinte e seis e trinta e cinco anos; três com idade entre trinta e seis anos e quarenta e seis anos e duas com idade acima de quarenta e sete anos, como pode ser visualizado nos Gráficos 4 e 5.

Gráfico 4 - Aspectos familiares

Fonte: Elaborado pela autora, 2012. Gráfico 5 - Faixa etária

Fonte: Elaborado pela autora, 2012.

No que tange à situação de origem residencial, percebe-se uma maior mobilidade das mulheres pela busca da docência, pois vieram de outras cidades em função da aprovação no concurso para o IFSul. Sendo que, das 12 pessoas do sexo feminino oito vieram de outras cidades e quatro já residiam em Passo Fundo, quando ingressaram no IFSul. As trinta e três pessoas do sexo masculino, 17 pessoas já residiam em Passo Fundo, enquanto que quinze vieram de outras

cidades do estado e uma de outro estado. Esses dados podem ser observado, também no gráfico abaixo:

Gráfico 6 - Situação de origem

Fonte: Elaborado pela autora, 2012.

Esse olhar me encaminhou para um exercício reflexivo sobre o processo de constituição da docência, o que veio a configurar a presente pesquisa, possibilitando perceber e caracterizar as pessoas da pesquisa – homens e mulheres, docentes do IFSul Campus Passo Fundo – para além da categoria “docentes”, ou seja no entrelaçamento social que a vida lhes coloca: são pais, mães, filhos ou filhas, pessoas com vínculos culturais inscritos em suas trajetórias de vida e que lhes garantem a condição de exercer a sua singularidade.

Assim, estes profissionais encontram formas nas relações que estabelecem, para se sentirem sujeitos de suas vidas. Portanto, como seres humanos, amam, sofrem, divertem-se, pensam a respeito de suas condições e de suas experiências de vida; posicionam-se diante delas, além de possuírem desejos e propostas de melhoria de vida.

Diante dos dados, saliento que tais especificidades se referem a um pequeno universo, um recorte que considero significativo, capaz de apontar pistas para continuidade do processo, a fim de se obter uma maior aproximação com a totalidade e, consequentemente, conhecer melhor o mundo da docência na Educação Profissional e Tecnológica, a partir de seus protagonistas.

Então, apresentarei aqui as pessoas da pesquisa, que constituem e são constituídas pelas redes acima descritas e que participaram mais intensamente das demais etapas da pesquisa, relatando as suas trajetórias de vida e, assim, apontando os sentidos que encontram na escolarização.