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As desigualdades de gênero para compreensão da divisão sexual do trabalho:

CAPITULO 2: ORDEM PATRIARCAL E DESIGUALDADES DE GÊNERO NAS RELAÇOES

2.3. As desigualdades de gênero para compreensão da divisão sexual do trabalho:

A opressão às mulheres não foi desencadeada no capitalismo, mas este sistema adquiriu os traços particulares e fundantes da opressão que o antecedeu, e aprofundou o antagonismo ao reforçar o patriarcado, convertendo-o em um conivente aliado para manutenção da dominação-exploração de todos os indivíduos. A perspectiva na qual a divisão sexual do trabalho é consequência de uma estrutura patriarcal determinante, foi observado por Saffioti (1992), no qual, há uma nítida aliança do patriarcado ao sistema capitalista.

Entretanto, o capitalismo introduziu à mulher na produção social, o que não ocorria no patriarcado, mas às bases ideológicas e matérias da opressão permaneceram, com o reforço da inferiorizarão da mulheres, da sua força de trabalho e da divisão sexual do trabalho. O trabalho para o qual as mulheres eram contratadas era considerado “trabalho de mulher”, aludido como apropriado às suas capacidades físicas e produtivas, determinando sempre a elas as funções mais baixas na hierarquia ocupacional e menores salários.

A dominação-exploração que rege o patriarcado tem uma base material se faz por meio de definições e redefinições de estatutos ou de papéis construídas e reproduzidas nas relações sociais. As convenções sociais determinam a masculinidade (ligada força e habilidades de comando) e a feminilidade (ligada a fragilidade e destreza) dos sujeitos, justificando que a distinção entre trabalho masculino e feminino seria em consequência de fatores biológicos, e assim, buscaram legitimar a divisão sexual do trabalho.

As praticas sociais de mulheres podem ser diferentes das de homens da mesma maneira que, biologicamente, elas são diferentes deles. Isto não significa que os dois tipos de diferenças pertençam à mesma instância. A experiência histórica das mulheres tem sido muito diferente da dos homens exatamente porque, não apenas do ponto de vista quantitativo, mas também em termos de qualidade, a participação de umas é distinta da de outros. Costuma-se atribuir estas diferenças de história as desigualdades, e estas desempenham importante papel nesta questão. Sem dúvida, por exemplo, a marginalização das mulheres de certos postos de trabalho e de centros de poder cavou um profundo fosso entre as suas experiências e as dos homens. (SAFFIOTI, 2004, p.117).

A divisão sexual do trabalho é construída nas práticas sociais, ora conservando tradições, ora criando modalidades da divisão sexual das tarefas.

Portanto, não mais que as outras formas de divisão do trabalho, a divisão sexual do trabalho não é um dado rígido e imutável. Se seus princípios organizadores permanecem os mesmos, suas modalidades (concepção de trabalho reprodutivo, lugar das mulheres no trabalho mercantil, etc...) variam fortemente no tempo e no espaço (KERGOAT, 2003, p. 56).

A divisão sexual do trabalho, transcorrida por situações historicamente dadas entre pessoas de sexo oposto, fundamenta-se na ideia da relação antagônica entre homens e mulheres, e nas relações de exploração que sofrem os sexos. A "divisão social e técnica do trabalho é acompanhada de uma hierarquia clara do ponto de vista das relações sexuadas de poder" (HIRATA, 2002, p. 280).

As questões a respeito da divisão sexual do trabalho no campo das ciências sociais e também do ponto de vista histórico encontrou-se conduzidas, durante muito tempo, a uma perspectiva fundamentada em papéis conferidos de acordo com o sexo. Kergoat (2003) e Hirata (2003) desconstrói esse conceito e traçam uma nova visão a respeito do trabalho.

Uma das suas principais características está na destinação do sexo, que é situar os homens no campo produtivo e as mulheres no campo reprodutivo, associando aos primeiros as funções com forte valor social, como no âmbito político, religioso e militar. Danièle Kergoat (2003), sistematiza que há dois princípios organizadores da divisão sexual do trabalho. Um deles é a separação do que é trabalho de homens e de mulheres. O segundo é a hierarquia, que considera que o trabalho dos homens vale mais do que o das mulheres.

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; esta forma é adaptada historicamente e a cada sociedade. Ela tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apreensão pelos homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas, militares, etc... (Kergoat, 2003, p. 55).

O embate entre os dois sexos atravessam o campo social e produzem certos fenômenos antagônicos que possuem determinações “biologizante machos-fêmeas” (KEARGOAT, 2003. p,58). Essas relações de sexo determinam a divisão sexual do trabalho.

Estas últimas são caracterizadas pelas seguintes dimensões: :: a relação entre os grupos assim definidos é antagônica;

:: as diferenças constatadas entre as práticas dos homens e das mulheres são construções sociais, e não provenientes de uma causalidade biológica; :: essa construção social tem uma base material e não é unicamente :: essas relações sociais se baseiam antes de tudo em uma relação hierárquica entre os sexos, trata-se de uma relação de poder, de dominação ( Keargot, 2003. p, 58-59).

Em se tratando do espaço rural, a divisão sexual do trabalho, é fortemente evidenciada, e a divisão de tarefas segue uma discriminação pautada no sexo, e idade dos membros da família. As oposições entre o feminino e o masculino se acirram sobre as condições físicas. A distinção que qualifica o trabalho em função do sexo é

se o trabalho é “leve” ou “pesado”. Pode ser executado por mulheres se é considerado como tarefa “leve.

Sobre a divisão sexual do trabalho, o estudo realizado no Povoado Brejo, que apresenta o predomínio da agricultura da mandioca, do tabaco e o maracujá, demostrou que entre os vinte entrevistados, 40% concordam que existem profissões37

para cada sexo. No entanto, os 60% restante dos entrevistados ao mesmo tempo que afirmam essa igualdade entre ambos os sexos colocam que as condições físicas da mulher dificultam no desempenho do trabalho. Para analisar melhor às respostas e entender como homens e mulheres reproduzem essa construção, às respostas por ambos os sexos foram separadas.

No exercício de profissões, 50% das mulheres responderam que ambos os sexos podem exercerem as mesma profissões como observa-se as falas da entrevistadas:

Acho que não, acho que todas as profissões tem que ocupar tanto homem como mulher (Mulher; Casal 2).

Sim, acho que deve ser iguais né, que todos trabalham (Mulher; Casal 3). Hoje eu acredito que não né? Que tudo tá igual, que as mulheres estão realizando profissões que é pra homem e homem realizando profissões que é de mulher, eu vejo isso naturalmente (Mulher; Casal 4).

No que diz respeito aos outros 50%, às mulheres reproduziram as diferenças de gêneros construídas socialmente, usando as condições físicas como justificativa para não exercerem as mesma profissões que os homens. Segue o relato das entrevistadas:

Existe, porque tem trabalho que o homem faz que a mulher as vezes num faz né? E tem também serviço da mulher, serviço de casa é mais pra mulher que pro homem e serviço de roça é mais pro homem que pra mulher, é o que eu acho (Mulher; Casal 5).

Existe, trabalho rural a mulher, tem diferença sim o homem pega mais no pesado mulher não (Mulher; Casal1).

Sobre as resposta dadas pelo homens, 60% responderam que ambos os sexo podem exercer as mesmas profissões, mas faz-se necessário esclarecer que dos 60¨% apenas 20% afirmaram igualdades entre os sexos para o exercício da mesma profissão, os outros 40% responderam que tem que se levado em conta as condições

físicas, que a mulher pode sim exercer a mesma profissão que o homem, mas que não terá o mesmo desempenho devido as suas determinações biológicas como pode ser evidenciado nas verbalizações abaixo.

No caso umas coisas existe, porque a gente como é lavrador, na roça a mulher ela é, se destaca bem, mas em outras profissões como pedreiro é mais difícil para uma mulher, mas tem serviço pesado que o homem aguenta e a mulher ela não aguenta o bastante, ela é mais fraca, é muito difícil pra ela (Homem; Casal 6).

Não, hoje em dia é normal, agora só que tem serviço mais pesado que é adequado para o homem do que a mulher (Homem; Casal 7).

Não, não são a mesma coisa, existe força, peso, diferença (Homem; Casal 8).

Os 40% restantes dos homens foram enfáticos ao responderem que existem profissões para cada sexo como afirma a fala do entrevistado do Casal 3: “Existe, a profissão da mulher é cuidar da casa e o homem da roça.

Portanto, embora não se possa reduzir essa compreensão descontextualizando-a de várias mediações já apresentadas, o patriarcado permanece de diferentes formas, seja na divisão sexual do trabalho atribuindo tipos de tarefas e trabalhos que podem ser exercidos por sexo, seja na reprodução de suas bases encucada nas relações sociais, econômicas e políticas.

A ideologia38 patriarcal continua bastante enraizada na constituição familiar.

Por isso, muitos homens têm dificuldade de assimilar funções no âmbito familiar que culturalmente são destinadas às mulheres, e assim, permeia-se a ideia de que a mulher não faz parte do processo do trabalho agrícola por ser um “sexo frágil” e que sua condições não permite ganhar acima do valor da diária do homem mesmo quando ambos os trabalhos demandam o mesmo tempo ou que o esforço físico exigido por um tenha consonância a habilidade do outro. O trabalho exercido pela mulher ainda se configura carregado de discriminação e desvalorização.

38 Ideologia: No marxismo, ― ideologia tem dois significados distintos: [1] concepção do mundo que

implica numa determinada perspectiva de vida ligada aos interesses das classes sociais, uma escala de valores, junto com normas de conduta prática. [2] Falsa consciência, obstáculo para o conhecimento da verdade, erro sistemático, inversão da realidade, por compromissos com o poder estabelecido. O marxismo é uma concepção ideológica de mundo vinculada aos interesses dos trabalhadores (significado [1]), que questiona toda falsa consciência ideológica da burguesia (significado [2]). Néstor Kohan [2003? ]. p, 8.

Essa classificação também é acompanhada por distinção de remuneração, na qual, ganha mais o homem pelo trabalho “pesado”. Considerando a renumeração39 do

trabalho exercido pelo homem e pela mulher no campo no Povoado Brejo, 60% dos homens afirmaram que o valor pago pelo trabalho da mulher tem que ser inferior ao valor da diária do homem, pois as condições físicas da mulher não permite que ela desempenhe um bom trabalho, fato que pode ser averiguado nas seguintes falas:

Tem que ser diferente, o homem tem que ser mais, o homem tem que ganhar mais um pouquinho né? Porque pega o serviço mais pesado, mulher pega o servicinho mais leve, tem que ser diferente, (risos) (Homem; Casal 1). Não, é diferente o homem sempre vai fazer o serviço mais pesado do que a mulher né? E a mulher num faz o que o homem faz então não deve ser igual (Homem; Casal 2).

Não, eu acho que o do homem tem que ser mais caro e o da mulher mais barato (Homem; Casal 3).

Não o homem tem que ganhar mais pois trabalha mais que as mulheres, que algumas mulheres (Homem; Casal 4).

No caso umas coisas existe, porque a gente como é lavrador, na roça tem serviço pesado que o homem aguenta e a mulher ela não aguenta o bastante, ela é mais fraca, é muito difícil pra ela (Homem; Casal 6).

É sempre, o preço da mulher, a diária da mulher é menos que o homem porque o homem é, tem serviço pesado que o homem tem que enfrentar, então o dia do homem é caro. A diária do homem por exemplo é 50 reais e a diária de uma mulher é 40 reais (Homem; Casal 7).

No que confere aos outros 20%, os homens afirma que deve haver igualdade no valor da diária entre ambos, e ressaltam que possuem a mesma força de trabalho: “Tem que ser igual, por que tem mulher que trabalha igual ou mais do que o homem” (Casal 10). Já os 20% restante entendem que o valor deve ser relativo ao trabalho exercido:

Olha o seguinte é esse, a diária do homem e da mulher tem algumas coisas que pode ser normal, tem umas que a mulher ganha pro homem, é como despencar amendoim, é como trabalhar na casa de farinha e mais a mulher ganha pro homem mas em outras coisas é diferente, o homem tem, tem que ter mais um objetivo, ele pode ganhar mais por causa disso, em outras coisas ela é quem ganha pra ele (Homem; Casal 6).

Vai depender, depende o serviço porque tem serviço que é muito pesado pra mulher e ai no caso tem parte que a mulher não pode fazer o que o homem faz, muito pesado, ai no caso pode ter a divergência nisso ai no caso recebimento diferentes o homem um preço e a mulher outro, agora partes que são iguais a mulher pode receber (Homem; Casal 5)

Há, neste contexto que considerar a contraditoriedade de alguns homens que mesmo que reconheçam a importância ou possibilidade de ganho pelas mulheres em atividades consideradas de cunho masculino, o ordenamento social que desqualifica esse aspecto está impregnado na lógica do trabalho braçal que exige força e resistências, habilidades consideradas por eles excepcionalmente masculinas.

Sobre as resposta dadas pelas mulheres, 60% descrevem que o valor da diária para ambos os sexos devem ser iguais, mas as mesma enfatizam que não é dada devida valorização ao seu taralho.

Tem mas não é, a mulher não recebe igual ao homem, é desvalorizado né o trabalho da mulher no campo, (risos) (Mulher; Casal 1).

Acho que sim porque é tudo é um trabalho só do jeito que um faz o outro faz então deve ser valorizado do mesmo jeito (Mulher; Casal 2).

Aqui não, nem funciona assim, a mulher sempre ganha menos, bem menos (Mulher; Casal 10).

Deve ser, São valores iguais, porque tem mulher que faz no dia o que a mesma quantidade de serviço que o homem faz (Mulher; Casal 9).

Já os 20% das entrevistadas afirmam que não deve haver igualdade no valor das diárias e justificam novamente pelas condições biológicas das mulheres:

Não, a mulher não trabalha como o homem né a mulher sempre trabalha menos que o homem, tem mulher que trabalha igual a um homem mas nem toda mulher trabalha como home, então o valor dela tem que ser menos que o do homem (Mulher; Casal 6).

Não porque a mulher nunca trabalha igual a um homem, o homem sempre trabalha mais ai eu acho que de acordo com o trabalho de cada um é o valor de sua diária (Mulher; Casal 7).

Os 20% restantes concordam que o valor da diária tem que ser pago a depender do trabalho que a mulher exerce, pois tem alguns trabalhos que a mulher não consegue exercer: “Depende, depende do trabalho né? Porque tem trabalho na roça que a mulher não trabalha igual com o homem normal no dia” (Casal 5).

Com base nas afirmações anteriores dos entrevistados, é possível visualizar que no trabalho exercido pela mulher ainda perdura a condição de desvalorização da sua força produtiva e a persistência explicita da divisão sexual do trabalho, consolidando dessa forma a sua taxação de sexo frágil, menosprezando o seu trabalho e dessa forma rebaixando o valor da sua diária. Portanto, homens e mulheres por estarem inseridas dentro de uma sociedade apoderada do modelo patriarcal,

estão sujeitas a reproduzirem tais modelos imposto pelo contexto social, e mesmo que por vezes apresentem questionamentos, as mudanças necessárias a problemática da desigualdade, exploração-dominação de gênero tem que se configurar como transformação da sociedade como um todo.

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