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A Constituição há muito deixou de ser entendida como mero documento de belas e boas intenções políticas; carta de exortações morais aos poderes públicos; apostila de recomendações aos gestores da coisa pública; epístola de aspirações realizáveis ao sabor das contingências do momento político, e do fígado dos ocupantes temporais do poder. Há muito morreu a idéia de carta política sem força de direito.

Também, a idéia da Constituição como um instrumento de governo, insensível às políticas públicas sociais, e só envolvida com a proteção da liberdade individual e as garantias de cada indivíduo, já se tornou opinião da história das idéias político-constitucionais do século XX.

A Constituição não é mais vista apenas como definidora de competências dos órgãos político-estatais, em consagração ao princípio da separação de poderes, nem só como a declaradora dos núcleos de direitos de defesa inderrogáveis do indivíduo, funcionando somente como Carta alheia aos interesses sociais em evolução e amoldada ao bom trato do status quo político e jurídico.

Essa função de garantia da Constituição hoje é ladeada pela função programadora da atividade futura do estado e da sociedade; é acompanhada pela idéia de programação conformadora da ação estatal e social. Assim, a normatividade constitucional não se endereça somente aos órgãos do Estado, exigindo-lhe abstenções, inações e não interferências; ela também vincula os órgãos estatais a ações positivas, à produção de políticas públicas tendentes a realizar os fins constitucionais plasmados na ordem jurídica. Políticas públicas realizáveis por meio de atos, processos e medidas administrativas; de leis e sentenças, através do Judiciário, do Legislativo e do Executivo.

Além do Estado, as Constituições contemporâneas (como as produzidas a partir do último quartel do século XX) também vinculam os particulares, numa normatividade constritora inclusive do Direito Privado, como antes nunca visto241.

241 Ver, e. g., José Joaq uim Go me Canotilho. Civ ilização do Direito Co nstit uciona l ou Constitucio nalização do Direito Civil? A Eficácia do s Direito s Funda menta is na Orde m J urídico-Civ il no co ntexto do Direito Pós-M oderno in: - Eros Roberto Grau e

Willis Santiago Guerr a Filho (or g.), Direito Co nstit uciona l – est udos em ho menage m a

Paulo Bo navides. São Paulo, Malheiro s, 20 01, p. 108-115; Gil mar Ferreira Mendes. Direito s Funda mentais: eficácia das garantias constitucio nais nas relações privad as –

Ao lado desta mudança revolucionária de função do texto constitucional, outra se destaca. A mudança de seu sentido ontológico: de carta política, a norma de direito. Hoje a Constituição é vista como um todo normativo, como um todo legal, como bloco de normas que constituem leis, valem como leis, como lei de todas as leis, heterodeterminando a produção, a interpretação e aplicação de todas as partes da ordem jurídica.

Essas novas concepções potencializam a força normativa da Constituição (Konrad Hesse242) e lhe garantem a inescusável qualidade de norma jurídica - é a idéia de Constituição como norma (Garcia de Enterria243). A força normativa da Constituição, hoje, indica a força de lei, força de direito, força de norma jurídica. E para esse rico raciocínio, se o todo é lei, suas partes também o são; e se o todo é norma, as regras e princípios que o compõem também o são.

A Constituição, então, como um grande Código da vida comunitária de uma nação, estabelece os principais valores de organização da vida em sociedade; fixa as formas de organização, investidura e exercício do poder; determina as formas e meios de defesa dos direitos e interesses tuteláveis dos cidadãos, dos grupos e movimentos organizados.

análise da jur ispr udência da Corte Co nstitucio nal Ale mã. in: Direito s F unda menta is e

Controle de Co nstituciona lida de: estudo s de direito co nstitucio nal. São Paulo, Celso

Bastos Ed itor, 1998, p. 207-225; Ricardo Luis Lorenzetti, Funda mento s do Direito

Priva do: Las No rmas Fundamentales de Derecho Privado. São Paulo, Revista do s

T ribunais, 1998, 613 p.

242 Ver seu livro Força No rmat iva da Co nstit uiçã o [Die normative Kraft der Verfassung],

trad. Gilmar Ferreira M end es, Porto Alegre, Sér gio Anto nio Fabr is, 1991 .

243 Ver seu livro La Constit ució n co mo nor ma y el Tribuna l co nstit ucio nal. Madr id,

Esses valores vêm mediados em forma de princípios e regras constitucionais, que são espécies do gênero norma constitucional. Eles são captados pelos três níveis de racionalidade da Constituição (segundo o magistério de Gomes Canotilho)244 - níveis estes componentes do consenso geral da comunidade sobre o que seja razoável em termos de proteção dos direitos humanos: o nível da racionalidade ética; o da racionalidade política; e o da racionalidade jurídica.

Neste sentido são os ensinamentos de Canotilho, segundo quem,

Quando se fala em bens co mo a saúd e p ub lica, patri mô nio cultural, defesa nacio nal, integr idade terr itor ial, fa mília, alud a-se a bens juríd ico s co nstitucio nalmente recebido s e não a q uaisq uer o utros bens localizado s numa pré-po sitiva or fem d e valo res. Os bens juríd ico s de valor co mu nitár io não são todos e quaisq uer bens que o legislador declara co mo bens da co munid ade, mas ap enas aq ueles a que fo i constitucio nalmente co nferido o caráter de bens da co munidad e.245

Ressalte-se,num parêntese, que o intervencionismo, inerente a uma democracia providencialista, corolário de uma constituição dirigente, diverge do intervencionismo próprio dos regimes totalitários de governo.246

Assim, nesta perspectiva, as constituições de vários países contemplam expressas obrigatoriedade de criminalização de condutas, como a Constituição Italiana em seu art.13.4 que assim dispõe:

La liber tà perso nale è invio lab ile.

244 Ver seu livro Co nst it uição dirigente e vinculação do leg isla dor. Co imbr a, Almed ina,

1982.

245 CANOT I LHO, J.J. Go mes. Direito co nstit ucio nal e teoria da co nstit uição.3ªed .

Coi mbra: Almed ina, 199 9, p.1192.

246 CARVALHO, M árcia Do metila Lima de. Funda menta ção co nst it uciona l do direito penal. Porto Alegre: Safe, 1992, p.42.

No n è ammessa for ma alcuna di detenzio ne, di ispezio ne o perquisizio ne per so nale, né q ualsiasi altr a restr izio ne della libertà perso nale, se no n p er atto motivato dall'Autor ità giud iziaria e nei soli casi e modi pr evisti dalla legge.

In casi eccezio nali di necessità ed ur genza, ind icati tassativamente dalla legge, l'autor ità di P ubblica sicur ezza p uò ado ttar e provved imenti pro vvisori, che devo no esser e co municati entro quar anto tto ore all'Auto rità giud iziaria e, se q uesta no n li co nvalid a nelle successive q uar antotto ore, si intendo no revocati e restano privi d i o gni effetto .

E ' p unita o gni violenza fisica e morale sulle perso ne co munq ue sottopo ste a restrizio ni di liber tà.

La legge stabilisce i limiti massimi della car cer azio ne pr eventiva.

No que diz respeito a nossa constituição, temos o art.5º, incisos XLI e XLII, assim:

XLI - a lei p unirá q ualq uer d iscri minação atentatória dos d ireito s e liberd ades funda mentais;

XLII - a prática do racismo co nstitui cr ime inafiançável e imprescr itível, sujeito à pena de r eclusão, no s ter mo s d a lei;

A sinalização da constituição no sentido da criminalização ou penalização de determinadas condutas, de qualque modo, não significa que a imposição de sanções penais seja uma operação legisferante automática. Recorde-se que o legislador goza, dentro dos limites estabelecidos na Constituição, d euma ampla margem de liberdade que deriva de sua posição constitucional e, em última instância, de sua específica legitimidade democrática.

Maria Conceição Ferreira da Cunha aponta que,

Mesmo em relação ao ordenamento jur ídico a que se referem, as imposiçõ es co nstitucio nais expressas de criminalização não oferece m mais do q ue um apoio, na med ida em que sir vam d e po nto de co mpar ação, de acordo co m uma exigência de coerência do sistema penal por refer encia à ordem valorativa co nstitucio nal e mesmo de co erência interna do próprio siste ma p enal.247

247 CUNHA, M aria Co nceição Fer reir a da. Co nstit uição e cri me: uma persp ectiva d a

Não existe, portanto, uma obrigação de criminalização ou penalização automática, senão só uma indicação do valor do bem jurídico referido. Elevado merecimento de pena não significa automaticamente necessidade de pena.248

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