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GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRAS

4.4 CONSENSO E COOPERAÇÃO

6.1.1 As Dimensões Analíticas da IES Familiar

Entre as três dimensões analíticas de IESs privadas do tipo familiar, a dimensão legal é aquela contemplada pela legislação nacional e educacional em vigor, em que o Estado Nacional, através dos três poderes, o legislativo, o judiciário, e o executivo, cada um em suas esferas de atuação, cumpre o papel de legislar, julgar, desenvolver e implementar políticas públicas para a educação superior, regulamentando as relações no setor. Ao desempenhar seu papel regulador, o Estado cria um sistema de normas e regras que determinam quem pode e quem

não pode atuar, a forma como cada agente deve agir, suas responsabilidades, seus direitos, enfim, tudo que se relaciona à atuação nesse setor produtivo e econômico.

Segundo a dimensão legal, as IESs, para operarem na educação superior no Brasil, um dos setores mais regulamentados da economia nacional, obrigatoriamente se constituem como um sistema composto por dois subsistemas interdependentes, porém autônomos: entidade mantenedora (representando a estrutura de propriedade e de família) e entidade mantida (representando a estrutura de direção), conforme já discutido no referencial teórico, na seção que trata da estrutura e da dinâmica das IESs brasileiras (item 2.2). Essa dimensão responde à pergunta: Como a IES deve proceder para se adequar às determinações legais da legislação educacional nacional em vigor?

A dimensão prática é aquela que abrange e contempla a dinâmica institucional, envolvendo a estrutura, a estratégia, o relacionamento entre a mantenedora e a mantida, as rotinas e os hábitos cotidianos, sua operação de fato, ou seja, sua vivência no dia-a-dia. Essa é a dimensão verificada na pesquisa por meio dos três estudos de caso, apresentados a seguir. Essa dimensão responde à pergunta: Como a IES age de fato?

A terceira dimensão é a ideal. O entendimento do que vem a ser essa dimensão depende do ponto de vista e do propósito a que vai servir. Por exemplo, Japiassú e Marcondes (1996) definem essa dimensão como a construção abstrata de um modelo perfeito que se postula como guia ou orientação para algum tipo de ação ou conduta.

Uma outra forma de entender essa dimensão ideal é aproximá-la da proposta weberiana de tipo ideal, um instrumento de análise para explicação dos fatos sociais. O tipo ideal weberiano refere-se a uma construção teórica abstrata a partir da análise de casos particulares, em que o cientista, pelo estudo sistemático das diversas manifestações particulares, constrói um modelo, acentuando aquilo que lhe pareça característico ou fundante. O tipo ideal constitui-se em um trabalho teórico indutivo cujo objetivo é sintetizar aquilo que é essencial na diversidade das manifestações da vida social, permitindo a identificação de exemplares em diferentes tempos e espaços (WEBER, 1993).

Nesse sentido, o tipo ideal weberiano não é um modelo perfeito a ser buscado pelas formações sociais históricas, nem mesmo qualquer realidade observável. É um instrumento de análise científica, uma construção do pensamento que permite conceituar fenômenos e formações sociais e identificar, na realidade observada, suas manifestações, permitindo ainda

comparar tais manifestações. É uma ferramenta metodológica de construção de conceitos própria das ciências culturais. O tipo ideal constitui-se como um quadro ideal (imaginário) dos acontecimentos, quadro do pensamento que reúne determinadas relações e acontecimentos da vida histórica para formar um cosmo não contraditório de relações pensadas. Pode ser entendido, também, como uma utopia construída mediante a acentuação mental de determinados elementos da realidade. Weber enfatiza o fato de que o tipo não é modelo ou dever ser. Trata-se da construção de relações que parecem suficientemente motivadas para a imaginação e, conseqüentemente, objetivamente possíveis de serem materializadas.

Domingues (2002) caracteriza o tipo ideal weberiano não como um decalque, um resumo, ou uma abreviação do real, mas como uma “construção” do espírito, um “quadro mental” que o cientista elabora para orientar sua pesquisa e co-validar os resultados obtidos em sua investigação. A necessidade de criação desse tipo se impõe, por um lado, em virtude da natureza do método das ciências culturais (nem exclusivamente generalizante nem individualizante, mas uma combinação dos dois); por outro, em função da exigência de controlar o próprio objeto de análise, o qual, em sua singularidade irredutível, em sua dispersão infinita e em sua profusão de significações, sem nenhum trabalho do pensamento para ordená-lo, simplesmente se desintegraria e levaria a investigação à ruína, sendo necessário, pois, um quadro mental homogêneo para pensá-lo.

Quanto ao modo de elaboração (não entendido como um resumo ou um arquétipo), o tipo ideal é obtido mediante a acentuação unilateral de um ou de vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou, mesmo, que podem faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de formarem um quadro homogêneo de pensamento (WEBER, 2003).

Em sua obra, Weber elaborou dezenas de tipos ideais (burocracia, dominação, capitalismo, entre outros). Todos consistiram uma espécie de esquema racional que recuaria em relação ao real, pondo-se ao abrigo de suas flutuações e de suas contingências perturbadoras, para melhor dominá-lo intelectual e cientificamente. E nenhum deles consistiria nem em fins de conhecimento, nem em meios de provas ou demonstrações propriamente ditas, mas em instrumentos de conhecimento, em si mesmos nem verdadeiros nem falsos, porém, como toda

ferramenta, úteis ou inúteis, a depender do escopo e da habilidade do operador (DOMINGUES, 2002).

Assim, mediante um processo de coleta de dados, por meio de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os especialistas em educação superior, pôde-se elaborar, por meio da abstração das percepções individuais e coletivas, um “quadro mental”, um instrumento de análise cuja finalidade principal é a de orientação na condução da pesquisa, na observação, na descrição e na análise do real. Essa dimensão ideal responde às seguintes perguntas: Quais são as características e os objetivos das IESs familiares? Como elas se organizam em termos da estrutura organizacional e institucional da mantenedora e da mantida? Qual a configuração de governança corporativa (relacionamento mantenedora e mantida) mais típica que referencia uma IES familiar?

Dada a complexidade desse tipo de organização, dividiu-se a dimensão ideal de IES em três subdimensões: a das características e dos objetivos, a da estrutura organizacional e institucional e a da governança corporativa, conforme se apresenta a seguir.