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As dimensões pessoal e profissional e a organização da

1.1. A formação continuada de professores/as como objeto de pesquisa

1.1.3. As dimensões pessoal e profissional e a organização da

A relação entre as dimensões pessoal e profissional no trabalho docente é um dos aspectos focalizados nos estudos sobre a formação continuada. Tem sido discutida a idéia de que a formação do docente não deve ser desvinculada da pessoa do/a professor/a. Esse cruzamento de aspectos pessoais e profissionais é ressaltado por NÓVOA (1992) quando afirma que:

23 “o modo como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino: (...) é impossível separar o eu profissional do eu pessoal.” (p.17, grifos do autor).

De acordo com SACRISTÁN (1993), sendo o ensino uma prática social por se concretizar na interação entre professores/as e alunos que refletem sua cultura e os contextos sociais a que pertencem, a prática pedagógica dos/as professores/as é influenciada pelo modo como ele pensa e age nos diversos contextos em que atua. Para este autor, educar e ensinar são atividades nas quais a cultura do/a professor/a tem um papel fundamental. Daí a importância de se repensar os programas de formação de professores/as, “que tem uma incidência mais forte nos aspectos técnicos da profissão do que nas dimensões pessoais e culturais” (p.67).

Observa-se portanto, nos estudos sobre a formação de professores/as, um entrecruzamento destas duas dimensões, demonstrando uma preocupação com a formação global da pessoa. NÓVOA (1992) relaciona a formação de professores/as com o desenvolvimento pessoal (produzir a vida do/a professor/a), com o desenvolvimento profissional (produzir a profissão docente) e com o desenvolvimento organizacional (produzir a escola). Analisando a dimensão pessoal, argumenta que:

“Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (...). Urge por isso (re)encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se de seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro de suas histórias de vida”. (p.25)

Segundo este autor, produzir a vida do/a professor/a implica valorizar seu trabalho de reflexão sobre suas práticas e experiências coletivas na sua

24 formação. Argumenta que a teoria fornece pistas de leitura, mas o adulto retém aquilo que está ligado à sua experiência.

Conforme afirma PERRENOUD (1993), sendo o ensino uma atividade marcada pela complexidade, além de mobilizar determinadas competências, estão em jogo as singularidades pessoais do/a professor/a:

“As profissões relacionais complexas, além de competências, mobilizam fundamentalmente a pessoa que intervém: é o seu principal instrumento de trabalho. É com seu espírito, mas também os sentimentos, o corpo, as entranhas, as palavras e os gestos que tenta dar sentido aos acontecimentos e influenciá-los. (...) Para fazer frente ao fracasso, à incerteza, ao conflito, à diferença cultural, à angústia, ao aborrecimento, ao

stress, é preciso coragem, lucidez, perseverança,

generosidade, descentração, serenidade, força e mil e uma outras qualidades psicológicas e virtudes morais. A formação de professores é portanto uma formação global da pessoa.” (p. 180, grifo do autor)

À esta dimensão pessoal está vinculado também o contexto mais amplo onde se dá o trabalho docente, ou seja, o desenvolvimento da escola enquanto uma organização. FORTES (1996) afirma que a prática pedagógica dos/as professores/as possibilita e demanda a eles/as a construção de conhecimentos práticos em sua atuação diária na escola, durante a qual elaboram saberes a partir dos desafios colocados pelo processo de ensino. Nesse sentido, a escola enquanto local onde a prática se concretiza, constitui- se em um espaço fundamental para a reflexão coletiva sobre o trabalho dos/as professores/as e conseqüentemente, para a formação continuada desses profissionais. A importância da escola como um espaço de formação, entretanto, enfrenta limitações que são decorrentes de sua própria organização e de seu funcionamento, muitas vezes marcado por determinadas normas que lhe caracterizam como uma instituição. Em seu estudo intitulado “A (de)formação da professora alfabetizadora”, BAPTISTA (1996), afirma que

25 existem certos invariantes estruturais presentes na organização das instituições escolares que caracterizam o que foi chamado por ela de ortodoxia da escola. Segundo a autora, o termo ortodoxia ressalta a idéia de resistência à mudança, ou seja, os invariantes estruturais cumprem a função de impedir modificações na estrutura escolar e acabam portanto acentuando e solidificando a ortodoxia da escola.

A autora argumenta que pelo fato de ser uma instituição, a escola se organiza para cumprir um determinado objetivo, que é transmitir o saber

escolar. A transmissão desse saber escolar determina o tempo escolar,

período no qual este saber deve ser ensinado e sua aprendizagem verificada através da avaliação escolar11. A partir desta avaliação escolar é que são definidas a organização e seqüência dos demais conteúdos a serem ensinados e os níveis de aprendizagem que definirão a organização espacial da escola. Essas categorias - saber escolar, tempo escolar e avaliação escolar - é que, segundo a autora, constituem a ortodoxia da escola, que pode dificultar ou mesmo impedir certas mudanças na prática do/a professor/a. Nesse sentido, a autora discute a formação/deformação da professora. Para ela, a escola ao invés de constituir-se em um espaço de formação para os/as professores/as pode contribuir para um processo de deformação. A autora argumenta que o termo deformação relaciona-se a:

“um processo de afastamento da competência adquirida na trajetória profissional da alfabetizadora ocasionado pelos conflitos que vivencia ao tentar por em prática uma ação educativa contrária àquela hegemonicamente assumida pela escola.” ( p. 224)

Essa contradição entre formação/deformação da professora na instituição escolar parece estar diretamente relacionada à forma de

26 organização de cada escola. De acordo com NÓVOA (1992) é na instituição escolar que são tomadas várias decisões sobre diferentes questões educativas. Sua forma de organização e as relações de poder aí existentes bem como os diversos elementos que caracterizam o cotidiano escolar certamente produzem implicações no trabalho diário dos/as professores/as.